Monday, February 16, 2004

Para quem não conhece, o texto de Ruy no seu opúsculo inaugural sobre
propriedade industrial surpreende. Apenas escaneei o texto canônico
da Casa de Ruy Barbosa, sem acréscimos:


Estabelecida essa jurisprudência, a fraude ficará sendo na indústria
a medida do merecimento. A inspiração mais legítima dos fabricantes
inteligentes não será o nome de melhorador ou descobridor, mas o de
falsificador hábil. Chegará a ser impossível a existência de uma
firma acreditada, porque as falsificações alagarão tudo, e o produto
ruim, disfarçado pela fraude, depreciará o produto verdadeiro.
Haverá casas de comércio sem firma comercial, e fábricas sem marca de
indústria. Ser negociante honrado será não ter proteção para o
trabalho; esbulhar o comerciante honesto será estar sob a guarda dos
tribunais. O principal objeto da concorrência será o tráfico de
firmas. A especulação mais justa, a usurpação do crédito alheio. A
maior inépcia será a adoção de uma firma só, a melhor aplicação da
inteligência e da atividade mercantil, - o uso de todas as firmas
conhecidas.
A fraude deixará de ser negócio a retalho para ficar sendo o comércio
em grande, o comércio por atacado, a origem das mais opulentas
fortunas mercantis, a base da prosperidade industrial de nossa pátria.
A nossa riqueza comercial será edificada sobre lama.
Daí em diante começarão a organizar-se as grandes comanditas da
fraude legal, sem firma nenhuma, porque terão por suas as firmas de
todos. O que os homens de bem indignados tinham até hoje o direito de
chamar quadrilhas, chamar-se-á para o diante - sociedades mercantis,
associações industriais. E, se a essa gente alguma pessoa mais
escrupulosa aplicar a designação de que são dignos os que vivem do
sangue alheio, mandá-la-ão meter na cadeia pelo crime de acreditar
que a subtração fraudulenta da propriedade estranha é uma miséria.
E o público?
O público será a anima vilis dos especuladores, a carne em que eles
cortem à vontade.
O consumidor que, à custa do dinheiro adquirido com o seu suor, vai
pagar a satisfação de suas necessidades, comprará a mercadoria
falsificada, inútil às suas precisões, repugnante à sua vontade,
oposta às suas preferências, muitas vezes sem saber, outras por não
ter outro recurso, e sem poder apelar para ninguém contra os
simuladores, que exercerão um direito legal.
Ora, quem não desconhecer a influência das leis sobre os costumes,
não pode pôr em dúvida a rapidez com que a legalidade, neste ponto,
deve tender a transformar-se em legitimidade.
(...)
E, se agora se demonstrar que o direito brasileiro consente nestas
desgraças, amanhã a fraude praticar-se-á às escâncaras.

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