Wednesday, November 28, 2007

PROJETO DE LEI Nº , DE 2003
(Do Sr. Dr. Pinotti)
Acrescenta inciso ao art. 43 da Lei nº
9.279, de 14 de maio de 1996, limitando os
direitos de proteção patentária das
substâncias farmacêuticas componentes de
medicamentos produzidos pelos laboratórios
estatais.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º O art. 43 da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996,
passa a vigorar acrescido do seguinte inciso VII:
“VII – às substâncias farmacologicamente ativas e demais
matérias-primas componentes de medicamentos fabricados
pelos laboratórios estatais, destinados à distribuição gratuita
nos serviços do Sistema Único de Saúde.”
Art. 2º O Poder Executivo regulamentará a presente lei no
prazo de cento e oitenta dias.
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.



Então o projeto quer é introduzir uma limitacão às patentes. Em princípio, não endossaria tal solucão eis que, levando sempre em conta o interesse social em jogo, as limitações presumem ponderação, e o texto, ao contrário do que supus antes, não importa em pagamento de royalties. A meu ver isso não parece nem constitucional, nem compatível com TRIPs. O projeto, não obstante suas excelentes intenções, merece ser vetado.

Não sou partidário de licenças compulsórias quando o interessado é o Estado e o uso é não comercial. Sou, sim, do instituto do uso público não comercial, como previsto na lei 11484/07 e, como já mencionei, corrente e frequente no sistema americano:


Art. 47. O Poder Público poderá fazer uso público não comercial das topografias protegidas, diretamente ou mediante contratação ou autorização a terceiros, observado o previsto nos incisos III a VI do caput do art. 49 e no art. 51 desta Lei.
Parágrafo único. O titular do registro da topografia a ser usada pelo Poder Público nos termos deste artigo deverá ser prontamente notificado.

Quanto a isso, vide o nosso Breves comentários à Lei n 11.484, de 31 de maio de 2007, que introduz proteção exclusiva relativa à
Topografia de Circuitos Integrados, que está sendo publicado na Revista dos Tribunais.

Sempre tive algumas dúvidas quanto à compatibilidade constitucional deste último sistema. Atraído por um voto recente do Ministro Eros Grau, que o cita, fui desenterrar o opúsculo Privilégios Exclusivos, do Ruy Barbosa, de 1911. Apesar de não falar muito de patentes de invenção, o texto ajuda a entender como o uso público não comercial difere da licença compulsória. Assim como traduz certa doutrina judicial americana sobre o tema, patentes são privilégios exclusivos, não monopólios stricto sensu, mas, como tal, concesões de origem plenamente estatal.

O uso público não é nem uma limitação intrínseca ao direito, nem uma licença compulsória de um direito concedido, em face de interesses subsequentes e cogentes, mas uma reserva de poderes na própria concessão. É um modo de concessão pelo qual o Estado se reserva a inoponibilidade quanto a exclusão, sem se eximir de restituir, através de indenização (e não royalties) os valores aos quais o titular da patente poderia auferir, não fosse pelo exercício da reserva.

Em suma, o que falta aí no projeto é pagar indenização, e não classificar sob o art. 43, para se ater à técnica jurídica adequada. Minha sugestão como minuta preliminar de uma manhã de quarta feira:
Art. 43-B. O Poder Público, mediante ato administrativo motivado, poderá fazer uso público não comercial do objeto de patentes ou pedidos de patentes de invenção, diretamente ou mediante contratação ou autorização a terceiros, para os fins de interesse público, inclusive os de interesse social ou de defesa nacional.
§ 1o. O titular da patente ou pedido de patente cujo objeto venha a ser usado pelo Poder Público nos termos deste artigo deverá ser prontamente notificado.
§ 2o. O uso público obedecerá ao seguinte:
I – o alcance e a duração do uso serão restritos ao objetivo para o qual foi notificado.
II – o uso público não impedirá o pleno exercício dos demais direitos do titular da patente;
III – o uso por terceiros do objeto da patente, mediante contratação ou autorização do Poder Público, se fará exclusivamente para os objetivos do ente estatal que levaram ao ato, vedada qualquer outra atuação que, não fora pelo uso público, importasse em violação do art. 42 desta Lei.
IV - O titular deverá ser adequadamente remunerado segundo as circunstâncias de cada uso, levando-se em conta, no arbitramento judicial dessa remuneração, o percentual que seria devido por uma licença entre pessoas independentes sobre o objeto do uso público, calculado sobre a parcela do custo para o Poder Público que expresse o objeto da patente ou pedido de patente pertinente, ponderado pela colaboração prestada pelo titular para a respectivo transferência de tecnologia de fabricação ou emprego.
V - No caso de pedidos de patentes, o correspondente valor, calculado na forma do inciso anterior, será objeto de depósito judicial até a expedição da carta patente.
VI - A devida remuneração ao titular será fixada em ação judicial, mediante o rito ordinário, para a qual terá legitimidade o titular ou o ente público utente.
VII - O uso público não comercial não será objeto de medida judicial que o interrompa ou limite, antes da coisa julgada.
VIII - A fabricação ou emprego realizada com o objeto da patente, quando autorizada ou contratada por terceiros, obedecerá ao disposto na legislação que regulamenta o disposto no art. 37, XIV, da Constituição Federal.

Tuesday, November 20, 2007

De ABrantes: uma loja comercial PODE usar Windows XP pirata em seus micros que
ficam expostos a venda. certo ?

A questão que o Abrantes suscita é séria e revela o tempo e a profundidade que ele, sendo engenheiro, dedica ao tema do software. O art 10 de TRIPs indica que:

1 - Programas de computador, em código fonte ou objeto, serão protegidos como
obras literárias pela Convenção de Berna (1971)

Assim, à luz de TRIPs, o art. 2o. da Lei 9.609/98 diz exatamente isso:

Art. 2º. O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.
§ 1º. Não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas aos direitos morais, ressalvado, a qualquer tempo, o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do autor de opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem em deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação.

Assim, realmente se aplica ao software, como o Abrantes diz, o regime próprio às obras literárias.

Aí vem o art. 46 e diz que não constitui ofensa aos direitos autorais (...) V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;

Acho ótima a descoberta do Abrantes. É claro que o regime aplicável ao software não pode ser - logicamente - o das obras literárias. Isso é o resultado da alteracão americana da sua Lei Autoral de 1976, na qual, para fugir à idéia de um novo gênero de direitos para cobrir o software - nem direito autoral nem patentes - como eu sempre propus como política pública (BARBOSA, Denis Borges . Software and Copyright: A Marriage of Inconvenience . Copyright Magazine Of The World Intellectual Property Organization, Genebra, 1988), inventou essa aplicacão doida do regime literário.

Mas a verdade é que não se aplicam as limitacões autorais ao software, e sim as limitacões da própria lei de software. A aplicacao da lei autoral ao software é meramente (e enfatize-se o meramente) subsidiária. Veja-se a redacão do art. 2o. da Lei 9.609, que manda aplicar suas regras em predilecão às da Lei 9.610: observado o disposto nesta Lei.

Alias, eu sempre sustentei que a protecão do software segundo a lei brasileira nao é verdadeiramente autoral. Só o é para inglês ver, cumprindo TRIPs. Na verdade, na maioria dos regimes legais nacionais, a protecao do software se faz por uma forma tão alterada do sistema autoral que na verdade é um sui generis.

Nào, Abrantes, o inciso V do art. 46 da Lei 9.610 não se aplica ao software. Mas sua dúvida é absolutamente justificada. Agora, aplicacao das limitacoes autorais ou de software nao é pirataria. Mudemos a chamada deste email.