Thursday, April 09, 2015

Certificado de Registro de Programa de Computador (em especial) tem a natureza jurídica de TÍTULO de Propriedade Intelectual?



Meu caro Renato,

Uma pergunta em abstrato, assim, é irrespondível. A Lei 9.279/96 usa a expressão “título” em um grande número de acepções divergentes. Título como o nome que um livro tem na capa, ou o jornal no seu topo; o breve resumo da matéria de uma patente;  o nome de um estabelecimento comercial; a noção de “causa de direito”, quando fala “a qualquer título”; etc.  A Lei mais genérica, de registros públicos, menciona “títulos e documentos”, prescrevendo  que o órgão registral levará tais títulos (e documentos...) em conta para fins diversos. Distinguem-se nessa lei os usos da expressão “título “ tanto como causa jurídica e quanto como testemunho documental, mas sem muita precisão.

Vejamos, de outro lado, o Código Civil: “Art.1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código. (Código Civil Brasileiro de 2002)”. Se tem então o registro (que transfere o direito real) do título, aqui entendido como um causa jurídica de cunho documental, que é precedente ao registro. Mas há momentos em que o “titulo” se desnuda em causa jurídica, sem qualquer exigência de testemunho documental: Art. 1.201. (...) Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção. (Código Civil Brasileiro de 2002).

Mas indo ao caso específico, nem as leis de PI, nem a lei registral geral, definem, o que é “título de propriedade industrial”.  

Então, a resposta direta à sua pergunta é: depende do que você quer dizer falando de “título de propriedade industrial”? É para que propósito? Documento interno do NIT? Contrato? Contagem estatística?

Mas uma coisa pode ser dita de início. Nem a carta patente, nem o certificado de registro de marcas, é um “título” autônomo e literal, pelo menos no sentido de um direito cartular contido  no papel em que ele se descreve. Há sim, títulos cartulares, como explica o comercialista Fábio Ulhoa:
 Cartularidade "é a garantia de que o sujeito que postula a satisfação do direito é mesmo o seu titular, sendo, desse modo, o postulado que evita o enriquecimento indevido de quem tenha sido credor de um título de crédito ou negociou com terceiros (descontou num banco , por exemplo )".
Tal documento é chamado de título de crédito porque cumpre os requisitos estabelecidos em lei, se assim não o for, não se tratara de título de crédito. Não existe credor sem a posse efetiva do título neste caso, mesmo que a pessoa possua os direitos creditícios, este não poderá recorrer em juízo para exigir seu cumprimento.
Assim, sem o título de crédito – fisicamente, na sua mão – não há como exercer seus direitos de credor. Não se vai buscar a causa jurídica fora do documento, pois ele é também autônomo e literal.  Mas isso não é a regra geral em direito. Na verdade, esses são casos singularíssimos.
Quando você nasce com vida, o fato do seu nascimento constitui seu ingresso no mundo do direito, independentemente da certidão. É a vida, e não o papel, que faz eclodir as consequências jurídicas. Você pode ter algumas restrições pragmáticas ou de meio de prova pela falta da certidão de nascimento, mas em nada isso abala a criação do direito pelo nascimento com vida. No caso dos direitos que dependem de declaração e constituição por um ato estatal, como o de patentes, há um ato de estado, ou ato administrativo, que deflagra os direitos pertinentes; aliás, a emissão do documento que atesta o ato estatal não é o que deflagra esse direito, mas a publicação do ato na RPI. Com ou sem a carta patente, existe a patente e pode se exercida, em virtude da publicação que dá ciência do ato estatal de concessão.

Bom, então se tem títulos cartulares, e documentos que apontam para o título, mas nele não se contém o título (a vida e não a certidão de nascimento; a concessão da patente pela publicação na RPI, e não pela entrega da carta patente). O título (a patente, o registro, etc.) não está contido no papel.

Qual o papel da carta patente, então? É um instrumento informacional, no qual se reúnem os dados básicos, e se facilitam os negócios jurídicos. Mas vezes sem conta fui réu em ações em que o titular da patente não tinha carta patente, e o processo prosseguia sem a exibir. Na verdade, creio que isso não deveria ser admissível, pois o réu necessitaria ter exata informação do direito que se lhe antepõe, o que não é sempre fácil sem a versão final da patente como deferida – e o INPI não tem cópia guardada das cartas patentes.

Assim, se parece possível definir como “titulo de propriedade industrial” a patente, o registro, etc., o mesmo não se dirá da carta patente, dos certificados de registro, etc. Quando você olha para os dispositivos legais pertinentes, isso se vê:
Art. 38. A patente será concedida depois de deferido o pedido, e comprovado o pagamento da retribuição correspondente, expedindo-se a respectiva carta-patente. (...)    § 3º Reputa-se concedida a patente na data de publicação do respectivo ato. Art. 39. Da carta-patente deverão constar o número, o título e a natureza respectivos, o nome do inventor, observado o disposto no § 4º do art. 6º, a qualificação e o domicílio do titular, o prazo de vigência, o relatório descritivo, as reivindicações e os desenhos, bem como os dados relativos à prioridade.
Aqui vem mais uma distinção: há direitos que nascem de um ato estatal que declara seus pressupostos e constitui a exclusividade, e há outros direitos que nascem independentemente da ação estatal. Nascem da simples criação da obra. Tal acontece com as obras autorais e, por assimilação, o software. Assim, a patente, o registro de marcas, de topografias, de cultivares, de desenho industrial, todos esses nascem de um ato estatal. Mas a obra autoral, nela incluída o software, independem em sua proteção de qualquer ato estatal. 

O Certificado de registro de software no INPI tem a mesma importância jurídica de uma fotografia que você tira de um bebê novo: ela serve para por no facebook e mostrar para os amigos, mas não tem nenhuma, nem a mais remota das repercussões em direito. A não ser comprovar que você pediu registro (tirou foto com iphone). As pessoas usam o registro de software basicamente para impressionar burocratas, compradores e namoradas,  partindo do princípio de que esses não tenham realmente ideia do que é um registro de software; e – numa hipotética discussão judicial – como prova de que, na data em que pediu o registro, o software existia mais ou menos do jeito que foi depositado.

Assim, se neste caso específico você definir “título” como a causa jurídica do direito de exclusiva, o título resulta do ato de criação, e de nenhum ato estatal.  


Mas – sempre – título é qualquer coisa, dependendo de definição contextual. Os meus “títulos de propriedade industrial” são os livros que escrevi que tratam da questão, e não os meus romances, novelas e contos.