Tuesday, December 17, 2013

Dionísio de Halicarnassus e o Denis da Rua do Ouvidor

Relendo faz uns dias o texto sobre plágio autoral e acadêmico de 2012, deu gosto de reencontrar o que já tinha (como sempre) um pouco esquecido. Há lá umas fontes interessantes, inclusive um texto do sec. XVI, CASTELVETRO, Ludovico. Poética d'Aristóteles vulgarizzata et sposta. Basilea, 1576, descoberto pelo amigo escritor Flavio de Campos, provavelmente em lembrança dos tempos em que, lá por 1969, andamos estudando retórica juntos.

Mas exatamente por ter misturado doutrina de direito e um pouco de literatura, acabou por ser fato inexplicável ter deixado de lado a retórica de Dionisio de Halicarnasso, do seu Tratado da Imitação ((Περὶ μιμήσεως), traduzido em português por Raul Miguel Rosado Fernandes, e editado em Lisboa em 1986.

Lógico que o texto de 2012 menciona a Poética de Aristóteles e do que nela se fala de imitação, mas a mimesis do grego  (e a de Auerbach, que estava ao meu lado quando escrevia o tal estudo sobre o plágio) cuidam da  replicação  ... da natureza. O que há de interessante do meu xará de Halicarnasso é sua introdução da imitatio que não é  mimesis (... a representação da realidade) , mas a imitação de outros autores.

Mais recentemente, no Congresso de Direito Autoral e Interesse Público, sempre promovido por Marcos Wachovicz - mas esse ano em Curitiba -, enfrentei a questão da imitatio quanto ao espinhoso tema da Transformação Criativa. Mas esqueci de novo da retórica do Dionísio.

Depois de tanto criar suspense, vamos ver logo o que tal autor de um século antes de Cristo dizia.

O método literário, entendia ele, é o ato de emular (æmulatio), adaptar, refazer, e enriquecer o que já existe. Em suma, criar é recriar, contribuindo e honrando o que se recebe. No mesmos sentido da imitatio, Horácio aponta não só para a vailidade da emulação e dos demais gestos de Dionísio, mas sugere uma regra de prudência:

publica materies privati iuris erit, si
non circa vilem patulumque moraberis orbem,
nec verbo verbum curabis reddere fidus interpres,
nec desilies imitator in artum,
unde pedem proferre pudor vetet aut operis lex (Arte Poetica, 131-135)

Ou seja, a matéria que é de todos se fará coisa sua, se não se aproveitar desmesuradamente do que já existe, se não copiar servilmente palavra por palavra, nem se emaranhar na reprodução além dos limites da decência e das normas de seu trabalho.

O que se tira desse e dos muitos que seguem a linha da imitatio? (Por exemplo, Erasmo no De duplici copia verborum ac rerum commentarii duo).

Para essa leitura do que é o processo de produção expressiva, a originação não é necessariamente um ato inaugural e taumatúrgico. Pode ser a mínima contribuição ao discurso do homem, sem que dela nasça a arrogância do proprietário. Mesmo a doação incremental é digna, desde que não ofenda o pudor comum ou as regras da arte. Temos aqui filtros - morais ou éticos.

Mas Dionísos, Horacio e Erasmus não estavam preocupados em exclusiva ou royalties. A originação de uma obra tinha - como elemento central - a ambição de por a marca no mundo: "So long as men can breathe, or eyes can see, So long lives this, and this gives life to thee (Soneto XVIII)." A emulação significava um preito aos antigos e excelentes, e não uma tentativa de parasitar o patrimônio alheio. A patrimonialidade altera o sentido do discurso ou pelo menos a sua justificativa social.

Se essas considerações rasteiras procedem, o direito de exclusiva não acresceu somente uma patamar a mais no discurso expressivo. Ele o altera radicalmente. Entre a imitatio de Dionísio e a produção corrente ocorre uma diferença crucial: "The profit motive is the engine that ensures the progress of science" (Eldred v. Ashcroft).