Wednesday, April 18, 2012

O eu e o nós: como Stalin, revendo a história

Fugindo um pouquinho, mas não muito, do tema Propriedade Intelectual. Contam as notícias que um juiz de Sergipe, por demanda da filha do reportado, proibiu um livro que diria que Lampeão era homossexual. No processo 201110701579 da 7ª vara Cível de Aracaju, diz-se:  
"para provar a sua tese de que Lampião era um homem covarde e violento, não precisa o requerido imputar ao mesmo a conduta homossexual, uma suposta impotência sexual ou ainda as supostas traições de sua companheira Maria Bonita, bastava o requerido investigar e narrar os vários fatos públicos e notórios, que são imputados a Lampião e Maria Bonita, fatos estes que dizem respeito à prática de diversos crimes e a partir daí traçar um perfil de Lampião e de Maria Bonita".
Não sei, e nem me importa, qual a preferência sexual de Lampião. O que me faz mal é a postura judicial que suprime fatos (se fatos são...), substituindo pela visão estruturante do magistrado o que é essencialmente um função e responsabilidade do autor.
 
Esse tipo de revisão dos fatos, em nome da defesa da dignidade de pessoas que essencialmente pertencem à história, me revolta explosivamente. A enciclopédia soviética fazia isso, em nome da verdade socialista. Vide http://en.wikipedia.org/wiki/Great_Soviet_Encyclopedia#Damnatio_memoriae. Damnatio Memoriae devia ser, aliás, o título desta nota.

Apesar de a UERJ ser minha alma mater, a superavaliação da dignidade individual como vetor constitucional único me ofende.  Quando suscitado a escrever sobre direitos humanos sobre essa perspectiva, no doutorado, entreguei o texto Contra os Direitos Humanos - A Opressão do universalismo (Agosto de 2003) - e a prudência e sofisticação de Ricardo Lobo Torres não me reprovou. O texto (que acabou tendo a maior divulgação internacional entre tudo que jamais escrevi) essencialmente contrapõe a perspectiva ocidental de direitos humanos individuais, e o tom mais societal ou comunitário da categoria jurídica correspondente em outras culturas.

Pois é isso que me ofende. Nós brasileiros, e todo outro povo, temos direito à nossa História. Não à visão "digna" da história ad usum delphini: para o benefício da família. Sem nenhuma ambição a ser efeméride, quero muito ser reportado pelo que sou, e não qualquer versão "digna" de mim mesmo.