Entrevista
NIT Mantiqueira: Como o senhor vê a posição do Brasil no ranking mundial de Inovação? O atual processo de inovação do país estaria em consonância com os dos demais países em desenvolvimento?
Denis Borges Barbosa: Após quase dez anos de Lei de Inovação, começam a aparecer índices do seu impacto: índices nominais, ainda. Número de patentes solicitadas é um índice nominal, e esse está claramente crescendo. A substância da inovação subjacente não se revela em depósitos de patente, como o número de peladas em várzea não indica quem vai ganhar a próxima Copa. Quanto ao ranking mundial, entendo que ele tende a comparar bananas e laranjas: inovação é essencialmente um processo cultural de efeitos econômicos, e inovação na China não é exatamente comparável com inovação em outros contextos. Voltando à questão dos depósitos de patentes: certos economistas chineses apontam que a enorme quantidade de depósitos locais representam contrapartida para incentivos fiscais e creditícios a depósito, sem que se estimule exatamente a contribuição inovadora substantiva. Creio que quantificação de um processo medularmente qualitativo tem como principal efeito o do efeito político de aparentar controle preênsil sobre o movimento das nuvens e assim apoderar os pajés.
NIT Mantiqueira: Qual sua participação na elaboração da atual Lei de Inovação?
Denis Borges Barbosa: A lei de Inovação atual é fruto de uma elaboração orgânica dos pesquisadores e gestores de conhecimento em nossas instituições públicas, e disso resulta sua legitimidade e seus problemas. Como consultores do MCTI, na época da regulamentação da Lei, tivemos ocasião de elaborar a proposta da norma que veio a se transformar na Lei do Bem (com grandes alterações introduzidas pela Receita), e participar de uma série de discussões que resultaram nos regulamentos da norma legal. Essa participação não se interrompeu desde então, formal e informalmente, mas apenas como consultores.
NIT Mantiqueira: O senhor entende que há entraves burocráticos e jurídicos na aplicação da Lei de Inovação? Quais seriam os mais relevantes?
NIT Mantiqueira: Como o senhor vê a posição do Brasil no ranking mundial de Inovação? O atual processo de inovação do país estaria em consonância com os dos demais países em desenvolvimento?
Denis Borges Barbosa: Após quase dez anos de Lei de Inovação, começam a aparecer índices do seu impacto: índices nominais, ainda. Número de patentes solicitadas é um índice nominal, e esse está claramente crescendo. A substância da inovação subjacente não se revela em depósitos de patente, como o número de peladas em várzea não indica quem vai ganhar a próxima Copa. Quanto ao ranking mundial, entendo que ele tende a comparar bananas e laranjas: inovação é essencialmente um processo cultural de efeitos econômicos, e inovação na China não é exatamente comparável com inovação em outros contextos. Voltando à questão dos depósitos de patentes: certos economistas chineses apontam que a enorme quantidade de depósitos locais representam contrapartida para incentivos fiscais e creditícios a depósito, sem que se estimule exatamente a contribuição inovadora substantiva. Creio que quantificação de um processo medularmente qualitativo tem como principal efeito o do efeito político de aparentar controle preênsil sobre o movimento das nuvens e assim apoderar os pajés.
NIT Mantiqueira: Qual sua participação na elaboração da atual Lei de Inovação?
Denis Borges Barbosa: A lei de Inovação atual é fruto de uma elaboração orgânica dos pesquisadores e gestores de conhecimento em nossas instituições públicas, e disso resulta sua legitimidade e seus problemas. Como consultores do MCTI, na época da regulamentação da Lei, tivemos ocasião de elaborar a proposta da norma que veio a se transformar na Lei do Bem (com grandes alterações introduzidas pela Receita), e participar de uma série de discussões que resultaram nos regulamentos da norma legal. Essa participação não se interrompeu desde então, formal e informalmente, mas apenas como consultores.
NIT Mantiqueira: O senhor entende que há entraves burocráticos e jurídicos na aplicação da Lei de Inovação? Quais seriam os mais relevantes?
Denis Borges Barbosa: A lei de inovação presume a modificação dos papéis do estado brasileiro e da sociedade, aqui incluído o mercado. Uma instância colaborativa e igual, sem determinismos e sem clientelismos. O nosso estado (a análise de Raymondo Faoro não perdeu sua validade) é estamental, e colaboração com a sociedade é coisa ainda estranha; como notou um eminente colega, a lei de licitações foi concebida para estabelecer o comportamento do amanuense Belmiro que opera em Imperatriz, no Piauí. E os entraves derivam não de problemas legais ou burocráticos, mas dessa questão basicamente antropológica, ou política. Recentemente, num curso para integrantes dos NITs, um eminente colega da AGU notou que não existe no sistema de contabilidade da União previsão de receita de royalties pelas ICTs, e muito menos distribuição dessa participação pelos criadores. A proposta que ele fez foi de repassar esse encargo para uma entidade externa aos sistema das ICTs, que aliás mal se aguenta das pernas em suas demandas de serviço atual. Ou seja, alterar o Código de Contabilidade da União de 1923, que está tão vivo quanto D. Sebastião, e a Lei 4320, desanima todo mundo: faz parte da missão dos advogados do estado defenderem status quo e a clareza das relações administrativas. Isso não é burocracia, que se caracteriza como uma patologia do poder pelos petty officials: é falta de vontade transformadora. Essa vontade é política, e não administrativa, ou da AGU. Isso depende, em algum grau, da credibilidade do ator político e da apreensão pública da legitimidade de seus motivos.
NIT Mantiqueira: Em sua visão, como uma ICT pública pode aplicar a Lei de Inovação em benefício das empresas sediadas no país?
Denis Borges Barbosa: Pela Lei de Inovação, ICT é sempre pública. As instituições privadas não estão sob o guarda chuva da lei; estarão elas talvez sob a noção de "Organizações de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa e desenvolvimento", mas como elementos da articulação público-privado e não como beneficiárias diretas da Lei. A Lei é essencialmente de direito administrativo federal, com alguns elementos de direito público nacional. Sua cobertura direta só alcança assim as pessoas públicas, e as privadas por ricochete.
Denis Borges Barbosa: Pela Lei de Inovação, ICT é sempre pública. As instituições privadas não estão sob o guarda chuva da lei; estarão elas talvez sob a noção de "Organizações de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa e desenvolvimento", mas como elementos da articulação público-privado e não como beneficiárias diretas da Lei. A Lei é essencialmente de direito administrativo federal, com alguns elementos de direito público nacional. Sua cobertura direta só alcança assim as pessoas públicas, e as privadas por ricochete.
A lei como está já permite uma articulação público privada eficiente, se levadas em conta determinadas características. O art. 9, em particular, que trata de parcerias, é uma norma bem intencionada e potencialmente calamitosa. Os riscos que ela traz para a parte privada – e mesmo pelos gestores públicos – é tanto e tamanho que só os que não percebem ou os que não se importam com as consequências engajam numa parceria prevista em tal dispositivo. Uma parceria assim é bungee jumping, mas certamente há quem goste. Aliás toda a armadilha resulta da norma como redigida, mas a proposta do Código – nem antes nem depois da recente mudança do projeto – não se importou de mudar.
NIT Mantiqueira: A partir de seu ponto de vista, o Novo Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação pode vir a acelerar o processo de Inovação no país?
Denis Borges Barbosa: A tramitação dessa lei foi sustada e redirecionada há algumas semanas, e pelas modificações que nele se pretende introduzir, não é mais exatamente um Código. Li as propostas anteriores a modificação, e entendi que havia dois problemas cruciais: (a) falta de organicidade ao reunir uma massa de interesses e normas tópicas em se preocupar com princípios e diretrizes, o que caracterizaria melhor a noção de código; (b) a consolidação normativa tinha um viés excessivamente corporativo, e não colaborativo; seria mais um estatuto dos servidores inovadores e gestores de inovação, e não um instrumento que aperfeiçoasse a relação sociedade/estado para a comunhão inovativa. Mesmo neste plano, não listava as necessidades de direito público necessárias a tal aperfeiçoamento, como as de contabilidade pública e de orçamentação, de criação de carreiras em NITs etc.
NIT Mantiqueira: A partir de seu ponto de vista, o Novo Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação pode vir a acelerar o processo de Inovação no país?
Denis Borges Barbosa: A tramitação dessa lei foi sustada e redirecionada há algumas semanas, e pelas modificações que nele se pretende introduzir, não é mais exatamente um Código. Li as propostas anteriores a modificação, e entendi que havia dois problemas cruciais: (a) falta de organicidade ao reunir uma massa de interesses e normas tópicas em se preocupar com princípios e diretrizes, o que caracterizaria melhor a noção de código; (b) a consolidação normativa tinha um viés excessivamente corporativo, e não colaborativo; seria mais um estatuto dos servidores inovadores e gestores de inovação, e não um instrumento que aperfeiçoasse a relação sociedade/estado para a comunhão inovativa. Mesmo neste plano, não listava as necessidades de direito público necessárias a tal aperfeiçoamento, como as de contabilidade pública e de orçamentação, de criação de carreiras em NITs etc.
Certos setores representativos do setor privado manifestaram grandes críticas a esse viés publicista do projeto anterior do dito código; entendo que a maioria das críticas é procedente. Não se faz inovação sem comunhão, e nisso se exige harmonia de interesses dos players de inovação, ou pelo menos algum contraponto mesmo dissonante. Mas acresço as minhas próprias críticas, de que o projeto não está publicista o suficiente, pois ele seria a oportunidade de fazer as alterações estruturais para que o novo modelo de inovação colaborativa chegasse ao nível dos serviços, das compras, do regime de pessoal, da contabilidade e do orçamento. Mas esses temas são muito pouco charmosos, ainda que hiantemente essenciais.
NIT Mantiqueira: Qual sua visão sobre o papel do INPI frente a velocidade necessária para que as ICTs possam de fato transformar o conhecimento em bens comercializáveis?
Denis Borges Barbosa: Em recente evento no INPI, me coube notar a um dos diretores da casa que o dever que a autarquia tem com a sociedade não é formular política pública de inovação, uma de suas missões no regime legal de 1970 a 1996, e como tal consagrada em acórdão do STF. Hoje existem outros players na formulação dessa política; criou-se o MCT, o Ministério da Saúde tem eminentes interesses no campo da PI e poderes legais para tanto; o MAPA tem seu próprio sistema de propriedade intelectual e interesses dominantes em outras modalidades, como as IGs; sempre, e mais do que nunca, o assunto é de interesse da política externa e de comércio internacional; surgem agora claros as intercessões entre assuntos estratégicos e defesa e inovação. Política industrial não mais papel do INPI, mas de uma articulação que neste momento estaria no GIPI, se lhe fosse garantido mais poder real.
Denis Borges Barbosa: Em recente evento no INPI, me coube notar a um dos diretores da casa que o dever que a autarquia tem com a sociedade não é formular política pública de inovação, uma de suas missões no regime legal de 1970 a 1996, e como tal consagrada em acórdão do STF. Hoje existem outros players na formulação dessa política; criou-se o MCT, o Ministério da Saúde tem eminentes interesses no campo da PI e poderes legais para tanto; o MAPA tem seu próprio sistema de propriedade intelectual e interesses dominantes em outras modalidades, como as IGs; sempre, e mais do que nunca, o assunto é de interesse da política externa e de comércio internacional; surgem agora claros as intercessões entre assuntos estratégicos e defesa e inovação. Política industrial não mais papel do INPI, mas de uma articulação que neste momento estaria no GIPI, se lhe fosse garantido mais poder real.
O que disse em tal evento, e repito, é que o poder e dever do INPI perante a sociedade e o estado, é de eficiência das suas prestações; depois de entregar, a tempo e qualidade compatíveis com seus escritórios correlatos no exterior, terá alguma autoridade para desempenhar papel de política. Minha posição presume apreço elevado ao INPI, onde passei nove anos, mas atenção ainda mais elevada à demanda da sociedade brasileira.