Porém, não há como o jurista exigir que um publicitário ou um técnico em marketing forneça dados para subsidiar o que é possível aferir pelo conhecimento comum ou instinto natural. A perícia é uma perda de tempo que prejudica o processo e encarece os custos da demanda.(....)Com o máximo respeito que a Ministra Andrighi e o Desembargador Zuliani me merecem ( e isso não é formal: respeito a doutrina de ambos) tenho de discordar. Dos dois.
Reprodução exata numa mesmíssima atividade é coisa simples, e não requer perícia. Num caso - como os dois em confronto - de garrafas, o magistrado de olhos vendados pode verificar a infração. Ponto para Gama Cerqueira.
Mas - e se as atividades, daí, o público e os hábitos do público e sua especialização, os hábitos do mercado, etc., forem não as mesmíssimas? Surge uma relativização: o magistrado tem dados para distinguir esses detalhes? Num fofo acórdão do TRF2/1a. Turma, uma desembargadora federal lembrou os patronos de que ela, relatora, fazia cabelo todo sábado e conhecia, sim, melhor de qualquer perito a questão.
Quando se sai da reprodução para confusão - aí, os relativos florescem. Confusão ... para quem? Tenho certeza que nosso querido Desembargador Zuliani faz parte do público de geleias (e como comprova acórdão anterior sobre tortas, também destas). Muitos produtos de consumo geral terão o mesmo efeito.
Mas espero que quando surja alguma ação de infração do trade dress de uma flauta doce Morgan DeBey o honrado magistrado nomeie o amigo Ricardo Kanji como perito, e eu me ofecerei como assistente técnico. Nós dois somos mais ou menos o público inteiro desse produto no Brasil, e se o magistrado realmente conseguir distinguir a DeBey de uma Rottemburgh, requererei suspensão do processo até tocar um trio.
Minha primeira Rottemburgh, safra 1965 |
Minha Morgan Debey |
Assim, entre Gama, Andrighi, e Zuliani, fico no relativo e no regime de provas do nosso CPC; nem se prescreva que prévia perícia é condição de procedibilidade, nem se dispense prova técnica quando o elemento a ser apurado o exija.
Veja o extrato do importantee acórdão.
"CONCORRÊNCIA DESLEAL Utilização do trade dress de embalagens de vidro que são usadas para acondicionar as geleias Queensberry. Marca tridimensional devidamente registrada e em plena vigência. Requerida que passou a usar potes absolutamente semelhantes aos da autora. Produtos que são vendidos lado a lado nos supermercados. Demonstração da possibilidade de confusão e concorrência desleal. Pote de geleia utilizado pela autora há quase trinta anos, caracterizando o conjunto de imagens distintivo Violação de direitos da propriedade industrial e usurpação que tem finalidade de aproveitamento Sentença de procedência. Apelo para reforma. Não provimento.(...)
Os integrantes da Turma Julgadora não ignoram os termos de recente Acórdão assinado pela eminente Ministra NANCY ANDRIGHI (Resp. 1418171 CE, DJ de 10.4.2014) determinando realização de perícia para apurar “suposta utilização indevida da marca Ypióca pela recorrente, ao envasar sua cachaça nas garrafas litografadas” e não seguem a diretriz porque estão convictos da desigualdade dos fatos.
(...) l. Evidente que nunca se obterá a unanimidade sobre a interpretação que se realiza comparando os potes e rótulos das geleias, o que não significa existir dúvida. Há, sim, maneira diversa de sentir a igualdade ou a diferença e até de avaliar o perigo da confusão e isso é normal ou de acordo com os sentidos e ângulos da cena analisada. Porém, não há como o jurista exigir que um publicitário ou um técnico em marketing forneça dados para subsidiar o que é possível aferir pelo conhecimento comum ou instinto natural. A perícia é uma perda de tempo que prejudica o processo e encarece os custos da demanda.(....)
O caso retrata hipótese em que a ré, sem autorização da autora, passou a fazer uso da marca tridimensional de propriedade da requerente e devidamente registrada no INPI, argumentando a requerida acerca da impossibilidade de confusão.
(....) Conforme demonstram as fotografias de fls. 125/131; 135/141, as características inseridas na nova embalagem que passou a ser usada pela requerida são suficientes para causar prejuízos à autora, bem como causar confusão na massa consumidora, já que a similitude das formas de produtos que são vendidos lado a lado nas gôndolas dos supermercados poderia facilmente atrair o comprador para a aquisição das geleias da requerida pensando tratar-se daquelas fornecidas pela autora, dada a imitação levada a efeito. Essa situação não ocorre quando os produtos estão próximos, mas, sim, quando há desabastecimento temporário, o que é normal pela rotatividade dos estoques, o que poderá conduzir o freguês desavisado a comprar uma geleia pensando adquirir a outra que era sua verdadeira intenção.
(...) A quem interessa a semelhança? A resposta obriga lançar
todas as vertentes da interpretação para o proceder da recorrente que, de um
instante para outro, mudou sua estratégia de marketing e avançou em direção ao patrimônio da autora, que é protegido pela Lei 9279/96. O juiz deve formar sua convicção diante da certeza de que a novidade introduzida pela recorrente poderá confundir um consumidor considerado médio para fins de compreensão dos produtos e principalmente na potencialidade de utilização da semelhança para fins publicitários (TULLIO ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni
immateriali, Giuffrè, Milano, 1956, p. 163). A ordem de abstenção é a solução sensata e que atende aos interesses mais significativos e valorosos, sendo que o pouco tempo de utilidade do recipiente cópia do concorrente permitirá que a ré escolha outro bem diverso, sem que isso prejudique a continuidade de seus planos comerciais
" TJASP, AC 0019026-91.2011.8.26.0068, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo,Des. Enio Zuliani, 29 de maio de 2014.