Wednesday, December 05, 2007

Com o Luis Leonardos, sempre entendi que licença, inclusive de software, tem natureza assimilável à locação. E assim deve ser tratado sempre que se traz, em suplemento, a norma ordinária de direito comum. Falo sobre isso, com alguma extensão, no meu Uma Introdução, 2a. ed., no último capítulo e, citando Clóvis Bevilacqua, no capítulo de patentes, discutindo o condomínio delas. No meu Proteção de Marcas, publicado em setembro, me demoro um pouco mais sobre a aplicabilidade das normas de direito comum aos institutos da Propriedade Intelectual:


Identificando "propriedade" (i.e., direito exclusivo) e "monopólio" (i.e., posição singularizada na concorrência), dentro do campo específico do direito positivo brasileiro, não excluímos, porém, a ação dos preceitos que regem, no direito comum, a propriedade das coisas físicas. É fácil entender. Pelo processo integrativo do sistema jurídico (jus abhorret vacuum) a carência de normas num setor da juridicidade é suprida pelas normas mais adequadas, do setor mais compatível.
Ora, as "propriedades" das patentes, direitos autorais e marcas são direitos reais, exclusivos, de caráter patrimonial. Onde encontraremos normas relativas às figuras jurídicas similares, senão nas disposições referentes com direitos reais sobre bens móveis físicos? Na inexistência de normas específicas e na proporção em que as regras aplicáveis a coisas tangíveis o são a atividades humanas, os direitos reais serão, intuitivamente, o paradigma dos direitos de propriedade industrial[1].
É necessário enfatizar, pois, que só serão aplicáveis as normas de direito real mobiliário se compatíveis com a natureza própria dos direitos de propriedade intelectual. Onde são incompatíveis, é vedada a aplicação.
A aplicação subsidiária das normas do direito comum em matéria de propriedade industrial parece ser razoável. Segmento do Direito Comercial, fração divisionária do Direito Privado, as normas da propriedade industrial não têm tamanha autonomia e continência a ponto de se tornarem um direito à parte. Discute-se, isso sim, se é aplicável o regime geral dos direitos reais àquelas "propriedades" específicas, derivadas do privilégio ou registro.
[1] Caio Mário da Silva Pereira anota que a Parte Especial atinente ao Direito das Coisas abrange indistintamente os bens corpóreos e incorpóreos, o que também chega a suceder na Parte Geral do Código ("Instituições de Direito Civil", vol. I/237, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1966, p. 112).
E, se o bem intelectual, como categoria, é infungível, o objeto da licença é equivalente a todos outros objetos de licença do mesmo bem intelctaul, não o desfigurando o número de série do corpus mechanicum, cuja função é de natureza tributária e de meio subsidiário de fixar a infração. Como o número das cédulas não desfigura a fungibilidade da expressão do meio de pagamento.

Vide SANCHES, Hercoles Tecino. "Direitos autorais e locação de bens móveis: contratos de licença autoral". Revista de direito civil imobiliário, agrário e empresarial, vol. 15, n. 57, p. 98/132, jul/set 1991.

Wednesday, November 28, 2007

PROJETO DE LEI Nº , DE 2003
(Do Sr. Dr. Pinotti)
Acrescenta inciso ao art. 43 da Lei nº
9.279, de 14 de maio de 1996, limitando os
direitos de proteção patentária das
substâncias farmacêuticas componentes de
medicamentos produzidos pelos laboratórios
estatais.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º O art. 43 da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996,
passa a vigorar acrescido do seguinte inciso VII:
“VII – às substâncias farmacologicamente ativas e demais
matérias-primas componentes de medicamentos fabricados
pelos laboratórios estatais, destinados à distribuição gratuita
nos serviços do Sistema Único de Saúde.”
Art. 2º O Poder Executivo regulamentará a presente lei no
prazo de cento e oitenta dias.
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.



Então o projeto quer é introduzir uma limitacão às patentes. Em princípio, não endossaria tal solucão eis que, levando sempre em conta o interesse social em jogo, as limitações presumem ponderação, e o texto, ao contrário do que supus antes, não importa em pagamento de royalties. A meu ver isso não parece nem constitucional, nem compatível com TRIPs. O projeto, não obstante suas excelentes intenções, merece ser vetado.

Não sou partidário de licenças compulsórias quando o interessado é o Estado e o uso é não comercial. Sou, sim, do instituto do uso público não comercial, como previsto na lei 11484/07 e, como já mencionei, corrente e frequente no sistema americano:


Art. 47. O Poder Público poderá fazer uso público não comercial das topografias protegidas, diretamente ou mediante contratação ou autorização a terceiros, observado o previsto nos incisos III a VI do caput do art. 49 e no art. 51 desta Lei.
Parágrafo único. O titular do registro da topografia a ser usada pelo Poder Público nos termos deste artigo deverá ser prontamente notificado.

Quanto a isso, vide o nosso Breves comentários à Lei n 11.484, de 31 de maio de 2007, que introduz proteção exclusiva relativa à
Topografia de Circuitos Integrados, que está sendo publicado na Revista dos Tribunais.

Sempre tive algumas dúvidas quanto à compatibilidade constitucional deste último sistema. Atraído por um voto recente do Ministro Eros Grau, que o cita, fui desenterrar o opúsculo Privilégios Exclusivos, do Ruy Barbosa, de 1911. Apesar de não falar muito de patentes de invenção, o texto ajuda a entender como o uso público não comercial difere da licença compulsória. Assim como traduz certa doutrina judicial americana sobre o tema, patentes são privilégios exclusivos, não monopólios stricto sensu, mas, como tal, concesões de origem plenamente estatal.

O uso público não é nem uma limitação intrínseca ao direito, nem uma licença compulsória de um direito concedido, em face de interesses subsequentes e cogentes, mas uma reserva de poderes na própria concessão. É um modo de concessão pelo qual o Estado se reserva a inoponibilidade quanto a exclusão, sem se eximir de restituir, através de indenização (e não royalties) os valores aos quais o titular da patente poderia auferir, não fosse pelo exercício da reserva.

Em suma, o que falta aí no projeto é pagar indenização, e não classificar sob o art. 43, para se ater à técnica jurídica adequada. Minha sugestão como minuta preliminar de uma manhã de quarta feira:
Art. 43-B. O Poder Público, mediante ato administrativo motivado, poderá fazer uso público não comercial do objeto de patentes ou pedidos de patentes de invenção, diretamente ou mediante contratação ou autorização a terceiros, para os fins de interesse público, inclusive os de interesse social ou de defesa nacional.
§ 1o. O titular da patente ou pedido de patente cujo objeto venha a ser usado pelo Poder Público nos termos deste artigo deverá ser prontamente notificado.
§ 2o. O uso público obedecerá ao seguinte:
I – o alcance e a duração do uso serão restritos ao objetivo para o qual foi notificado.
II – o uso público não impedirá o pleno exercício dos demais direitos do titular da patente;
III – o uso por terceiros do objeto da patente, mediante contratação ou autorização do Poder Público, se fará exclusivamente para os objetivos do ente estatal que levaram ao ato, vedada qualquer outra atuação que, não fora pelo uso público, importasse em violação do art. 42 desta Lei.
IV - O titular deverá ser adequadamente remunerado segundo as circunstâncias de cada uso, levando-se em conta, no arbitramento judicial dessa remuneração, o percentual que seria devido por uma licença entre pessoas independentes sobre o objeto do uso público, calculado sobre a parcela do custo para o Poder Público que expresse o objeto da patente ou pedido de patente pertinente, ponderado pela colaboração prestada pelo titular para a respectivo transferência de tecnologia de fabricação ou emprego.
V - No caso de pedidos de patentes, o correspondente valor, calculado na forma do inciso anterior, será objeto de depósito judicial até a expedição da carta patente.
VI - A devida remuneração ao titular será fixada em ação judicial, mediante o rito ordinário, para a qual terá legitimidade o titular ou o ente público utente.
VII - O uso público não comercial não será objeto de medida judicial que o interrompa ou limite, antes da coisa julgada.
VIII - A fabricação ou emprego realizada com o objeto da patente, quando autorizada ou contratada por terceiros, obedecerá ao disposto na legislação que regulamenta o disposto no art. 37, XIV, da Constituição Federal.

Tuesday, November 20, 2007

De ABrantes: uma loja comercial PODE usar Windows XP pirata em seus micros que
ficam expostos a venda. certo ?

A questão que o Abrantes suscita é séria e revela o tempo e a profundidade que ele, sendo engenheiro, dedica ao tema do software. O art 10 de TRIPs indica que:

1 - Programas de computador, em código fonte ou objeto, serão protegidos como
obras literárias pela Convenção de Berna (1971)

Assim, à luz de TRIPs, o art. 2o. da Lei 9.609/98 diz exatamente isso:

Art. 2º. O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.
§ 1º. Não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas aos direitos morais, ressalvado, a qualquer tempo, o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do autor de opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem em deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação.

Assim, realmente se aplica ao software, como o Abrantes diz, o regime próprio às obras literárias.

Aí vem o art. 46 e diz que não constitui ofensa aos direitos autorais (...) V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;

Acho ótima a descoberta do Abrantes. É claro que o regime aplicável ao software não pode ser - logicamente - o das obras literárias. Isso é o resultado da alteracão americana da sua Lei Autoral de 1976, na qual, para fugir à idéia de um novo gênero de direitos para cobrir o software - nem direito autoral nem patentes - como eu sempre propus como política pública (BARBOSA, Denis Borges . Software and Copyright: A Marriage of Inconvenience . Copyright Magazine Of The World Intellectual Property Organization, Genebra, 1988), inventou essa aplicacão doida do regime literário.

Mas a verdade é que não se aplicam as limitacões autorais ao software, e sim as limitacões da própria lei de software. A aplicacao da lei autoral ao software é meramente (e enfatize-se o meramente) subsidiária. Veja-se a redacão do art. 2o. da Lei 9.609, que manda aplicar suas regras em predilecão às da Lei 9.610: observado o disposto nesta Lei.

Alias, eu sempre sustentei que a protecão do software segundo a lei brasileira nao é verdadeiramente autoral. Só o é para inglês ver, cumprindo TRIPs. Na verdade, na maioria dos regimes legais nacionais, a protecao do software se faz por uma forma tão alterada do sistema autoral que na verdade é um sui generis.

Nào, Abrantes, o inciso V do art. 46 da Lei 9.610 não se aplica ao software. Mas sua dúvida é absolutamente justificada. Agora, aplicacao das limitacoes autorais ou de software nao é pirataria. Mudemos a chamada deste email.

Wednesday, October 31, 2007

Embora subscreva integralmente o senso de justiça da excelente magistrada, uma das mais ilustradas daquela corte, entendo que o art. 8o. da CUP não se aplique às relaçoes entre partes internas pois

a) A CUP se aplica senão aos "ressortissants" dos países da União, e não internamente (art, 2o. da CUP). Vide, como um exemplo de sempre, a não aplicação da CUB para os americanos, que ficam sujeitos a registro no Copyright Office para pleno exercício dos direitos, o que é dispensado aos brasileiros (ou quaisquer outros "ressortissants" da CUB) em face ao território americano.

b) a norma de aplicação dos atos internacionais de PI entre partes internas existe no art. 4o. do CPI/96, e não se estende ao campo de aplicação excluído da lei 9.279/96.

c) As normas relativas aos nomes de empresa acabaram sendo incluídas no CC, não existindo nessa norma uma regra geral de aplicação paritária aos nacionais das normas internacionais.

d) não existe uma norma paritária genérica, até mesmo à luz do princípio de isonomia do caput do art. 5o. da Constituição.

Assim, todo o direito suscitado neste julgado me parece absolutamente pertinente, e venho afirmando faz tempo o entendimento do julgado, embora me pareça inaplicável ao caso vertente, eis que se trata de partes não "ressortissants" .

Friday, September 28, 2007

ACho que o INPI não devia se dispor, em 2008, a ser autoridade de busca e exame do PCT.

Na verdade, não estou questionando a QUALIDADE da ação do INPI, mas a QUANTIDADE e TEMPO de duração dos procedimentos. Do ponto de vista do interesse nacional, a qualidade tem um revisor poderoso e eficaz que é o interesse dos concorrentes e - agora - um judiciário comparativamente mais qualificado. E - minha atual campanha - a futura criação de um corpo de peritos qualificados e experientes, por exemplo, de uma instituição séria e suscetível de reputação. Margarida Mittelbach, por que você não promoveria uma coisa assim?

Mas o fator que cria barreiras efetivas à entrada de competidores no mercado (pelo menos competidores não-"piratas") é o tempo de incerteza na determinação administrativa da patente. Com o sistema brasileiro de efeito retroativo civil da concessão, o diferimento do exame, os nefandos backlogs, produz uma barreira real, pendente e incerta sobre os possíveis entrantes no mercado. Como há um efeito dissuasivo maior nos depósitos de requerentes do exterior (até mesmo pelo maior poder ofensivo dos excelentes colegas que os representam) o fator tempo na incerteza até decisão final administrativa é um passivo concorrencial. É uma questão não de realidade, mas de verossimilhança. Quem milita no foro basicamente em favor de empresas nacionais sabe bem o efeito do credibility gap perante os juízes (mas também internalizado pelos competidores locais) quando se defrontam uma parte nacional e uma de controle estrangeiro para discutir matéria relativa a tecnologia.

O efeito dissuassivo tende a ser inverso em caso do depositante nacional. A ação do INPI neste caso confere verossimilhança, e não a retira. A concessão de patentes ajuda na relação competitiva local e no poder de negociação de ativos em escala internacional. Assim, a demora opera contra a inovação nacional e em favor do investimento estrangeiro. A qualidade e excelência do exame, assim, tornam-se secundárias no tocante ao mandato maior de usar o sistema de patentes para melhorar a competitividade interna e internacional. "Fazer bonito", tornar-se autoridade internacional, assim, tem mais um efeito político nas carreiras pessoais do que nos interesses nacionais. Não necessariamente na carreira de técnicos respeitados e competentes, como os nosso co-listeiro Antonio Abrantes e o velho companheiro Pazos.

O que entendo como o problema a superar não é a qualidade dos procedimentos caso a caso, mas o do pathos do ambiente autárquico. Todo mundo sabe que fui e sou (aposentado) um funcionário público. Tive. no entanto, o privilégio de acabar minha carreira no serviço público numa instituição nova, com recrutamento de excelência, e inteiramente concursada: A Procuradoria Geral do Município deste Rio. Criada do nada, exatemente para livrar-se do pathos da lenta irrelevância de outra instituições similares, muitas coroadas com a excelência qulitativa. Mas não cobrando dívida ativa, nem atuando com celeridade e eficácia na defesa dos interesses macrojurídicos do povo.

Assim, ainda sendo absolutamente atraído pelo aspecto qualitativo, entendo que há um dever cívico de eficácia, tendo em vista os interesses difusos dos players locais, se não em predileção (estamos numa fase de globicanibalização) , pelo menos em isonomia com os usuários estrangeiros do INPI. Como a iniciativa, aparentemente louvável mas na verdade antissocial, do Ministério Público, de impor um exame de patentes (como se marcas e patentes fossem fenômenos iguais...) em rigorosa ordem cronológica, deve-se administrar mais tempo de resposta do que a perfeição (que se arrisca, neste contexto, ao bizantinismo) dos exames e buscas.

Disse, num parecer recente: "Como notou Nuno Tomas Pires de Carvalho [1], há uma certa perversão na relação entre as repartições de propriedade industrial e os titulares de interesses que nelas procuram proteção, correlativa a sua posição de clientes do sistema. A política industrial expressa na legislação sofre erosão, muitas vezes de boa fé, pela presença constante dos interesses privados contrapostos, materializados em cada caso; a política, tipicamente representando interesses societários difusos, é ausente do cotidiano dos examinadores e dirigentes.

A política nacional, além disso, por vezes atrita com interesses internacionalizados, frequentemente corporificados nos programas de órgãos internacionais ou de cooperação. O treinamento dos técnicos do INPI na década de 70´ por especialistas estrangeiros, de outro lado, cumpriu papel desnacionalizante vigoroso, pelo qual o discurso do bom senso, presentificado como o dos países com maior experiência em Propriedade Intelectual, exercia tensão com as políticas públicas nacionais, nem sempre racionais em face dos interesses dos países desenvolvidos."



[1] Palestra no 1º. Seminário Internacional “Patentes, Inovação e Desenvolvimento” – SIPID, reportada em http://www.abifina.org.br/factoNoticia.asp?cod=131

Tuesday, August 28, 2007

A marca é, muitas vezes, o elemento central do contrato de franquia; mas nem sempre. No meu Uma introdução, defino assim:


"franquia é um tipo de negócio jurídico de fundo tecnológico [1], que importa na padronização do aviamento [2] de várias empresas independentes entre si, não necessariamente vinculadas por laços societários diretos ou indiretos. A peculiaridade do franchising está na multiplicação da rede, o que o torna distinto de um contrato de know how somado a uma licença de patentes (o livro erra aqui, queria dizer "marcas"). "



[1] A tecnologia, aí, não é necessariamente técnica, no sentido do direito das patentes: não importará na mudança dos estados da natureza. Como veremos, é predominantemente um know how organizacional e comercial.
[2] Oscar Barreto Filho, Oscar Barreto Filho , Teoria do Estabelecimento Comercial , 2ª edição, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 169: aviamento é "o resultado de um conjunto de variados fatores pessoais, materiais e imateriais, que conferem a dado estabelecimento in concreto a aptidão de produzir lucros". Vide também J.X Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, Freitas Bastos, 1959, vol. V. no. 17. Vivante, Trattato di diritto commerciale, 3o. vol., 3a. ed., no. 840.


Mas não se confunde franquia e licença de marcas:


> Tribunal de Justiça do DF

5ª TURMA CÍVEL APC - APELAÇÃO CÍVEL, 52.337/99 – EMENTA - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – UTILIZAÇÃO DE MARCA COMERCIAL – AUTORIZAÇÃO DA AUTORA – DESNECESSIDADE DE CONTRATO DE FRANQUIA – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA.(...) 2. Atestado que o representante legal da autora autorizou a utilização da marca comercial da mesma pela ré, não procede o pedido de indenização a esse título, sendo despicienda a existência do contrato de franquia a legitimar o referido uso.3. Recurso improvido. Unânime.


O art. 2º, da Lei nº 8.955/94, define o contrato de franquia do modo seguinte:


"Franquia empresarial é o sistema pelo qual o franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços, e eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício".


Assim, existe como essência legal do contrato o uso de marca ou de patente. Entendemos que é errônea essa concepção. Patente dificilmente haverá; e não só marcas constituem a espinha dorsal da franquia. Em muitos casos, sê-lo-á o trade dress [1].



[1] Two Pesos, Inc. V. Taco Cabana, Inc., 505 U.S. 763 (1992) "[T]rade dress" is the total image of the business. Taco Cabana's trade dress may include the shape and general appearance of the exterior of the restaurant, the identifying sign, the interior kitchen floor plan, the decor, the menu, the equipment used to serve food, the servers' uniforms, and other features reflecting on the total image of the restaurant. 1 App. 83-84. The Court of Appeals accepted this definition and quoted from Blue Bell Bio-Medical v. Cin-Bad, Inc., 864 F.2d 1253, 1256 (CA5 1989): "The `trade dress' of a product is essentially its total image and overall appearance." See 932 F.2d 1113, 1118 (CA5 1991). It "involves the total image of a product, and may include features such as size, shape, color or color combinations, texture, graphics, or even particular sales techniques." John H. Harland Co. v. Clarke Checks, Inc., 711 F.2d 966, 980 (CA11 1983). Restatement (Third) of Unfair Competition 16, Comment a (Tent. Draft No. 2, Mar. 23, 1990).

Assim, tem-se que perquerir qual o elemento significativo central da franquia: marca ou trade dress. Vamos supor que seja marca, e ir em frente.

Ainda do mesmo livro:


A lei igualmente estabelece como dever de transparência, imposto ao franqueador, o de esclarecer a situação perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - (INPI) das marcas ou patentes cujo uso estará sendo autorizado por ele.


Assim, salvo se em infração à lei (coisa que não vamos imaginar agora) todos os franqueados sabiam do fato de que não havia, ainda marca concedida. Mas não há em princípio anulabilidade por inexistência de conhecimento do fato de que não há, ainda, marca registrada. Pode haver por outras razões, mas se o fraqueado estava avisado do estado de marca pedida, mas não registrada, os elementos de defeitos de voluntariedade que justificariam essa anulabilidade inexistem.

Mas marca havia, e ainda há. Marca não registrada marca é, e se realiza goodwill por 10 anos, é marca substantiva. O registro, e a exclusividade resultante, é um atributo importante, central mesmo, mas não retira a substantividade dos anos de prestação complexa (sendo a marca apenas um elemento). Nulidade, com seus efeitos ex tunc, não cabe.

Nem nulidade, nem anulabilidade; no meu entender, há, sim, uma falta parcial de objeto do contrato, superveniente. Não se presuma responsabilidade do franqueador. Dez anos para conceder marca é responsabilidade da União (ou do INPI) e o eventual dano merece ser cobrado do ente público. Assim, cabem duas perguntas: a) subsiste o contrato? b) há maneiras jurídicas de remediá-lo?

A primeira questão passa pela unicidade ou junção fáctica de contratos.


Diz Marçal Justen Filho [1]:

"A franquia é um contrato complexo nessa acepção. É inviável nela divisar a conjugação de uma pluralidade de contratos autônomos (senão em acepção que será adiante apontada), que se somam por justaposição. Não se trata da cumulação de contrato de cessão de marca com contrato de transferência de tecnologia e outros contratos, cada um com individualidade própria. Há um plexo de deveres impostos a ambas as partes, onde a transferência de tecnologia é indissociável da cessão do uso de marca e dos demais pactos. Esses deveres não são unilaterais, muito pelo contrário.





[1] ISS e as atividades de Franchising, Revista
de Direito Tributário, vol. 64, págs. 242/256


Concordando, neste ponto, com o autor, entendo que há unicidade na complexidade. É o contrato todo que carece de objeto, mas carece parcialmente de objeto. O peso das várias prestações oferecidas vai dar, factualmente, pela possibilidade de subsistência, ou não do contrato.

Neste mundo de flutuação de imagens, marcas podem ser mudadas. No meu tempo, a Unisys se chamava Boroughs, a IBM já se chamou Hollerith..... Esse risco - o da eventual inexistência de registro - foi tomado pela cadeia, se a obrigação de informação foi adequadamente prestada como a lei exige. No interesse geral, cabe fazer esta mudança, com prudência e boa técnica, se possível usando as técnicas de fading in e creeping out. Eu mesmo tive oportunidade de usar esse sistema no caso da Oxiteno, quando após anos foi . Funcionou, e ninguém sequer notou a mudança.

Monday, August 13, 2007

A análise de se patentes são boas ou más para o desenvolvimento foi magistralmente feita pela Corte Constitucional Italiana. EM 1958, a Carlo Erba levou à corte em ADIN a inconstitucionalidade do dispositivo que proibia patentes de remédios. A Corte deu pela constitucionalidade. Continuou a Itália sem patente.

Em 1978 a Itália tinha desenvolvido, daquele panorama terceiro-mundista do filme Os Ladrões de Bicicletas (Vitorio de Sicca, 1948), para um status econômico que iria levar o país a ter uma economia maior do que o Reino Unido. Neste momento, ocorreu a hipótese curiosa da inconstitucionalidade superveniente sem mudança de texto. A proibição se tornara incompatível com o desenvolvimento, eis que a economia interna passara a ganhar mais do que perder com a patente, especialmente porque a demanda reprimida interna de patente passara a justificá-lo ("a afirmação do valor da pesquisa técnico-científica e do dever da República para promovê-la; com a mais elevada capacidade da indústria farmacêutica italiana em organizar a pesquisa, também em relação às condições de competitividade com os outros países")....

Vejam o que disse a Corte, numa decisão que poderia ser dada, quando o Brasil chegasse lá, igualzinho sob a Constituição Brasileira:


Na realidade, nos últimos anos a tomada de consciência da ausência superveniente de todo fundamento racional da exceção cresceu concomitantemente com a afirmação do valor da pesquisa técnico-científica e do dever da República para promovê-la; com a mais elevada capacidade da indústria farmacêutica italiana em organizar a pesquisa, também em relação às condições de competitividade com os outros países; e finalmente com as mais intensas relações com os mercados estrangeiros, particularmente no âmbito dos estados pertencentes à organização do Conselho da Europa e aqueles da Comunidade Econômica Européia (como resta provado pelas convenções estipuladas pelo governo italiano, todas orientadas a restringir ou a eliminar radicalmente a possibilidade de vedar a concessão da patente em setores específicos). [1]



[1] (Corte Constitucional da Itália, 1978, Sentenza 20/1978 ) In realta', negli ultimi anni la presa di coscienza della sopravvenuta mancanza di ogni fondamento razionale della deroga e' cresciuta di pari passo con l'affermarsi del valore della ricerca scientifico-tecnica e del dovere della Repubblica di promuoverla; con la piu' elevata capacita' dell'industria farmaceutica italiana di organizzare la ricerca, anche in rapporto alle condizioni di competitivita' con quella degli altri paesi; ed infine con le piu' intense relazioni con i mercati esteri, particolarmente nell'ambito degli stati appartenenti alla organizzazione del Consiglio d'Europa ed a quella della Comunita' economica europea (come e' attestato dalle convenzioni stipulate dal governo italiano, tutte orientate a restringere o a eliminare radicalmente la possibilita' di vietare la brevettazione in singoli settori).

Friday, July 27, 2007

Na última versão da análise constitucional das marcas, que foi publicada como capítulo do livro da Saraiva/FGV-Sp, aponto exatamente para as duas tendências antípodas: a da superavaliação da importância relativa das marcas, e da constrição constitucional das mesmas ao seu real papel. No texto, encontrado em http://denisbarbosa.addr.com/bases2.pdf:


O direito de uso da língua como parcela do patrimônio cultural
Mas, com ser instrumento de concorrência e compromisso com o consumidor, a marca não deixa jamais de ser também instrumento de expressão e de informação. Faz parte essencial dos direitos fundamentais o uso da língua, de forma livre e contrutora dos valores humanos.
Vem aqui a noção, crucial para nosso tema, de patrimônio cultural:


Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:


I - as formas de expressão; (...)


Quanto do dever do Estado, e do direito público subjetivo, ao acesso à cultura:


Art. 215 - O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.


Para José Afonso da Silva, os direitos culturais a que se refere o art. 215 são os seguintes:


“se trata de direitos informados pelo princípios da universalidade, isto é, direitos garantidos a todos. Quais são esses direitos culturais reconhecidos na Constituição? São: a) direito de criação cultural, compreendidas as criações cientificas, artísticas e tecnológicas; b) direito de acesso às fontes da cultura nacional; c) direito de difusão da cultura; d) liberdade de formas de expressão cultural; e) liberdade de manifestações culturais; f) direito-dever estatal de formação do património cultural brasileiro e de proteção dos bens de cultura, que, assim, ficam sujeitos a um regime jurídico especial, como forma de propriedade de interesse público. Tais direitos
decorrem das normas dos arts. 215 e 216. que merecerão, ainda, exame mais aprofundado no titulo da ordem social.”


Direitos exclusivos e liberdade de informação
O estatuto constitucional das marcas tem assim outra vertente além da propriedade – o da liberdade de informação. E isso se dá de forma dupla: existe a tensão entre o direito à informação de terceiros e exclusividade legal do titular da marca.

O princípio constitucional opositor, aqui, é o vazado no art. 5º. Da Carta:

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;


Seja através da aplicação de algum dos limites legais ao direito, seja através da interpretação da lei autoral, é preciso ficar claro que a propriedade intelectual não pode coibir, irrazoável e desproporcionalmente, o acesso à informação por parte de toda a sociedade, e o direito de expressão de cada um.


Dentro desse contexto é que se trata o uso paródico ou crítico das marcas. Não se pode anular o acesso à informação garantido pelo direito do consumidor (como notou Gustavo Leonardos) pela denegação da exclusividade marcária. Não se pode denegar o direito de expressão de todo mundo, a pretexto de proteger sua marca de diluição e denigramento, proteção esta que se exerce num contexto comercial, e não mais (apesar da erradíssima interpretação que o INPI anda dando da lei). Não é possível se ter um sistema de marcas que não corresponde, legalmente, a nenhuma garantia de qualidade do produto e serviço e, simultanemante, suprimir a natureza semiológica das marcas. Querer o melhor dos dois mundos é uma pretensão de onipotência.

Em palestra na UFJF em 14/9/2206, me foi suscitado pela platéia como exemplo de uso parodial de marca o caso Daspu, onde se criou um brand através da analogia com a marca de alto luxo Daslu. Daspu forever......

Para acabar, acho perfeita a análise do Jason Bosland, The Culture of Trade Marks: An Alternative Cultural Theory Perspective, http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=771184, visitado em 26/10/2006:


“The underlying difficulty with shaping a dilution right is balancing the competing interests in allowing the public to use a mark as an expressive resource through criticism or commentary, while at the same time, preventing harm which is adverse to a trade mark’s continued cultural use. To balance these interests, I propose that the expressive use of a mark should be protected from dilution in the context of trade, that is, where a plaintiff’s mark is being used in the advertising context to market a defendant’s goods or services. This is to be compared with a commercial situation where the defendant’s expressive use of a trade mark forms part of the goods on offer, such as in the title or lyrics of a song, or where the trade mark is used in a poster or on a t-shirt.”

Wednesday, July 25, 2007

"Procurando na internet encontrei a informação que as Obras publicadas na URSS antes de 27 de maio de 1973 não têm proteção aos direitos autorais, portanto estão todas em domínio público. Historicamente acho que faz sentido já que por conta do regime, não havia proteção a quaisquer direitos pessoais."


A informação não procede. A data mencionada é da entrada em vigor da Convenção Universal para a URSS; mas quando os países membros da antiga URSS se afiliaram à Convenção de Berna, o art. 18 dessa última Convenção assegura a retroatividade de proteção para aquelas obras que - se houvesse proteção antes - não tivessem já caído em domínio público no outro país. Assim, a se aplicar essa regra, as obras teriam saído do domínio público.

Esse efeito estranho levou os Estados Unidos a não aplicar a retroatividade para as obras da antiga URSS anteriores a 27 de maio de 1973 desde o momento da adesão americana `bernna, em 1989, até a entrada em vigor da Lei de Aplicação de TRIPs (teve de ter uma lei, porque, como todo mundo sabe, TRIPs não é aplicável diretamente em nenhum país).

A questão é muitíssimo mais complexa, vejam a omnisciente Wikipedia em http://en.wikipedia.org/wiki/International_copyright_relations_of_Russia

A questão tem sido motivo de muita discussão entre Manoel Pereira dos Santos e eu, em virtude do princípio constitucional brasileiro da inderrogabilidade do domínio público. Como nota Luis Roberto Barroso, a peculiaridade do instituto brasileiro do direito adquirido não encontra reprodução em outros sistemas constitucionais. Como a Convenção de Berna não prevalece sobre a Constituição Brasileira, tenho que não ocorreu retroatividade plena das obras da antiga URSS, mas apenas (depois da Emenda 45) retroatividade da parcela dos direitos morais. Esse é um aspecto absolutamente peculiar no Direito Brasileiro. A Internet não vai esclarecer isso.