Thursday, April 24, 2014

Lei da Internet e as repercussões em PI (que não em direitos autorais)

Depois de alguns anos em  função pública que incluía assessoria parlamentar, veto e sanção de lei, tomei por regra nunca me dedicar a projetos de coisa alguma. Agora que saiu a lei da Internet (que abomino chamar de Marco Civil, notando que o único Marco Jurídico que conheço é o Ministro Marco Aurélio, mas que é frequentemente incivil) cabem algumas notas. 

O Marco (civil e às vezes incivil) da Internet e da TV Justiça 
Não cabe muito discutir a aplicabilidade da Lei aos direitos autorais, não que entenda ter ela criado um escudo impenetrável ao uso enquanto não vem nova lei específica, mas pela alongada discussão que outros colegas, e mesmo eminentes entre eles, já dedicaram ao assunto. 

Bom, a lei presta muito atenção aos direitos autorais - como se eles fossem a única forma de livre expressão no campo dos direitos imateriais. A Lei isenta do novo regime os "direitos de autor ou a direitos conexos" (para usar a expressão legal) de seu alcance - até que lei específica surja como aurora boreal. Por que mesmo? Quem sabe será fruto da doutrina monocromática da Propriedade Intelectual, religião em que os estudiosos miram o fenômeno das marcas, ou das patentes, ou dos cultivares - ou o direito do entretenimento - como se fosse isolado do resto da enciclopédia jurídica.

Aí vem o velho cânone de interpretação Expressio unius est exclusio alterius. Se se pudesse questionar a aplicação do regime geral de imunidade da nova Lei (e, complementarmente, a submissão ao regime especial de responsabilidade criado pela Lei) das violações de marcas, nomes de empresa e títulos de estabelecimento, nomes domínio, indicações geográficas, trade dress e outros elementos ao abrigo da repressão à concorrência desleal - para só citar os instrumentos mais obviamente sob tutela da livre expressão -, agora não é mais possível.

A violação disso tudo ai, no suporte da Internet, passa a estar sob o alcance do art. 18 e 19, sem se aproveitar do art. 31. Mais, como a discriminação dessas formas de liberdade de expressão da pertinente aos direitos autorais tem difícil fundamento constitucional, passa a se temer pela própria imunidade explícita. Mas a prática monocromática tem seus encantos, como provam Cartier-Bresson e Doisneau. 

Ah, e software? Lógico que tomei aqui a questão da liberdade de expressão só porque está no art. 3o., I da Lei como o primeiro dos princípios da Internet. Também porque estou dando um curso no doutorado do INPI sobre liberdade de expressão através das marcas, DI, etc., e o assunto fica pregnante na memória. 

O software, não sendo exatamente tutelado pela liberdade de expressão (Lei 9.609/98: Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados", a não ser que máquinas automáticas de tratamento de informação tenha direito humano, ou algo similar ao que têm os animais de testes de cosméticos), não é objeto de direito autoral nem de conexo. 

Todos que me leem faz tempo sabem dessa minha cisma antiga: software é protegido por elementos da LDA, mas não é objeto de LDA (TRIPS ou não TRIPS). Vejam a própria lei 9.609/98: Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei. É o regime X, mas essa lei (que não trata do regime X) se aplica. Então, é um regime especial, do qual o regime geral é o X. Vide o Terceiro Volume do meu Tratado, [ 3 ] § 0.3. Das relações da lei autoral com a lei de software, p. 1879 e seguintes. 

Enfim, vão ai as primeiras impressões de quem acabou de ler a Lei da Internet pristinamente, com olhos curiosos e bastante espantados. 

Os trechos mais relevantes da Lei da Internet para este Blog
Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Art. 31. Até a entrada em vigor da lei específica prevista no § 2º do art. 19, a responsabilidade do provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, quando se tratar de infração a direitos de autor ou a direitos conexos, continuará a ser disciplinada pela legislação autoral vigente aplicável na data da entrada em vigor desta Lei.

Thursday, April 10, 2014

As patentes vermelhas e a urgência do seu exame (antes que morra mais gente)

No evento promovido pela Academia do INPI nesta manhã(Seminário “Patentes: inovação em prol da competitividade nacional”),    sobre o projeto de lei que  pretende alterar significativamente a regulação das patentes - especialmente no setor de saúde -  apresentei minha posição quanto à inconstitucionalidade da norma legal que prorroga patentes sempre que o INPI atrasa no exame. (Para nosso estudo sobre a questão, incorporado na ADI 5061, vide aqui).

Mas faltou lembrar que há uma solução imediata e racional para o problema - pelo menos no tocante às repercussões da saúde pública. Sem necessidade de lei, e sem carecer de Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF.

Como se lê do importante estudo da Câmara Federal, publicizado em outubro de 2013, apurou-se um grande número de pedidos de patentes especialmente pertinentes aos interesses de saúde, que por atraso de exame foram emitidos ou se-lo-ão já com prorrogação. Ora, segundo informou a INTERFARMA no evento, essas patentes, que são tão cruciais para a saúde, não seriam mais do que três por cento das atrasadas.

Verdadeiros esses números, seria o caso de dar prioridade de exame aos pedidos de patentes que o observatório de tecnologia do Ministério da Saúde (se não há, já há o projeto de fazê-lo, em outro  importante estudo de Charlene de Avila) determinar que sejam cruciais para o SUS. São essas as patentes vermelhas do meu título.

Para as patentes verdes, que (certamente atraindo má vontade de muitos)  temo ser em certos  casos as autênticas patentes frívolas, se conseguiu fugir à isonomia formal de exame do first come, first served. Por mais ferrenho defensor do art. 5o, caput da Constituição, entendo que a igualdade dos administrados perante as oportunidades oferecidas pelos entes públicos - na satisfação de sesus interesses privados - é sobredeterminada pelo interesse público na expedição urgente e na nagativa imediata, se for o caso, dessas patentes essenciais ao SUS.

O Ministério Público Federal objeto, no passado, a priorização de exame de patentes por interesses de uns e outros, não motivados; aqui, seguramente não haverá preferência privada. Ou seja, é caso, sim, de examinar antes das 97% das outras que (segundo a INTERFARMA) não são de interesse da saúde.

Minha proposta é:

(a) uma vez indicadas, no portfolio das patentes indicadas pelo Ministério da Saúde, as essenciais para a política de saúde, aplicar-se geralmente o parâmetro administrativo já em exercício para as patentes verdes, com as modificações abaixo.
b) como medida de prudência e política pública, o exame utilizaria  dossies de exames já realizados em escritórios de patentes, designados por norma administrativa,  com quem o INPI tenho convênio de pleno acesso ao processo administrativo para determinar, liminarmente, a presença dos requisitos do art 8 da lei brasileira,  tomando como presunção veracidade técnica dos atos da autoridade estatal ou internacional estrangeira ou regional.
 c) Partindo assim de um cerne de exame já realizado de um órgão estrangeiro confiável, em matérias que são, em princípio, examinadas sob critérios assimiláveisaos da lei interna,  completar em prazo assinado, não superior a 60 dias, os exame da aplicação dos art. 10 e 18, e da unidade de invenção e da suficiência descritiva, que representam peculiaridades específicas da lei brasileira.
d) Simultaneamente (e não antecipadamente) seria feito igual exame pela ANVISA. 
e) tal exame duplo (ou, se alguma das duas entidades atrasasse, o que já estivesse pronto) seria sujeito a imediata revisão por grupo de examinadores, designados para tal atividade, em 30 dias. Neste espaço, seria afirmada, ou rejeitada a presunção de satisfação (ou inexistência) dos requisitos do art. 8. 
f) daí em diante, seriam feitas as exigências e ciências de parecer, e submetido o procedimento a gerência especial para assegurar cumprimento estrito dos atos decisórios e ordenatórios do INPI.