Tuesday, December 10, 2013

Da origem de material genético e outras caxiagens ao estilo dos lêmures (ou melhor, lemingues)

Sempre em discussão a sabedoria da política pública de se exigir a revelação da origem de material genético como condição de se obter uma patente no Brasil. Lembrei disso ao reler um interessante trecho de Gama Cerqueira sobre a proteção de indicações de procedência na nossa segunda lei de marcas.


"Este assunto foi objeto de minucioso estudo das Seções reunidas do Império e Justiça do Conselho de Estado, por ocasião da reforma da lei nº 2.682, de 23 de outubro de 1875, sobre marcas, a fim de pô-la de acordo com a Convenção de 1883.
 As referidas Seções explicaram que a restrição constante do projeto fora determinada pela cláusula 10.ª dessa Convenção, observando, porém, que “os princípios de lealdade e honestidade comercial e industrial, que devem presidir a todas as transações, exigiriam proibição mais severa e absoluta, excluindo-se o complemento. Por outra, conviria antes proibir absolutamente qualquer indicação de falsa origem para marca da mercadoria ou do produto, como garantia mais eficaz em bem do público, muitas vezes iludido só por essa indicação”.
Mas as Seções “ponderaram que, por muito respeitáveis que sejam os princípios, só um cavalheirismo pouco prático e alheio às idéias do século pode levar uma nação nova como a nossa a ir além do que observam as mais adiantadas e poderosas, privando-se de armas que de futuro poderão habilitá-las a retaliar, em defesa própria, contra a concorrência de que na atualidade são fatalmente vítimas”. E depois de se referir à discussão do projeto das leis de Portugal e da França, sustentando o mesmo parecer, concluíram as Seções que “enquanto os verdadeiros princípios não vigorarem por toda a parte, não será prudente que por amor deles exclusivamente o Brasil se constitua seu único paladino” (apud AFONSO CELSO, ob. cit., págs. 308 a 311)".

De novo sobre plágio e causalidade estrutural Althusseriana (conversas com Karin Grau-Kuntz)



Em texto incluído em meu livro mais recente (Direito de Autor, Lumen Juris, 2013) defini plágio como a ocultação da relação entre autor e sua obra ou elemento dela. Ao contrário do que sustentam eminentes autores (Karin Grau-Kuntz entre eles) , não me parece que seja necessário ao conceito de plágio que o texto seja dissimulado. Também não me parece ainda útil estabelecer um elemento volitivo (...pretensão...)


Tomemos assim essa hipótese como categoria A. Assim, existe uma possível categoria B, que seria a falta de autorização do titular (autor ou não) para qualquer forma de exploração da obra. Daí, há hipóteses de categoria A que também se incluem na. B. Vamos além disso supor que exista uma Categoria C, que seria é a assunção da autoria de elemento de obra, cuja autoria é de terceiro. Inspecionando essas três categorias se constata que - sem nomes confusos - todas elas podem ser cumulativas. Mas C presume A pois ninguém usurpa sem ocultar.

Fico com Posner ao notar que contrafação e plágio se distinguem: pode haver plágio de obra em domínio público. Essa primeira observação direciona o pensamento: plágio é uma lesão à relação entre obra e autor, relação essa que não se resume à vigência da exclusiva. Isso se ajusta à postulação que faço no Cap. I do meu Tratado, de que o bem imaterial é independente da exclusiva - ou das exclusivas -. Assim, nem sempre o plágio é ilícito, ainda que sempre seja uma imoralidade mas (e plagio aqui Proudhon) - quem sabe se a exclusiva do direito autoral toda não é uma imoralidade?.

O CP de 1940 separava contrafação e usurpação.

Art. 185 - Atribuir falsamente a alguém, mediante o uso de nome, pseudônimo ou sinal por ele adotado para designar seus trabalhos, a autoria de obra literária, científica ou artística:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. (Revogado pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Plágio é ocultação do autor. Mas não só o "autor" titular de exclusiva. Quando se aceita que se plagie obras em domínio público - isso é plágio, sem ser contrafação – também se aceita que se plagiam ideias, sem que ideias sejam privatizadas.... Autor é autor, embora o direito apenas tenha escolhido proteger por exclusiva patrimonial um segmento de sua criação, que são as formas de expressão. Se eu "furto" uma ideia de um cientista, isso não quer dizer que você tenha de pagar royalties pela infração; quer dizer que deixei de atribuir ao autor a nominação. Não há nenhum princípio constitucional que obrigue a ocultação dos autores de ideias em benefício da sociedade. Há talvez um princípio geral que sendo a cópia e uso livre, a memória do originador seja honrada. Ligar nominação à privatização é cair num artifício insidioso do patrimonialismo.

Cito sempre Savigny quando falo do dever de o interessado num segredo tomar todas as medidas possíveis para evitar que seu monopólio natural se dissolva. Muita gente já tinha sentido que o animus é um elemento da apropriação, mesmo porque ele é historicista. Mas "Savigny" aponta para um movimento, um olhar o Direito, e me poupa tempo imenso em explicar minha teoria. Savigny exerce aí a função de um brand na história, que é o Direito. A nominação evita que esqueçamos que o presente não é absoluto, que a sua ação pessoal pode mudar a história, ainda que episódica e estocasticamente.

Entendo sim, que há uma relação de direito entre originador e sua obra. O estado escolhe determinadas obras para receberem exclusiva. mas exclusiva é apenas UMA DAS FORMAS QUE O DIREITO dispõe em face da criação (sem mencionar aqui as inúmeras formas que a moral e a fantasia também dispõem, daí Tristão e Isolda) . O estado (rectior.. a Constituição) constrói um FILTRO para determinar quais criações são socialmente relevantes para merecer a exclusiva. Mas outras tutelas de direito se constroem além e independente de exclusiva.

Estou absolutamente feliz que todo mundo copie e deva copiar (quem conseguir) a receita do Consomé Paul Giscard d’Estaign que o Paul Bocuse criou e – pela sua pessoalidade – não cabe em patente de invenção. O mesmo direi do descobrir de qualquer coisa, ou das ideias insuscetíveis de proteção. Ninguém desse povo tem menor direito patrimonial de oponibilidade. Mas listei exemplos, e outros há, em que mesmo o bem imaterial recebe tutela do direito independentemente de exclusiva.

Não consigo imaginar que fora do capitalismo, a obra - juridicamente - é completamente anômica. Não num sistema constitucional em que se prestigiem valores além dos políticos e patrimoniais.

Há duas formas de se ser objetivo: sim ou não, é a primeira. é a da chamada causalidade mecânica, ou do exercício digital. Constrói-se um modelo de inclusão, e tudo que não estiver no tipo está fora. É o modelo que faz prevalecer a previsibilidade e a segurança à realidade.

Mas há outra forma de se ser objetivo, que não é ser mecânico. Essa objetividade leva em conta que múltiplos fatores, e não só os isolados no modelo de inclusão, atuam na realidade. Nessa forma de se haver com o real e o externo há gradações, há mutações, entre o dó e o ré há pelo menos sete comas, e mais ainda, na forma de um seio não há sim ou não, mas infinitas variedades do belo e do sublime. As gradações mínimas das comas ainda revelam um resquício de mecanicismo, as formas infinitas dos seios são insuscetíveis de escalonamento digital,mas nem por isso subjetivas. Esse é o modelo que faz prevalecer a realidade e diversidade sobre a previsibilidade ou a segurança.

Uso uma ou outra forma de pretender a realidade conforme o objeto. Há dois tipos de computador, o seu laptop que é digital, e computadores de controle de processo ou relativos a outros problemas não suscetíveis de picotamento sem perda de realidade, que são os computadores analógicos. Esses últimos computadores não são máquinas de fazer magia.