Meu caro Renato,
Uma pergunta em abstrato,
assim, é irrespondível. A Lei 9.279/96 usa a expressão “título” em um grande
número de acepções divergentes. Título como o nome que um livro tem na capa, ou
o jornal no seu topo; o breve resumo da matéria de uma patente; o nome de um estabelecimento comercial; a noção de “causa
de direito”, quando fala “a qualquer título”; etc. A Lei mais genérica, de registros públicos,
menciona “títulos e documentos”, prescrevendo que o órgão registral levará tais títulos (e
documentos...) em conta para fins diversos. Distinguem-se nessa lei os usos da
expressão “título “ tanto como causa
jurídica e quanto como testemunho documental,
mas sem muita precisão.
Vejamos, de outro lado, o
Código Civil: “Art.1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou
transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de
Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos
expressos neste Código. (Código Civil Brasileiro de 2002)”. Se tem então o
registro (que transfere o direito real) do título, aqui entendido como um causa
jurídica de cunho documental, que é precedente ao registro. Mas há momentos em
que o “titulo” se desnuda em causa jurídica, sem qualquer exigência de testemunho
documental: Art. 1.201. (...) Parágrafo único. O possuidor com justo título tem
por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei
expressamente não admite esta presunção. (Código Civil Brasileiro de 2002).
Mas indo ao caso específico, nem
as leis de PI, nem a lei registral geral,
definem, o que é “título de propriedade industrial”.
Então, a resposta direta à
sua pergunta é: depende do que você quer dizer falando de “título de
propriedade industrial”? É para que propósito? Documento interno do NIT?
Contrato? Contagem estatística?
Mas uma coisa pode ser dita
de início. Nem a carta patente, nem o certificado de registro de marcas, é um “título”
autônomo e literal, pelo menos no sentido de um direito cartular contido no papel em que ele se descreve. Há sim,
títulos cartulares, como explica o comercialista Fábio Ulhoa:
Cartularidade "é a garantia de que o sujeito que
postula a satisfação do direito é mesmo o seu titular, sendo, desse modo, o
postulado que evita o enriquecimento indevido de quem tenha sido credor de um
título de crédito ou negociou com terceiros (descontou num banco , por exemplo
)".
Tal documento é chamado de título de crédito porque cumpre os requisitos
estabelecidos em lei, se assim não o for, não se tratara de título de crédito. Não existe credor sem a posse efetiva do
título neste caso, mesmo que a pessoa possua os direitos creditícios,
este não poderá recorrer em juízo para exigir seu cumprimento.
Assim, sem o
título de
crédito – fisicamente, na sua mão – não há como exercer seus direitos de
credor. Não se vai buscar a
causa jurídica fora do documento, pois ele é também autônomo
e literal. Mas isso não é a regra geral
em direito. Na verdade, esses são casos singularíssimos.
Quando você
nasce com vida, o fato do seu nascimento constitui seu ingresso no mundo do
direito, independentemente da certidão. É a vida, e não o papel, que faz
eclodir as consequências jurídicas. Você pode ter algumas restrições pragmáticas
ou de meio de prova pela falta da certidão de nascimento, mas em nada isso
abala a criação do direito pelo nascimento com vida. No caso dos direitos que
dependem de declaração e constituição por um ato estatal, como o de patentes, há
um ato de estado, ou ato administrativo, que deflagra os direitos pertinentes; aliás,
a emissão do documento que atesta o ato estatal não é o que deflagra esse direito,
mas a publicação do ato na RPI. Com ou sem a carta patente, existe a patente e
pode se exercida, em virtude da publicação que dá ciência do ato estatal de
concessão.
Bom,
então se tem títulos cartulares, e documentos que apontam para o título, mas
nele não se contém o título (a vida e não a certidão de nascimento; a concessão
da patente pela publicação na RPI, e não pela entrega da carta patente). O
título (a patente, o registro, etc.) não está contido no papel.
Qual o papel
da carta patente, então? É um instrumento informacional, no qual se reúnem os
dados básicos, e se facilitam os negócios jurídicos. Mas vezes sem conta fui réu
em ações em que o titular da patente não tinha carta patente, e o processo
prosseguia sem a exibir. Na verdade, creio que isso não deveria ser admissível,
pois o réu necessitaria ter exata informação do direito que se lhe antepõe, o
que não é sempre fácil sem a versão final da patente como deferida – e o INPI
não tem cópia guardada das cartas patentes.
Assim, se
parece possível definir como “titulo de propriedade industrial” a patente, o
registro, etc., o mesmo não se dirá da carta patente, dos certificados de
registro, etc. Quando você olha para os dispositivos legais pertinentes, isso
se vê:
Art. 38. A patente será concedida depois de
deferido o pedido, e comprovado o pagamento da retribuição correspondente,
expedindo-se a respectiva carta-patente. (...)
§ 3º Reputa-se concedida a patente na data de publicação do respectivo ato. Art. 39. Da carta-patente deverão constar o
número, o título e a natureza respectivos, o nome do inventor, observado o
disposto no § 4º do art. 6º, a qualificação e o domicílio do titular, o prazo
de vigência, o relatório descritivo, as reivindicações e os desenhos, bem como
os dados relativos à prioridade.
Aqui
vem mais uma distinção: há direitos que nascem de um ato estatal que declara
seus pressupostos e constitui a exclusividade, e há outros direitos que nascem independentemente
da ação estatal. Nascem da simples criação da obra. Tal acontece com as obras
autorais e, por assimilação, o software. Assim, a patente, o registro de
marcas, de topografias, de cultivares, de desenho industrial, todos esses
nascem de um ato estatal. Mas a obra autoral, nela
incluída o software, independem em sua proteção de qualquer ato estatal.
O
Certificado de registro de software no INPI tem a mesma importância jurídica de
uma fotografia que você tira de um bebê novo: ela serve para por no facebook e
mostrar para os amigos, mas não tem nenhuma, nem a mais remota das repercussões
em direito. A não ser comprovar que você pediu registro (tirou foto com
iphone). As pessoas usam o registro de software basicamente para impressionar
burocratas, compradores e namoradas, partindo
do princípio de que esses não tenham realmente ideia do que é um registro de
software; e – numa hipotética discussão judicial – como prova de que, na data em
que pediu o registro, o software existia mais ou menos do jeito que foi
depositado.
Assim,
se neste caso específico você definir “título” como a causa jurídica do direito
de exclusiva, o título resulta do ato de criação, e de nenhum ato estatal.
Mas
– sempre – título é qualquer coisa, dependendo de definição contextual. Os meus
“títulos de propriedade industrial” são os livros que escrevi que tratam da
questão, e não os meus romances, novelas e contos.
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