Monday, February 16, 2004

Diálogos com Antonio Abrantes:

(AA)_ a) exatamente porque sei que nos EUA estão ignorando a noção
> de "técnico", tal como definida no caso Morse e Rote Taube, que me
> demorei em falar do assunto. Se não hovesse esse precedente,
bastaria citar que - no Brasil - o Congresso Nacional optou por não dar
> patente de software.

> Os Estados Unidos a rigor não estão ignorando o termo "tecnico",
apenas este termo não aparece na lei americana como criterio de
concessão de patentes. Nao vejo essa dualidade no USPTO,
especialmente depois de 1980 com decisao da Suprema Corte Diamond v.
Chakrobarty em que o juiz cita um relatorio do Congresso que
acompanhou a elaboração do patent Act de 1952 em que se diz
que "Congress intended statutory subject matter to include anything
under the sun that is made by man". O USPTO ja concedeu milhares de
patentes de software e apos o caso Signature em 1998 nem mesmo
metodos de fazer negocios, ultima barreira a ser vencida, agora tem
restrição. Portanto , tanto na Suprema Corte americana como na
pratica do USPTo nao vejo onde existe tal dualidade quanto a conceder
ou nao patentes de sofwtare.


> O INPI ha longas datas tem dado patentes de software. Aqui digo
minha experiencia como examinador. Quando eu cheguei observei que uma
pratica de muitos pareces era se pedir que o requerente nao
mencionasse que a invenção era feita por software. O requerente entao
refazia o texto retirando qualquer citação a sofwtare e descrevendo a
invenção como um processo. Como saber agora que aquilo era um
software ? nao tinha mais como. Ou seja, patentes de software foram
concedidas sem se saber que na verdade aquilo era implementado por
software. hoje esta estrategia nao é mais feita. Um manual de exame
do início da década de 90 no INPI escreve: "A concessão de patentes
de invenção que incluem programas de computador para realização de um
processo ou que integram equipamentos que realizam tais processos tem
sido admitidos pelo INPI há longos anos. Isto porque não pode uma
invenção ser excluída de proteção legal, desde que atendidos os
requisitos convencionais de patenteabilidade, meramente pelo fato de
que para sua implementação utilizem programas de computador. Assim o
programa de computador em si é excluído de proteção patentária,
todavia, se o programa controla a operação de um computador mesmo
convencional, de modo a alterar tecnicamente o seu funcionamento, a
unidade resultante do programa e do computador combinados pode ser
uma invenção patenteável como método ou dispositivo".

> " b) a patente não é uma afronta à sociedade; é só uma afronta ao
> regime capitalista. Afronta a um sistema que repele as constrições ao
> mercado, a intervenção estatal, às artificialidades jurídicas.
> Suporta-se a patente num regime de mercado, para proteger os
> inventos, simplesmente porque não há no momento alternativa
melhor; mas nossos colegas de Stanford e Harvard andam produzindo muita
> fumaça na busca de uma outra hipótese. Parodiando Churchill, a
> patente é a pior das alternativas, fora todas as outras."
>
> Sinceramente Denis, voce ja leu o livro do Kevin Rivette, Rembrandt
in the attic ? Ele mostra que "nossos colegas de Harvard" citam
claramente que patentes estimulam a inovação. Voce esta se referindo
a Laurence Lessig de Stanford ? Shapiro em Economia da Informação
tambem sustenta a tese de que patentes sao uma ferramente importante
na estrategia de competicao da economia digital. Vejo um vestigio
de "socialismo" em seu argumento. Me parece um argumento da decada de
70 quando o Brasil pensava ainda em afrouxar o sistema de paises
em "beneficio" dos paises pobres. Mas as tentativas se frustraram na
era pos TRIPS, estamos numa nova perspectiva. Discordo totalmente de
voce: estou absolutamente convencido que os sistema de patentes é
benefico para o Brasil, se é que ele deseja continuar desenvolvendo
alguma tecnologia. Digo isso, não baseado em ideologias mas em fatos.
Pense nas patentes de farmacos antes de 1996. pois sem protecao de
patentes nao fomos capazes de produzir um unico medicamento. Agora
com a lei nova de patentes, veja o projeto genoma sendo patenteado
por pesquisadores da USP, a vacina contra hepatite B de Ricardo
Granovski do Instituo Butanta, ou o anti inflamatorio desenvolvido
por Gilberto de Nucci, junto com a Ache.

> c) a definição de "técnico" é simplesmente...técnica. O "técnico"
aí é o que se constroi nas tradições de Rote Taube mais EPO. As
> ponderações que você, Antonio, aduz quanto à acepção corrente, ou
> engenheiral, de "técnico", são supinamente pertinentes...mas
> atécnicas.
>
> Devo inciar uma tese de doutorado que fala da construção social dos
artefato tecnicos, conforme Latour, Callon, Bijcker, John Law e
outros. Concordo que a definicao do significado da palavra tecnico
seja construido socialmente. Isto se percebe quando se acompanha
cronologicamente como o USPTO e a EPO foram cada vez mais alargando o
conteudo das patentes de sofware permitidas a ponto de que o que
antes era excecao agora virou regra. O que eu coloquei nos meus e-
mails anteriores é que o significado da palavra tecnico em
antropologia e historias das ciencias/tecnologia sempre foi bem
amplo. Esta divergencia entre o uso da palavra pelos tribunais e seu
uso corrente no meu entender é que foi o alvo das principias criticas
as patentes de software. A EPO por exemplo é bastante confusa a
respeito quando tenta dar uma definicao do que seja a palavra
tecnico. "in order to be patentable, an invention must be of a
technical character to the extent that it must relate to a technical
field, must be concerned with a technical problem and must have
technical features in terms of which the matter for which protection
is sought can be defined in the patent claim". É uma definiçaõ cuja
predicado da frase explica o sujeito, ou seja, uma definicao
tautologica que pouco esclarece. É por isso que o INPI nos casos de
patentes de software nao mais rejeita uma patente de sofwtare por ela
nao ser de natureza tecnica, porque na verdade osftware de modo geral
resolvem problemas de natureza tecnica, visto que a palvara possui
significado amplo. Ha indeferimento quando o requerente nao da uma
aplicacaçao pratica para o software, ou acaba caindo nas demais
impedimentos do artigo 10 (metodo matematico, apresentacao de
informações, metodo financeiro)


> "d) qual é essa tecnicidade da expressão "técnico", neste contexo?
É expressar uma determinada equação de equilíbro constitucional de
interesses. Cada país escolhe essa equação, mas, como numa
economia de mercado os fatores relevantes são isotópicos, mas não iguais,
as alternativas nacionais tendem a se reduzir. Temos dois arquétipos
no momento: o parâmetro Rote Taube (do estilo Euro) e o parâmetro
One-Click-System da Amazon.
>
> Se utensilios dos homens da cavernas constituem a solução de um
problema tecnico fica dificil sustentar que a soluçaõ de um problema
na area de sofwtare nao seja.


"e)meu entendimento é o sehuinte: cumpra-se a lei, ou se a altere, como - com cuidado e moderação - a Comunidade Européia está fazendo. Mas descumprir a lei nacional porque a opção legal num outro país - num só especificamente - é outra, lembra o velho grito de guerra das passeatas de 1964: "Basta de Intemediários, JON DUDAS para Presidente > do INPI".

> Esta se cumprindo a lei, nao tenho duvida disso. Patentes de
processos industriais sao concedidos desde longa data. Se estes
processos sao implementados por sofwtare, totalmente, porque nao os
conceder ? nao vejo logica. Se o software de controle de uma maquina
industrial ganha patente, porque quando a maquina se trata de um PC
nao pode ganhar ? nao vejo logica. O INPI nao esta concedendo
patentes de software porque os outros concedem, mas porque esta
parece ser a interpretacao mais logica. Como conceder patente de um
hardware de processamento de imagem e nao conceder para a mesma
invençaõ implemnetada por software, quando estas duas sao
absolutamente equivalente, meramente questao de projeto ? Nao vejo
logica. Se o INPI se negar a dar patentes de sofwtare, rapidamente o
sistema de patentes ficara obsoleto porque numa economia da
informação cada vez digital mais os produtos industriais incorporam
conteudo tecnologico na forma de software. Acaberemos ficando somente
com patentes de produtos tecnologicamente defasados caso excluamos
software. Sua referencia as passeatas de 64 da esquerda socialista
confirmam a tese de que voce trabalha numa perspercitiva de
construção do socialismo e está movido mais por questoes ideologicas
do que logicas.

(DBB)

Muito me honraria ter sido ou ser interessado na construção do
socialismo patentário. Mas na verdade nunca me foi dado militar ou me
interessar nessa prática, que admiro intelctualmente mas não
subscrevi na praxis mesmo enquanto parecia viável.


Na verdade o que digo é muito mais simples. Isso aqui onde vivemos,
com a desigualdade bárbara entre nossas gentes, e a ineficácia de
nosso desempenho internacional, é uma democracia pelo menos política,
com uma Constituição que escolheu o mercado como elemento fundamental
da economia. Num pressuposto como esse, as decisões quanto à
construção de exclusividades de mercado deve ser institucional - uma
decisão do Congresso Nacional.


Se os juízes federais de São Paulo acreditam em um novo sistema
penal, mais privatizado, ou o INPI quer dar patente de software,
ambos em discordância com as leis votadas no Congresso, é de se
respeitar filosoficamente essas tendências como manifestações de não
conformismo. Mas o Congresso Nacional também optou por reservar a
ambas instâncias uma resposta repressiva, das leis penais. Não me
impressiona em nada o depoimento, que é verdadeiro, que o INPI vem
dando patentes de software puro. Não me impressiona em nada saber que
os tais juízes têm absolvido quem não merecia, segundo critérios de
retorno pessoal dos investimentos em magistratura preferenciais ao
portador.


O que tenho dito, nessa conversa no pibrasil, é que a decisão
legislativa quanto a dar patentes de software puro, e ao conteúdo de
tipos penais, está tomada pelo nosso sistema democrático. E não cabe
ao particular agir, no exercício de atividade paga pelo contribuinte,
em desafio à decisão democrática.


No caso de nossas patentes de software, a questão não se resume ao
respeito às leis. O caso é de respeito ao balanceamento
constitucional de interesses em jogo. Conseguido um adequado
equilíbrio de interesses quanto à questão, não me oponho, antes
propugno, a proteção às idéias de negócio ou ao software puro.


Como alguns dos listeiros saberá, em 1986, o INPI e o Conselho
Nacional de Direitos autorais cometeram a uma comissão, integrada
pelo Manoel Joaquim Pereira dos Santos, pelo Consultor da República
Raymundo Nonato Botelho de Noronha, e por mim, propor um sistema
próprio de proteção de software. A proposta está descrita em
http://denisbarbosa.addr.com/173.doc


Cito, aqui, o que consta desse episódio no Uma Introdução, 2a. Ediçào:


"Direito autoral? Matéria própria a um tertius genus, nem patente nem
direito autoral? Muita discussão ocorreu antes da remessa do projeto
de lei de nossa primeira Lei do Software, através da respectiva
Mensagem (no. 777/86), ao Poder Legislativo, em dezembro de 1986. O
contexto normativo incluía, a época a elaboração legislativa de 1987,
o teor do Art. 43 da Lei 7.232 de 29 de outubro de 1984, que remetia
para legislação especial, a ser submetida ao Congresso Nacional, a
matéria relativa aos programas de computador e a documentação técnica
associada (software).


No meio do mais quente da discussão jurisprudencial [1], a lei foi
fruto de uma definição política pelo internacionalismo; alinhando-se
com o disposto no Trade Act de 1974 [2], o CONIN, em sua reunião de
26 de agosto de 1986, havia se manifestado pelo direito autoral como
meio de proteger o software, em voto unânime dos representantes da
União, contra a tendência de escolher outro regime de proteção [3].


Quanto ao regime de Propriedade Intelectual, o regime de proteção dos
programas de computador seguia, em parte, o da Lei 5.998/73, que
protegia então no Brasil os Direitos Autorais. No entanto, com as
muitas alterações introduzidas pela projeto de Lei, especialmente a
supressão dos direitos morais, e a natureza claramente tecnológica
dos programas de computador, seria possível afirmar que se teve, na
Lei 7.646/87, na presença de um tertius genus, a maneira de certos
Direitos Conexos, cuja regulação acompanha talvez, na esfera
internacional, o da Convenção de Berna - vale dizer, o da matriz
internacional dos Direitos Autorais - no que com ela não contraste.



[1] A criação da proteção da idéia tecnológica pelo copyright começou
a ser evolvida nos Estados Unidos por Whelan v. Jaslow, 797 F.2d.
1222 at 1238 (3d Cir. 1986), e por Digital Communications Association
v. Softklone Distribution Corp., 659 F.2d 449 at 457 (N.D.Ga. 1987).
Mas a opção pela proteção do software pelo copyright já tinha sido
formalizada pela lei americana de 1980. A definição legal é a da
Seção 101 do título 17 do United States Code (alterado pela Public
Law 96-517 de 12.12.80): "A computer programs is a set of statements
or instructions to be used directly or indirectly in a computer in
order to bring about a certain result".


[2] Que determinava sanções comerciais, literalmente, contra os
países que não adotassem em suas legislações de software o direito
autoral.


[3] O episódio, em toda sua robustez anedótica, merece ser narrado
aqui. Um dia antes o autor, juntamente com um ilustre servidor do
Itamarati, posteriormente Ministro das Relações Exteriores, haviam
participado de um seminário nacional sobre a questão, afirmando ambos
que a adoção de um regime específico para o software era a solução
acertada para o país. De volta a Brasília, o autor reunira-se com o
Ministro da Indústria e Comércio, de quem era assessor junto ao
CONIN, para aconselhar o voto, na reunião da manhã seguinte, pelo
tertius genus - nem direito autoral, nem patente, ao que o ministro
concordou. Na solene sessão da manhã de 26 de agosto, doze Ministros
de Estado presentes, surge um ajudante de ordens do Presidente da
República, com documento sigiloso, que repassa, sem entregar, a cada
um dos titulares, no instante exato da votação. Ao iniciar-se a
tomada de votos, o Ministro da Indústria e Comércio, para a surpresa
absoluta do autor e dos representantes da empresa privada nacional,
pronunciou-se pela adoção do direito autoral - o que resultou na Lei
7.646/87."


A nossa proposta do tertius genus, sob a perspectiva desses 18 anos,
era uma baboseira. Não se aguentaria em pé. Mas em seus erros, falta
de experiência, e excesso de arrogância (falo de minha participação,
pois a do Manoel sempre foi inteligente e moderada) essa proposta tem
como tônica a busca de um equilíbrio de interesses. É isso que
proponho: a busca de um sistema próprio, que pode ser denominado de
patentes ou de qualquer outra coisa, em que se perfaça um equilíbrio
adequado.


Tenho como guia, nesse desígnio, as ponderações de Reichmann, Pamela
Samuelson, Michael Lehmann, Ejan Mackaay e outros, refletidas no
número especial da Columbia Law Review vol. 94, de dezembro de 1994,
completamente dedicada ao assunto. A idéia de continuar lutando por
um equilíbrio próprio de interesses na proteção do software - com
necessidade da economia capitalista - é o único tema dessa
publicação, em suas 370 páginas. Recomendaria muito, Antonio, a
leitura desses textos, em sua densidade e inteligência.


Talvez venha daí a aparência de socialismo, Antonio. Columbia, que é
aliás minha alma mater, não é exatamente uma Internacional
Socialista. Mas a economia de mercado, em sua vertente reflexiva,
pode parecer socialista até mesmo aos juízes de São Paulo.

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