Monday, February 16, 2004

Denis Borges Barbosa, Advogado


Inspirado pelo prefeito Giuliani, de Nova York, Cesar Maia, em seu
primeiro mandato, instruiu a Guarda Municipal recém-criada a acabar com a pequena criminalidade das ruas. A tese era que as infrações menores criam o clima de anomia - a falta de lei - na cabeça da população. No nosso sistema constitucional, os municípios não têm (como tem Nova York) poderes de reprimir os grandes crimes, previstos no Código Penal, função aqui reservada aos Estados e à União.

Parte desse modelo Giuliani, lá e aqui, é a eliminação dos street
peddlers ou camelôs. Aqui, passado o clima de respeito inicial, a
batalha entre a Guarda Municipal e os camelôs virou mais uma parte do cotidiano do carioca. Os jornais de 11 de setembro trazem, além disso, a imagem de um fenômeno ainda mais desmoralizante: a Polícia Militar impedindo a Guarda Municipal de cumprir seu dever, à força de armas de fogo.

Pelos paradoxos do nosso sistema constitucional, desde 1988 os
Estados tendem ao enfraquecimento. Em particular nos Estados em que existem grandes cidades, de poder econômico comparável, até mesmo superior,ao do resto do território estadual, pode acontecer de a importância do governo estadual diminuir até uma dimensão ridícula. Marcelo Alencar e César Maia já tiveram de emprestar dinheiro do município para manter a polícia do governador. O pouco que lhes cabe na repartição constitucional de competências, os Estados (mesmo os mais ricos) não têm tido condições de cumprir. Mas ainda
espanta ver as imagens da polícia estadual protegendo o infrator
contra a autoridade municipal.


Cada vez mais o camelô avança no crime: faz tempo que camelô é
distribuidor de produto pirata. É simpático encontrar os DVDs de
filmes ainda nem lançados nos cinemas, e a preço de banana. É simpático encontrar CDs, que nas lojas estão impossivelmente caros, por preços mais que acessíveis. É fascinante descobrir o mesmo perfume, com a mesma embalagem, no espaço livre dos camelôs, quando na loja em frente se compraria por 10 vezes mais.É um crime simpático, e deve ser por isso que a polícia estadual prefere bater na autoridade a prender o vendedor ilegal.

O Código Penal, faz pouco tempo, foi modificado para tornar mais graves as penas, e mais rápidos os procedimentos, em matéria de
pirataria como a dos camelôs. A Lei 10.695, de 2 de julho último, fixou em dois anos de reclusão a pena mínima para o caso de violação de direito de autor ou conexos consistente na reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direito ou indireto, abarcando, especificamente, a prática da pirataria de obras intelectuais. A pena máxima é quatro anos de reclusão, muito próxima daquela que um homicida, com atenuantes, iria sofrer.

Os dois anos mínimos de reclusão fazem com que o crime de
violação de direito de autor, com finalidade de comércio, deixe de ser tido como crime de menor potencial ofensivo. Não é crimezinho. É algo comparável com o estelionato, o tráfico de tóxicos ou o assalto, como categoria penal.

A lei também mudou o Código de Processo Penal, criando não só um
poder, mas principalmente um dever da polícia reprimir diretamente a pirataria. A Polícia Civil e a PM podem apreender bens ilicitamente produzidos ou reproduzidos, e também todo o equipamento, material e suportes utilizados para a fabricação (artigo 530-A do CPP).

Talvez pior do que a aliança da polícia estadual com a
criminalidade dos camelôs é a repercussão dessa indulgência no comércio exterior brasileiro. Coisas como essa reforçam a imagem de que no Brasil não se protegem marcas e direitos autorais, de que todo mundo é pirata ou amigo de pirata. Ou pelo menos a polícia do Estado do Rio de Janeiro.
Texto publicado no Jornal do brasil Online do dia 16/9/2003

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