Thursday, December 23, 2004

Marcas tridimensionais

Tenho entendido que as marcas tridimensionais só podem ser
registradas após a demonstração de pré-aquisição de secondary
meaning.
Tal resulta do equilíbrio constitucional necessário na propriedade
intelectual, que reserva para proteção de objetos criativos um termo
certo de proteção, e para os objetos meramente simbólicos a
perenidade. Seguramente não será a simples vontade do depositante que
fará escapar das constrições constitucionais de limitação no tempo um
objeto que - não fora pela previsão de marca tridimensional - seria
apenas suscetível de tutela como desenho industrial, ou
eventualmente, direito autoral.
Assim, como equilibrar as duas prescrições - tutela das marcas e a
restrição temporal das criações objetivas?
Quanto à questão do efeito técnico, traz a lei uma antiga exigência
quanto à marca ­ que ela seja um elemento de distinção, e não de
funcionalidade. Quanto à questão, pronunciou-se a Suprema Corte
Americana am Qualitex, 54 U.S. at 170:
"[i]n general terms, a product feature is functional, and cannot
serve as a trademark, if it is essential to the use or purpose of the
article or if it affects the cost or quality of the article (..) It
is the province of patent law, not trademark law, to encourage
invention by granting inventors a monopoly over new product designs
or functions for a limited time, after which competitors are free to
use the innovation."
É de ter-se em exata noção o que é marca e o que é forma expressiva
de um produto. Explica-se: a função da marca não é a de conformar
objeto material que se anuncia, mesmo se a forma do produto ou a sua
embalagem possam ser elementos úteis no merchandising e na
identificação.
Assim é que uma coisa é a marca, e outra o formato do próprio artigo
ou sua embalagem: a marca designa, através de signo de natureza
simbólica (o significante é independente do significado; "Leão"
designa um tipo de mate, e não o felino); o formato ou
embalagem "presentifica" ou identifica o objeto material, funcionando
ao identificar como um signo de natureza indicial (o significante é
parte do significado; a fumaça indica o fogo).
Note-se, de outro lado, a redação que, no texto atual, veda o
registro (art. 124, XXII) de "objeto que estiver protegido por
registro de desenho industrial de terceiro". A redação anterior
proibia o registro de marca "constituída de elemento passível de
proteção como modelo ou desenho industrial". Assim, pela redação
literal do dispositivo, poder-se-ía entender que:
a) é possível a dualidade de proteção entre marca e desenho
industrial do mesmo titular
b) é possível o registro como marca de objeto passível de proteção
como desenho industrial, mas que não o tenha sido por terceiros.
Quanto à identificação entre o objeto de desenho industrial e o de
marca, tem-se a tal objeção constitucional. O sistema de proteção aos
desenhos industriais está sujeito ao cânone constitucional da
temporariedade. Não se vê como conciliar a perenidade do objeto
marcário e a temporariedade do objeto de desenho industrial, quando
são ambos a mesma coisa. Assim, impossível a proteção por marca da
forma, ainda que não necessária, comum ou vulgar do produto ou de
acondicionamento, ou ainda que possa ser dissociada de efeito
técnico.
Não se argumente que coisas perenes como a garrafa da Coca Cola, ou
da Perrier, são autênticas marcas. A proteção existirá, perenemente,
através dos mecanismos da concorrência desleal, protegendo a imagem
eterna enquanto dure na concorrência - é esta a proteção adequada ao
trade dress. Mas não haverá a exclusividade marcária. De outro lado,
levando-se em conta a possível dualidade de proteção, quanto à
parcela estética, por direito autoral e por desenho industrial,
sempre subsistirá a eventual possibilidade de permanência da
respectiva tutela.
No entanto, admite-se uma hipótese da proteção constitucionalmente
válida do trade dress através do sistema registral. O ponto chave
para a constitucionalidade da proteção da marca tridimensional é a
satisfação completa e intensa do requisito de distintividade como
secondary meaning. Só poderá haver registro constitucionalmente
válido da forma de um produto quando na percepção do público tal
aspecto tenha-se tornado índice notório da origem do produto. Como a
garrafa da Coca Cola.
É o importantíssimo sentido da decisão da Suprema Corte (em Wal-Mart
Stores, Inc. V. Samara Brothers, Inc., --Decided March 22, 2000), em
tudo adequada ao nosso próprio sistema constitucional:
With product design, as with color, consumers are aware of the
reality that, almost invariably, that feature is intended not to
identify the source, but to render the product itself more useful or
more appealing.
Se não há notoriedade do vínculo entre a forma do produto e sua
origem, o registro não pode criar tal vínculo, sem afrontar a regra
da temporariedade da proteção das patentes e desenhos. Infelizmente,
essa não é a solução adotada pela Lei 9.279/96. Para fazer-se uma
interpretação de acordo com a Carta do Art. 124, XXI do CPI/96, o
INPI só registrará forma do produto quando e se tal forma estiver
notoriamente ligada à sua origem.

No comments: