Monday, May 27, 2013

Idéias e eticidade no direito autoral, ou falta de idéias quanto à eticidade

Em recente decisão da 7a. Câmara de Direito Privado do TJSP, fez-se uma leitura do dispositivo da Lei Autoral: 
Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:
 I - as idéias (...)  
Qual a interpretação? Incorporando-se no acórdão a decisão de  1a. instância,  os julgadores do TJSP incluíram uma exceção à regra de exclusão:
No caso concreto, o autor foi convidado pela ré a elaborar um programa televisivo, de cunho jornalístico. Dedicou tempo e empregou seu know-how para conceber um programa jornalístico que se distinguisse dos demais veiculados pelas outras emissoras. Idealizou aforma de apresentação do programa, inclusive seu cenário e elaborou projeto de produção terceirizada, que seria realizada por uma de suas produtoras. Não recebeu qualquer remuneração por este trabalho porque esperava ser retribuído a partir da implementação do projeto.”Evidentemente, portanto, que a ré não poderia simplesmente utilizar-se do projeto concebido pelo autor sem sua autorização e sem lhe pagar a devida remuneração.”Essa conduta da ré é manifestamente contraria aos princípios da boa-fé objetiva e da eticidade e não se coaduna com uma ordem jurídica que pretende a construção de uma sociedade justa.”
A apreciação superficial só traria encômios à eticidade da decisão. A lei nega aos detentores de cargo ou função público a possibilidade de nepotismo, mas se o prefeito entender de boa fé que sua família é a mais capaz de atender os encargos da cidade, a proibição não vale. A lei penal veda o furto, mas se o que subtrai tinha propósitos nobres e aplica os frutos da subtração a fins de relevante interesse social, não se aplica a proibição criminal. A ética supre toda e qualquer decisão da lei em contrário.

O que a decisão guerreia é a utilização de idéias, sem pagamento, e a respeitosa consideração pelos esforços e investimentos do autor da "ideia", sem nenhuma apreciação para sua contribuição mínima aos interesses da cultura ou da informação. Não se avalia a novidade nem a originalidade da ideia, e nem aliás se a ideia reúne elementos suficientes de expressão para fugir da dicotomia segundo a qual a expressão nova e original merece proteção e as ideias desvestidas, não.

Incidentalmente, é de se notar que  - pelo menos nos fatos relatados no acórdão -  não se encontra qualquer encomenda da empresa de televisão: o autor da sugestão apenas a enviou e - diz a sentença - não encontrou interesse da recipiente da sugestão. Não se vê a situação obrigacional erroneamente descrita.

Entendamos qual a razão da exclusão das idéias das exclusivas autorais. Numa importante e recente discussão sobre o tema, no caso  Eldred  v. Ashcroft, a Suprema Corte Americana rejeitou todas as objeções de que o aumento indiscriminado de prazo autoral violaria o estatuto constitucional pertinente, pois o confronto entre a exclusiva e as liberdades fundamentais - de expressão, mas também de iniciativa - seria evitado pelo livre uso das idéias. 

Ou seja, a exclusão legal encontra suporte constitucional num entendimento de que há direito de todos ao livre uso das idéias, não obstante o esforço ou investimento de quem sugere a tal ideia, e isso não é (como diz a outra decisão constitucional da Suprema Corte, no caso Feist) um simples subproduto incômodo da liberdades constitucionais, mas a própria essência da proteção:
As Justice Brennan has correctly observed, however, this is not "some unforeseen byproduct of a statutory scheme." Harper & Row, 471 U.S., at 589 (dissenting opinion). It is, rather, "the essence of copyright," ibid. and a constitutional requirement.   
A decisão paulista, que denega a  aplicação de uma cláusula que tutela a liberdade geral em nome de uma eticidade interpartes é  mais antijurídica ainda na proporção que não segue o caminho mais iluminado do acórdão do AC 0168568-24.2010.8.26.0100, de agosto de 2012, julgado pela 1ª  Câmara  de  Direito  Privado  do  mesmo Tribunal  de  Justiça  de São  Paulo. Na ocasião, analisando material fático  análogo, entendeu que não haveria pretensão autoral, em vista da clausula de exclusão do art. 8o., I, da LDA, ainda que se pudesse encontrar remédio jurídico numa responsabilidade pre-contratual (neste caso, descrita nos fatos):
A  questão,  enfim,  é  de  enquadramento jurídico,  eis  que  sua  conduta  revela  ilicitude  determinada  não  pela vulneração  a  direito  autoral  do  apelado, senão em  virtude  da  quebra  de claro  dever  de  lealdade  que  a  boa-fé  objetiva,  na  sua  função  supletiva, impõe  aos  indivíduos  e,  particularmente,  a  quem  se  ponha  no  que  se considera  ser  um  contato  social  qualificado,  como  tal  entendidas  as negociações  que  as  partes  entabularam,  malgrado  sem  que  tivessem chegado a consumar uma parceria contratual.
Assim, é possível fazer justiça sem afrontar os valores constitucionais essenciais da propriedade intelectual.


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