Monday, November 05, 2012

O paladino da biodiversidade

  • "enquanto os verdadeiros princípios não vigorarem por toda a parte, não será prudente que por amor deles exclusivamente o Brasil se constitua seu único paladino"

Volto a um assunto já tratado neste blog: a insensatez de a legislação brasileira impor aos inventores, no Brasil, padrões de proteção a biodiversidade que não são aplicáveis, nos demais países, aos inventores que lá buscam proteção.

Num texto de Edith Penrose que nunca é demais repetir (La Economía del Sistema Internacional de Patentes, Ed. Siglo Vinte e Uno, 1974), a economista americana nota que a Propriedade Intelectual, quando não é relativamente uniforme nos países pertinentes, opera em desfavor de quem mais concede proteção. Diz a tese de Penrose que quem mais protege, quando os demais países dentro de um mesmo contexto de comércio internacional não o fazem similarmente, impõe a sua economia o ônus do preço monopolista, ou da restrição de acesso às criações; enquanto os demais países competidores têm acesso a criação, em regime de liberdade de concorrência, podendo dela aproveitar para acesso de todos.

A conclusão é que ou a Propriedade Intelectual é internacional, ou ela é perversa; pois a evanescência dos bens intelectuais dá a todos o acesso, que o direito coíbe; e quando um sistema legal nacional coíbe o que outros liberam, os custos para a sociedade do estado protetor são sempre maiores, já pela comparação competitiva, já pela necessidade de retorno inteiramente local de um inventimento que será fruído em toda parte.

Não será muito diferente a posição de um pais que tutela sua biodiversidade, restringindo ou pondo ônus em suas patentes e sua inovação, quando outrs países não o fazem. Pois, para  o depositante da patente, e para a sociedade que busca a inovação, haverá um preço a pagar, que as demais sociedades e depositantes estão isentos. Pela retidão moral de proteger a biodiversidade ou os conhecimentos tradicionais, a lei local oneraa sociedade que deveria tutelar, e a expõe a uma perversa vantagem competitiva das outras sociedadees e economias. A retidão promove  retardo no acessso às criações e onera a economia local por algo que deveria - segundo a mesma retidão moral - ser suportada por toda humanidade que tira delas fruto.

Já algumas vezes a leitura da história brasileira da Propriedade Intelectual nos trouxe ensinamentos relevantíssimos. Em  nosso O papel da ANVISA na concessão de patentes, encontrado em http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/novidades/papelanvisa.pdf, contamos da interessantíssima discussão sobre patentes farmacêuticas travada no Legislativo do Império, em 1883, cuja profundidade e coerência muito aproveitaria o presente Congresso Nacional.

Aqui, também o exemplo do Império é interessantíssimo. Tratando do mesmo tema, a proteção aqui no Brasil mais intensa do que nos demais países, em honra à moral e à ética, mas contrariamente ao exemplo dos demais países, o nosso conselho de Estado vetou o excesso de cavalheirismo pátrio, em ataque aos interesses nacionais.

Leiamos o episódio, na versão de Gama Cerqueira:

"Este assunto foi objeto de minucioso estudo das Seções reunidas do Império e Justiça do Conselho de Estado, por ocasião da reforma da lei nº 2.682, de 23 de outubro de 1875, sobre marcas, a fim de pô-la de acordo com a Convenção de 1883.
As referidas Seções explicaram que a restrição constante do projeto fora determinada pela cláusula 10.ª dessa Convenção, observando, porém, que "os princípios de lealdade e honestidade comercial e industrial, que devem presidir a todas as transações, exigiriam proibição mais severa e absoluta, excluindo-se o complemento. Por outra, conviria antes proibir absolutamente qualquer indicação de falsa origem para marca da mercadoria ou do produto, como garantia mais eficaz em bem do público, muitas vezes iludido só por essa indicação".
Mas as Seções "ponderaram que, por muito respeitáveis que sejam os princípios, só um cavalheirismo pouco prático e alheio às idéias do século pode levar uma nação nova como a nossa a ir além do que observam as mais adiantadas e poderosas, privando-se de armas que de futuro poderão habilitá-las a retaliar, em defesa própria, contra a concorrência de que na atualidade são fatalmente vítimas". E depois de se referir à discussão do projeto das leis de Portugal e da França, sustentando o mesmo parecer, concluíram as Seções que "enquanto os verdadeiros princípios não vigorarem por toda a parte, não será prudente que por amor deles exclusivamente o Brasil se constitua seu único paladino" (apud AFONSO CELSO, ob. cit., págs. 308 a 311". Gama Cerqueira, Tratado, 3a.Edição, Luemn Juris, 2010, Vol. III, no. 375. nota 57.




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