Monday, January 27, 2003

Direito do Mercado

Por um tanto de pudicícia, outro tanto de obsessão (muito justificada por vinte anos de regime autoritário) com os direitos humanos parece que o advogado tem tido vergonha de reconhecer o mercado como objeto do direito.

Pudicícia? Quem procura nos romances e contos brasileiros desde o século XIX a uso da palavra “mercado” nunca encontra uma conotação positiva. Mercado é sempre alguma coisa menos elegante, ou o lugar onde se consegue coisas mais ou menos inconfessáveis. Ainda hoje, a imprensa usa correntemente a expressão “solução de mercado” para todo tipo de eutanásia econômica. Joelmir Betting, quando exuma o termo, costuma citar Maquiavel: “"As maldades devem ser cometidas de uma só vez. As bondades podem ser oferecidas uma de cada vez."

Mas o mercado está em toda parte, sem a menor vergonha de sua importância. Na verdade, consagrada pela Constituição, que no artigo primeiro já fala de liberdade de iniciativa como fundamento de toda essa República. O direito nosso, com o contraponto da proteção ao trabalho, está inteiramente encharcado desse princípio. Em outros sistemas, como o italiano, se discute muito (o jurista Natalio Irti em particular) a oposição entre o dever de solidariedade e o mercado. A idéia de que o egoísmo de cada um é o bem de todos, o evangelho de nossos tempos, parece difícil de assimilar à solidariedade.

Mas certas tendências, das mais recentes, do direito vão reconhecendo o mercado como um objeto inevitável. O Direito do Mercado, como um ramo da prática do advogado e do jurista, foi inventado exatamente por Irti em 1983, e tem recebido nos últimos meses contribuições importantes no mundo todo. Direito de Empresa, ou de Mercado? O Código Civil, esse novo-velho em tantas coisas, parece que aqui também chega atrasado.

A Defesa da Concorrência, o Direito do Consumidor, partes necessárias do Direito de Mercado, indicam que a norma e o problema já está aí, na sensibilidade de todos, antes que se perceba a coerência e o sistema necessário. A “empresa” do Código Civil italiano e agora do nosso, é conceituada como uma operadora de atividades econômicas. Que economia? Aquela que os comercialistas de antes usavam para definir o ato de comércio: a economia do proveito, do lucro. Do mercado sempre...

Lógico que a propriedade intelectual é um segmento do Direito do Mercado. Pelo menos, depois que foram virtualmente extintos os certificados de autor de invenção, que eram o meio de proteger a propriedade das criações fora da economia de mercado.

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