Wednesday, November 12, 2014

Dez anos da lei de inovação: entrevista ao NIT Mantiqueira (junho 2014)

Entrevista

NIT Mantiqueira: Como o senhor vê a posição do Brasil no ranking mundial de Inovação? O atual processo de inovação do país estaria em consonância com os dos demais países em desenvolvimento?

Denis Borges Barbosa: Após quase dez anos de Lei de Inovação, começam a aparecer índices do seu impacto: índices nominais, ainda. Número de patentes solicitadas é um índice nominal, e esse está claramente crescendo. A substância da inovação subjacente não se revela em depósitos de patente, como o número de peladas em várzea não indica quem vai ganhar a próxima Copa. Quanto ao ranking mundial, entendo que ele tende a comparar bananas e laranjas: inovação é essencialmente um processo cultural de efeitos econômicos, e inovação na China não é exatamente comparável com inovação em outros contextos. Voltando à questão dos depósitos de patentes: certos economistas chineses apontam que a enorme quantidade de depósitos locais representam contrapartida para incentivos fiscais e creditícios a depósito, sem que se estimule exatamente a contribuição inovadora substantiva. Creio que quantificação de um processo medularmente qualitativo tem como principal efeito o do efeito político de aparentar controle preênsil sobre o movimento das nuvens e assim apoderar os pajés.

NIT Mantiqueira: Qual sua participação na elaboração da atual Lei de Inovação?

Denis Borges Barbosa: A lei de Inovação atual é fruto de uma elaboração orgânica dos pesquisadores e gestores de conhecimento em nossas instituições públicas, e disso resulta sua legitimidade e seus problemas. Como consultores do MCTI, na época da regulamentação da Lei, tivemos ocasião de elaborar a proposta da norma que veio a se transformar na Lei do Bem (com grandes alterações introduzidas pela Receita), e participar de uma série de discussões que resultaram nos regulamentos da norma legal. Essa participação não se interrompeu desde então, formal e informalmente, mas apenas como consultores. 

NIT Mantiqueira: O senhor entende que há entraves burocráticos e jurídicos na aplicação da Lei de Inovação? Quais seriam os mais relevantes?
Denis Borges Barbosa: A lei de inovação presume a modificação dos papéis do estado brasileiro e da sociedade, aqui incluído o mercado. Uma instância colaborativa e igual, sem determinismos e sem clientelismos. O nosso estado (a análise de Raymondo Faoro não perdeu sua validade) é estamental, e colaboração com a sociedade é coisa ainda estranha; como notou um eminente colega, a lei de licitações foi concebida para estabelecer o comportamento do amanuense Belmiro que opera em Imperatriz, no Piauí. E os entraves derivam não de problemas legais ou burocráticos, mas dessa questão basicamente antropológica, ou política. Recentemente, num curso para integrantes dos NITs, um eminente colega da AGU notou que não existe no sistema de contabilidade da União previsão de receita de royalties pelas ICTs, e muito menos distribuição dessa participação pelos criadores. A proposta que ele fez foi de repassar esse encargo para uma entidade externa aos sistema das ICTs, que aliás mal se aguenta das pernas em suas demandas de serviço atual. Ou seja, alterar o Código de Contabilidade da União de 1923, que está tão vivo quanto D. Sebastião, e a Lei 4320, desanima todo mundo: faz parte da missão dos advogados do estado defenderem status quo e a clareza das relações administrativas. Isso não é burocracia, que se caracteriza como uma patologia do poder pelos petty officials: é falta de vontade transformadora. Essa vontade é política, e não administrativa, ou da AGU. Isso depende, em algum grau, da credibilidade do ator político e da apreensão pública da legitimidade de seus motivos.
NIT Mantiqueira: Em sua visão, como uma ICT pública pode aplicar a Lei de Inovação em benefício das empresas sediadas no país?

Denis Borges Barbosa: Pela Lei de Inovação, ICT é sempre pública. As instituições privadas não estão sob o guarda chuva da lei; estarão elas talvez sob a noção de "Organizações de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa e desenvolvimento", mas como elementos da articulação público-privado e não como beneficiárias diretas da Lei. A Lei é essencialmente de direito administrativo federal, com alguns elementos de direito público nacional. Sua cobertura direta só alcança assim as pessoas públicas, e as privadas por ricochete.
A lei como está já permite uma articulação público privada eficiente, se levadas em conta determinadas características. O art. 9, em particular, que trata de parcerias, é uma norma bem intencionada e potencialmente calamitosa. Os riscos que ela traz para a parte privada – e mesmo pelos gestores públicos – é tanto e tamanho que só os que não percebem ou os que não se importam com as consequências engajam numa parceria prevista em tal dispositivo. Uma parceria assim é bungee jumping, mas certamente há quem goste. Aliás toda a armadilha resulta da norma como redigida, mas a proposta do Código – nem antes nem depois da recente mudança do projeto – não se importou de mudar.

NIT Mantiqueira: A partir de seu ponto de vista, o Novo Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação pode vir a acelerar o processo de Inovação no país?

Denis Borges Barbosa: A tramitação dessa lei foi sustada e redirecionada há algumas semanas, e pelas modificações que nele se pretende introduzir, não é mais exatamente um Código. Li as propostas anteriores a modificação, e entendi que havia dois problemas cruciais: (a) falta de organicidade ao reunir uma massa de interesses e normas tópicas em se preocupar com princípios e diretrizes, o que caracterizaria melhor a noção de código; (b) a consolidação normativa tinha um viés excessivamente corporativo, e não colaborativo; seria mais um estatuto dos servidores inovadores e gestores de inovação, e não um instrumento que aperfeiçoasse a relação sociedade/estado para a comunhão inovativa. Mesmo neste plano, não listava as necessidades de direito público necessárias a tal aperfeiçoamento, como as de contabilidade pública e de orçamentação, de criação de carreiras em NITs etc.
Certos setores representativos do setor privado manifestaram grandes críticas a esse viés publicista do projeto anterior do dito código; entendo que a maioria das críticas é procedente. Não se faz inovação sem comunhão, e nisso se exige harmonia de interesses dos players de inovação, ou pelo menos algum contraponto mesmo dissonante. Mas acresço as minhas próprias críticas, de que o projeto não está publicista o suficiente, pois ele seria a oportunidade de fazer as alterações estruturais para que o novo modelo de inovação colaborativa chegasse ao nível dos serviços, das compras, do regime de pessoal, da contabilidade e do orçamento. Mas esses temas são muito pouco charmosos, ainda que hiantemente essenciais.
NIT Mantiqueira: Qual sua visão sobre o papel do INPI frente a velocidade necessária para que as ICTs possam de fato transformar o conhecimento em bens comercializáveis?

Denis Borges Barbosa: Em recente evento no INPI, me coube notar a um dos diretores da casa que o dever que a autarquia tem com a sociedade não é formular política pública de inovação, uma de suas missões no regime legal de 1970 a 1996, e como tal consagrada em acórdão do STF. Hoje existem outros players na formulação dessa política; criou-se o MCT, o Ministério da Saúde tem eminentes interesses no campo da PI e poderes legais para tanto; o MAPA tem seu próprio sistema de propriedade intelectual e interesses dominantes em outras modalidades, como as IGs; sempre, e mais do que nunca, o assunto é de interesse da política externa e de comércio internacional; surgem agora claros as intercessões entre assuntos estratégicos e defesa e inovação. Política industrial não mais papel do INPI, mas de uma articulação que neste momento estaria no GIPI, se lhe fosse garantido mais poder real.
O que disse em tal evento, e repito, é que o poder e dever do INPI perante a sociedade e o estado, é de eficiência das suas prestações; depois de entregar, a tempo e qualidade compatíveis com seus escritórios correlatos no exterior, terá alguma autoridade para desempenhar papel de política. Minha posição presume apreço elevado ao INPI, onde passei nove anos, mas atenção ainda mais elevada à demanda da sociedade brasileira.

Tuesday, November 11, 2014

Patenteabilidade de material isolado da natureza

Corre no Congresso um projeto de lei  cuidando da patenteabilidade de material encontrado na natureza, e dela isolado. Já me manifestei neste Blog sobre o assunto mas vale aqui - dado o altíssimo interesse da matéria - reunir tudo mais que já escrevi sobre o assunto. 



DOS COMENTÁRIOS À LEI 9.279/96

[q] Material biológico isolado da natureza

A exclusão dos elementos isolados da natureza é peculiaridade da norma brasileira [1]. Na verdade, até mesmo segundo o critério da intervenção humana direta, o isolamento consistiria em pressuposto válido para se identificar hipótese de incidência patentária quando da matéria isolada resultado utilidade prática e técnica.
A prática brasileira tem tratado tais hipóteses como exclusão incondicional, ainda que o isolamento importe em uma solução de um problema técnico; vale dizer, como se estivesse listado no art. 18 [2].
Note-se que não existe amparo, em TRIPs, para uma exclusão categórica de isolamento de elementos encontrados na natureza, quando deste isolamento resultar uma utilidade prática e técnica. Nem se pode, na verdade, apontar razões de política pública que justificariam este afastamento do padrão internacional. O estado da evolução da biotecnologia brasileira, exatamente em face da biodiversidade, poderia talvez justificar uma proteção que, segundo a prática corrente, é denegada [3].


[1] Também na lei andina e argentina.
[2] Das diretrizes de Exame: “2.4.2 Extratos compreendem, salvo em casos muito raros, vários compostos entre ativos e não ativos, mesmo assim, uma vez que tão-somente isolados da natureza, são considerados como não invenção pelo Art. 10 (IX). 2.4.3 Compostos químicos obtidos sinteticamente que possuam correspondentes de ocorrência natural, não havendo como distingui-los destes, não são considerados como invenção de acordo com o disposto no Art. 10 (I) – se forem não biológicos – ou (IX) – se forem biológicos.”
[3] PAES DE CARVALHO, Antonio, Utilização sustentável da biodiversidade vegetal brasileira na obtenção de fármacos inovadores para a indústria farmacêutica – o modelo Extracta, sessão temática: biotecnologia, 28/05/2010: “Dificuldade em lidar com questões de propriedade industrial relativas a produtos naturais. O Código de Propriedade Industrial brasileiro de 1996, ao tentar proteger a Biodiversidade Brasileira da invasão e apropriação internacional, acabou proibindo totalmente o patenteamento de produtos inovadores derivados de seres vivos. A ação inovadora dos pesquisadores e empresas brasileiras ficou assim submetida a regras radicalmente diferentes das utilizadas na ambiência pós-TRIPS de Propriedade Intelectual. Esse problema vem sendo trabalhado no Congresso, através de PLC que tramita na Câmara, já aprovado pelas Comissões próprias, aguardando oportunidade de progresso.”, encontrado emhttp://www.redetec.org.br/publique/media/antonio_paes.pdf

DO TRATADO
Vol. II, Cap. Vi, [ 2 ] § 3. 4. - Descobertas e inventos
Isolamento de material encontrado na natureza
A Lei 9.279/96, em seu art.10, XI veda o patenteamento de material biológico e seres vivos encontrados na natureza – ainda que dela isolados. Tratar-se-ía – em tese – de presunção de caso de descoberta [1].

Há que se notar certa tendência de eliminar, se não completamente, boa parte de tal restrição. Ver Doc. OMPI WO/INF/30-II, p. 9:
"Un producto que no haya sido divulgado al publico en forma suficiente antes de la fecha de presentación o de prioridad de la solicitud de patente en que se reivindique, pero que forma parte no separada de algún material preexistente, no se considerará que constituye un descubrimiento o que carece de novedad sólo porque forme parte no separada del material preexistente".
Comenta Correa (1989:42), antecipando a proteção do patrimônio genético introduzido pela CBD de 1992: :
"El reconocimiento de tal solución en los países en desarrollo, puede tener, como se ha señalado, enormes implicaciones sobre las posibilidades de explotar económicamente sus propios recursos".
No Direito Americano, está já razoavelmente assente que a purificação, o isolamento ou a alteração de material biológico existente na natureza [2].

Importante aspecto desse problema foi suscitado na Diretiva CE 44/98, sobre patentes biotecnológicas, como se vê na seção deste Capítulo que trata do tema.

Parece-nos que uma interpretação adequada com os propósitos constitucionais do sistema de patentes tomaria essa vedação como – mais uma vez – o índice de uma presunção de fato. 

Como ocorre em todo art. 10 da Lei 9.279/96, dever-se-ía interpretar a menção ao elemento isolado da natureza como um filtro de pertinência: enquanto tal isolamento não for útil e técnico, vale dizer, enquanto não resolver tecnicamente um problema técnico, não será patenteado. Aqui – no isolamento – recusa-se a exclusiva ao simples conhecimento, mas não à solução técnica. 


[1]  GIPSTEIN , Richard Seth, The Isolation and Purification Exception to the General Patentability of Products of Nature by 4 Colum. Sci. & Tech. L. Rev. 2 (2003) (Published January 15, 2003), encontrado em http://www.stlr.org/html/volume4/gipsteinintro.php, vistidao em 1/9/2009.
[2] Vide Chisum e Jacobs (1992:2-23), e, numa análise do processo judicial envolvendo a Genetech e a Amgen num caso de material biológico purificado, Maher (1992:88). Vide Utility and Examination Guidelines, 66 Fed. Reg. 1092 (Jan. 5, 2001), disponíveis em http://www.uspto.gov/web/offices/com/sol/notices/utilexmguide.pdf.


DO ESTUDO DE FLEXIBILIDADES (com meu projeto de lei) 

O isolamento do material encontrado na natureza
Aqui temos uma questão de muito maior complexidade. Como se viu, a Lei 9.279/96, em seu art.10, XI veda o patenteamento de material biológico e seres vivos encontrados na natureza – ainda que dela isolados.

Há que se notar certa tendência dos interesses dos titulares de direitos em eliminar, se não completamente, boa parte de tal restrição[1].

Comentava Correa [2], antecipando a proteção do patrimônio genético introduzido pela CBD de 1992 que o reconhecimento desta solução em países em desenvolvimento pode ter enormes implicações sobre a possibilidade de explorar economicamente seus próprios recursos.

Mais recentemente, o relatório do Reino Unido sobre desenvolvimento e Propriedade Intelectual nota que patentes também podem ser outorgadas no tocante a materiais biológicos com base em que teriam sido isoladas da natureza, sendo a extensão que tais práticas afetam a concorrência e aumentam os preços aos consumidores, sendo assunto de crescente debate[3].

O tratamento da questão, no entanto, é bem matizado nos sistemas nacionais [4], essencialmente levando em conta os interesses econômicos e tecnológicos em jogo. A escolha entre patentear ou não elementos que – segundo os critérios gerais de patenteabilidade ­ - seriam suscetíveis de proteção não obstante terem origem natural não se centra só numa eventual maximização de proteção em favor dos interessados de sempre.

O estado da evolução da biotecnologia brasileira, exatamente em face da biodiversidade, pode talvez justificar uma proteção que, segundo a prática corrente, é denegada [5]. Embora se proponha a seguir um texto que implemente tal propósito, deve-se enfatizar que não se endossa tal modificação sem que, previamente, estudo específico aponte a conveniência da modificação proposta em face das políticas públicas do setor[6].
Texto a alterar
Na Lei 9.279/96:
Art. 18.  Não são patenteáveis:
I – as criações industriais cuja exploração comercial deva ser excluída para proteção da moral, dos bons costumes, do meio ambiente, e da segurança, ordem ou saúde públicas;
II - as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e
III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.
IV - técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal;
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, microorganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais.

No inciso I, coloca-se a redação em sintonia com o trecho de TRIPs, restringindo-se a impatenteabilidade às hipóteses em que a exploração comercial deva ser excluída, evitando-se assim a consagração, através dos sistemas de patentes, de criações industriais que a política pública entenda dever excluir da exploração. Mesmo sendo uma exclusiva, a patente não inclui o poder de usar o invento nas hipóteses em que haja razões de direito que impeçam a exploração da solução técnica na atividade econômica; mas a consagração pelo Estado, através da concessão da patente, introduz uma contradição no agir estatal, que TRIPs entende evitável [7].

A segunda alteração importa em aumentar os casos de impatenteabilidade, aproveitando-se da flexibilidade de TRIPs que permite denegar patentes às hipóteses em que a exploração da criação industrial importasse em lesão de valores relativos ao meio ambiente. Em contexto histórico onde se prestigiam as políticas de preservação ambiental, é talvez insustentável que se suprima da lei brasileira o caso de impatenteabilidade que consagra tais políticas, abstendo-se de utilizar uma hipótese de flexibilidade consagrada no direito internacional aplicável ao Brasil.

Ainda à Lei 9.279/96:

Art. 10 - Não é invenção nem modelo de utilidade: (...)
VIII – (revogado); e
IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais. (NR)
Parágrafo único – No caso de elemento isolado da natureza através de processo técnico, que lhe confira emprego ainda não conhecido, em solução técnica dotada de atividade inventiva e aplicabilidade industrial, poderá apenas ser reivindicada tal aplicação específica, como suficientemente  descrita no pedido de patente, restando todas demais em livre uso.

Reiterando-se as considerações acima, da necessidade de uma avaliação mais extensa das políticas públicas quanto ao setor biotecnológico nacional, a sugestão constante do parágrafo acrescido ao artigo 10 segue caminho singular. Uma das objeções ao patenteamento de material encontrado na natureza é a criação de um uma exclusividade nova sobre algo já existente, assim impedindo seus usos já conhecidos, com os efeitos anticompetitivos já mencionados.

Há algum tempo tem sido apontada como um problema que, enquanto a patente só tem de divulgar uma utilização específica de um gene para mostrar aplicabilidade industrial, uma vez que esse limiar seja satisfeito, o privilégio assegura o controle sobre todos os usos do gene patenteado; mesmo aqueles empregos que não tivessem sido descritos ou sequer imaginados. Isso levou alguns autores a argumentar que a proteção em tais casos deve ser limitada ao que fosse realmente revelada no pedido. Apesar da óbvia importância de tal questão, a matéria só foi resolvida no âmbito europeu em 6 de julho de 2010, com  a decisão do caso Monsanto Technology LLC v Cefetra BV , tendo o tribunal declarado que a norma regional impede que as legislações nacionais venham a garantir ao titular quaisquer direitos sobre tais tecnologias além dos empregos revelados no pedido [8].

A proposta redacional acima aplica exatamente essa tática de proteção específica, visando estimular a inovação com base em produtos naturais, sem criar uma exclusividade para o emprego do elemento em usos conhecidos ou a se conhecer.


[1] Ver Doc. OMPI WO/INF/30-II, p. 9: "Un producto que no haya sido divulgado al publico en forma suficiente antes de la fecha de presentación o de prioridad de la solicitud de patente en que se reivindique, pero que forma parte no separada de algún material preexistente, no se considerará que constituye un descubrimiento o que carece de novedad sólo porque forme parte no separada del material preexistente".
[2] Correa, Carlos, “Patentes y Biotecnología. Opciones para América Latina” (1991) en IICA, Políticas de Propiedad Industrial de Inventos Biotecnológicos y uso de Germoplasma en América Latina y El Caribe. PNUD/UNESCO/ONUDI, San José, Costa Rica, p. 42.
[3] Integrating Intellectual Property Rights and Development Policy - Report of the Commission on Intellectual Property Rights, encontrado em http://www.iprsonline.org/unctadictsd/docs/RB2.5_Patents_2.5.1_update.pdf
[4] Barbosa e Grau-Kuntz, op. Cit: “As noted elsewhere in this study, an important issue in this context is the status of elements isolated from nature. According to the UNCTAD Resource Book, "An important question is whether microorganisms as found in nature should be patented under this provision. It is generally accepted that ‘to be patentable, a microorganism cannot be as it exists in nature’. However, in some jurisdictions it is sufficient to isolate a microorganism and identify a use therefore to obtain a patent. Thus, in countries that are parties to the European Patent Convention a patent may be granted when a substance found in nature can be characterized by its structure, by its process of isolation or by other criteria, if it is new in the sense that it was not previously available to the public. The European Directive on Biotechnological Inventions clarifies that “biological material which is isolated from its natural environment or processed by means of a technical process may be the subject of an invention even if it already occurred in nature” (Article 3.2). In the United States, an isolated or purified form of a natural product is patentable. The concept of ‘new’ under the novelty requirement does not mean ‘not preexisting’ but ‘novel’ in a prior art sense, so that the unknown but natural existence of a product does not preclude the product from the category of statutory subject matter. Similarly, in Japan the Enforcement Standards for Substance Patents stipulated that patents can be granted on chemical substances artificially isolated from natural materials, when the presence of the substance could not be detected without prior isolation with the aid of physical or chemical methods". UNCTAD-ICTSD. Resource Book, p. 392-393.”
[5] PAES DE CARVALHO, Antonio, Utilização sustentável da biodiversidade vegetal brasileira na obtenção de fármacos inovadores para a indústria farmacêutica – o modelo Extracta, sessão temática: biotecnologia, 28/05/2010: “Dificuldade em lidar com questões de propriedade industrial relativas a produtos naturais. O Código de Propriedade Industrial brasileiro de 1996, ao tentar proteger a Biodiversidade Brasileira da invasão e apropriação internacional, acabou proibindo totalmente o patenteamento de produtos inovadores derivados de seres vivos. A ação inovadora dos pesquisadores e empresas brasileiras ficou assim submetida a regras radicalmente diferentes das utilizadas na ambiência pós-TRIPS de Propriedade Intelectual. Esse problema vem sendo trabalhado no Congresso, através de PLC que tramita na Câmara, já aprovado pelas Comissões próprias, aguardando oportunidade de progresso.”, encontrado em http://www.redetec.org.br/publique/media/antonio_paes.pdf.
[6] O PL 2695/03  daria nova redação ao inciso IX do art. 10 da Lei n° 9.279/96 (LPI: "IX - o todo ou parte de seres vivos naturais, os materiais biológicos encontrados na natureza e os processos biológicos naturais, exceto seqüências totais ou parciais de ácido desoxirribonucléico e materiais biológicos isolados de seu entorno natural ou obtidos por meio de procedimento técnico, cujas aplicações industriais sejam comprovadas clara e suficientemente no pedido de patente."
[7] Com tal alteração volta-se ao teor normativo tradicional em nosso direito. Dizia Gama Cerqueira, referindo à legislação de 1945: “A primeira proibição refere-se a invenções de finalidades exclusivamente contrárias às leis, à moral, à saúde e à segurança pública. [Melhor se diria invenções cujo fim ou cujo objeto seja contrário, evitando-se a expressão invenções de finalidade, cujo sentido é equívoco].  Invenções contrárias à lei são somente as excluídas da proteção legal por disposição expressa da própria lei de patentes ou de outras leis. Consideram-se também contrárias à lei as invenções concernentes a indústrias cuja exploração seja proibida.”
[8] Barbosa e Grau-Kuntz, op. cit: "The Advocate General of the Court of Justice (the renamed European Court of Justice) has published the first-ever opinion on the extent of protection that European patents should give to biotech patents. This controversial opinion proposes that the full Court should give a narrow interpretation to the Biotechnology Directive, which was implemented to harmonize EU laws on the patentability of biotech inventions. Although now implemented in all Member States, there are major differences in how the Directive has been implemented. This is the first time the Court of Justice has been able to consider the scope of the protection of biotech inventions, particularly DNA sequence patents, in the ten years the Directive has been in force. This opinion is therefore significant for a number of reasons: the Advocate General recommended that traditional patent protection should not be applied to DNA sequence patents. The protection given by such DNA patents should instead be 'purpose-bound".  Nabarro, UK: Biotech patents – Cutting the scope of protection, found at http://www.mondaq.com/article.asp?article_id=105008, visited on 08/14/10. In its decisions of the case (Monsanto Technology LLC v Cefetra BV and Others, C-428/08), the court accepted the Advocate General advice, stating that "2. Article 9 of the Directive effects an exhaustive harmonization of the protection it confers, with the result that it precludes the national patent legislation from offering absolute protection to the patented product as such, regardless of whether it performs its function in the material containing it.", see http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:62008J0428:EN:NOT, visited on 08/14/10