Depois de alguns anos em função pública que
incluía assessoria parlamentar, veto e sanção de lei, tomei por regra nunca me
dedicar a projetos de coisa alguma. Agora que saiu a lei da Internet (que
abomino chamar de Marco Civil, notando que o único Marco Jurídico que conheço é
o Ministro Marco Aurélio, mas que é frequentemente incivil) cabem algumas
notas.
O Marco (civil e às vezes incivil) da Internet e da TV Justiça |
Não cabe muito
discutir a aplicabilidade da Lei aos direitos autorais, não que entenda ter ela
criado um escudo impenetrável ao uso enquanto não vem nova lei específica, mas
pela alongada discussão que outros colegas, e mesmo eminentes entre eles, já
dedicaram ao assunto.
Bom, a lei presta
muito atenção aos direitos autorais - como se eles fossem a única forma de
livre expressão no campo dos direitos imateriais. A Lei isenta do novo regime
os "direitos de autor ou a direitos conexos" (para usar a expressão
legal) de seu alcance - até que lei específica surja como aurora boreal. Por
que mesmo? Quem sabe será fruto da doutrina monocromática da Propriedade
Intelectual, religião em que os estudiosos miram o fenômeno das marcas, ou das
patentes, ou dos cultivares - ou o direito do entretenimento - como se fosse
isolado do resto da enciclopédia jurídica.
Aí vem o velho cânone de
interpretação Expressio unius est exclusio alterius. Se se pudesse questionar a aplicação do regime geral de imunidade da
nova Lei (e, complementarmente, a submissão ao regime especial de
responsabilidade criado pela Lei) das violações de marcas, nomes de empresa e títulos de
estabelecimento, nomes domínio, indicações geográficas, trade dress e outros elementos ao abrigo da
repressão à concorrência desleal - para só citar os instrumentos mais
obviamente sob tutela da livre expressão -, agora não é mais possível.
A violação disso tudo ai, no suporte da Internet, passa a estar sob o
alcance do art. 18 e 19, sem se aproveitar do art. 31. Mais, como a discriminação
dessas formas de liberdade de expressão da pertinente aos direitos autorais tem
difícil fundamento constitucional, passa a se temer pela própria imunidade
explícita. Mas a prática monocromática tem seus encantos, como provam
Cartier-Bresson e Doisneau.
Ah, e software? Lógico que tomei aqui a questão da liberdade de
expressão só porque está no art. 3o., I da Lei como o primeiro dos princípios da
Internet. Também porque estou dando um curso no doutorado do INPI sobre
liberdade de expressão através das marcas, DI, etc., e o assunto fica pregnante
na memória.
O software, não sendo exatamente tutelado pela liberdade de expressão
(Lei 9.609/98: Art. 1º Programa de computador é a expressão de
um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada,
contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em
máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou
equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los
funcionar de modo e para fins determinados", a não ser que máquinas
automáticas de tratamento de informação tenha direito humano, ou algo similar
ao que têm os animais de testes de cosméticos), não é objeto de direito autoral
nem de conexo.
Todos que me leem faz tempo sabem dessa
minha cisma antiga: software é protegido por elementos da LDA, mas não é objeto
de LDA (TRIPS ou não TRIPS). Vejam a própria lei 9.609/98: Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de
computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos
autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei. É o regime
X, mas essa lei (que não trata do regime X) se aplica. Então, é um regime
especial, do qual o regime geral é o X. Vide o Terceiro Volume do meu
Tratado, [ 3 ] § 0.3.
Das relações da lei autoral com a lei de software, p. 1879 e seguintes.
Os trechos mais relevantes da Lei da Internet para este Blog
Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Art. 31. Até a entrada em vigor da lei específica prevista no § 2º do art. 19, a responsabilidade do provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, quando se tratar de infração a direitos de autor ou a direitos conexos, continuará a ser disciplinada pela legislação autoral vigente aplicável na data da entrada em vigor desta Lei.