Wednesday, January 15, 2014

Calabresi, Inalienabilidade e melhores condições de negociação para o autor hipossuficiente


Property rights might be able to strengthen profit sharing arrangements between the author and her buyer by guaranteeing that such arrangements will not be circumvented by a sale of the buyer’s rights. In other words, the author of a book would like to guarantee that her rights to receive a share of the profits will not be frustrated when the publisher transfers the rights to a third party and disappears. Similarly, a painter would like to make sure that her right to have a share of every future resale will not extinguish by the first sale. Rub, Guy A., Stronger than Kryptonite? Inalienable Profit Sharing Schemes in Copyright Law (March 5, 2013). Ohio State Public Law Working Paper No. 196. Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=2228771 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2228771

 Calabresi e Melamed propuseram em 1972 uma interessante análise do sistema das propriedades. Uma das vertentes desse estudo, menos difundida e percebida, foi a noção de inalienabilidade como um atributo das propriedades, cujo efeito seria melhor evidenciado em estudo posetrior de Lee Anne Fennel.

Estes estudos estavam ainda longe da minha atenção, no entanto e só vieram recentemente a tona com as pesquisas de meu orientando do PPED, Diego Musskopf. Assim, não podem ser pretexto (ainda que serão justificação) da minha proposta, quando sugeri ao MInc a introdução de um artigo no projeto de reforma da LDA:
“Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, por prazo determinado ou em definitivo, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, pelos meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes regras e especificações:
I – a cessão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei;” (NR)
Paragrafo único – O autor ou seus sucessores causa mortis poderão reaver os direitos patrimoniais transferidos por cessão, ou cujo exercício tenha sido licenciado, após oito anos da cessão ou licença, mediante o pagamento ou consignação de valor equivalente ao recebido até então.

Por que isso? 

A partir de uma monografia de Pilar Robles, para a especialização em PI da Puc-Rio, sobre o instituto jurídico da "recapture" de direitos autorais nos EUA, e levando em conta a dissertação de Ana Beatriz Nunes Barbosa na NYU, "Consequentialism and the Efficient Breach Theory", propôs-se a regra que - depois de oito anos - o autor ou seus sucessores causa mortis podem reaver os interesses patrimoniais cedidos ou licenciados, mediante o pagamento ou consignação do valor equivalente ao recebido até então.A proposta não mira somente a um ato de justiça, mas essencialmente a um indutor de majoração do que realmente se paga por uma criação com sucesso comercial interveniente, assim como uma forma de resolver a falta de diligência (real ou como apreendida pelo autor) do intermediário - editor, etc.

A opção de explicitar que para o futuro o prazo máximo seria de oito anos foi a primeira a considerar.

Mas a tática escolhida foi presumir que a teoria do ato jurídico perfeito se encarregaria de atual, sem precisar explicitar. De outro lado, abre pelo silencio a hipótese de uma construção judicial em favor do hipossuficiente.

Como indiquei no facebook do IBPI, a perspectiva foi do L&E, criar um indutor para o cessionário de uma obra - cujo potencial econômico, uma vez realizado no mercado, exceda o valor contratado inicialmente - a repartir a mais valia com o autor, numa perspectiva de “contrato incompleto”. Se ele pactuou uma cessão por X e no espaço normal de sucesso ou falha (que empiricamente parece tender a um ciclo de oito anos) rendeu para o cessionário ou licenciado X+ Δx, a mais valia somada à perspectiva de rendas crescentes ou que se mantêm no tempo pode configurar um ativo que motive o autor à recompra; mas vai - antes disso - motivar o editor a repactuar para evitar a perda de margem, ou vai motivar contratos em que participação na mais valia seja (desde o início) mais elástica em favor do autor. De outro lado, cria para o autor a hipótese de reparar a falta de interesse ou empenho do intermediário na promoção da obra (reclamação de mamãe em face dos Irmãos Vitale, que pelas demandas que recebo diretamente depois da morte dela parecem eminentemente justificadas).

Manoel J. Pereira dos Santos aponta para uma questão importante, que é o efeito da regra em face de terceiros. A redação adotou a expressão “reaver” em vez de utilizar a noção genérica de retrovenda exatamente para transcender o contexto obrigacional inter partes. O efeito pretendido é que o autor, não obstante a circulação do ativo, tem uma oportunidade de recuperar uma parcela da tal mais valia. Notem: não há uma expiração ex lege dos termos do contrato, mas apenas uma oportunidade para o autor ter um direito de “sequência”, se reunir fundos para a recompra ou se a disparidade for tamanha que incentivar um Troll a fazer funding.

No exemplo do Manoel, “cessionário pagou R$ 500 Mil ao autor e cedeu a terceiros por R$ 1 Milhão e este terceiro cedeu novamente a outrem por R$ 2 Milhões.” É isso aí mesmo. O potencial do valor patrimonial não se descolará jamais do criador, e a circulação da obra não será jamais abstrata e cartular, sem criar - porém - o custo de transação da solução alemã ou francesa. Ou da lei dos engolidores de fogo, pela qual não se podem jamais ceder os conexos. Só quando houver disparidade sensível entre a remuneração obtida pelo criador e os proveitos da circulação ou exploração da obra vai haver motivo para a recaptura. A proposta é de um instrumento de reequilíbrio dinâmico, com um mínimo de incerteza na circulação (a segurança é obtida sempre com a repactuação), redução dos impactos da assimetria de informação e de poder de barganha.

É proteção do hipossuficiente usando uma solução de mercado, não muito diferente do tag along no societário.

E the beauty of it é que o cessionário ou licenciando nunca estará sendo confiscado pela lei: para reaver é preciso fazer restituição in integrum.

Ah, tem incertezas e milhões de buracos para um advogado habil detonar o esquema (já bolei quatro meios para furar minha proposta, mas não conto nem vou usar). Mas a proposta tem um valor retórico e um instrumental. Como as licenças compulsórias quase nunca são usadas mas induzem a comportamentos não-oportunistas, ou menos oportunistas, o sucesso da inclusão desse dispositivo na lei levará, acho eu, a melhores condições de negociação em geral.

Thursday, January 02, 2014

Fé de erratas

No livro NICOLSKY, Roberto . Livro Branco da Inovação Tecnológica – PROTEC. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica – PROTEC 2013. Pg. 60-61, apareceu uma citação minha, parte de uma entrevista pelo telefone. Como a companhia telefônica é hoje o que o Bey de Tunis era no tempo de Eça de Queiroz, cabe a ela a responsabilidade dessa errata. Então leia-se: 

Em 1990, a Finep encomendou um estudo sobre a importância das compras públicas governamentais no desenvolvimento da tecnologia e como motor específico para inovação. E o que esse estudo aponta é que as compras públicas representam um dos meios de interação do Estado mais importantes para a promoção de um processo inovador, em particular nas áreas ligadas ao desenvolvimento de novas técnicas, como acontece no setor espacial e no setor militar.

(. . .) Algumas empresas vinham sendo contratadas para atender a encomendas públicas do Estado para o desenvolvimento tecnológico de medicamentos e fármacos. Por razões da própria imprevisibilidade do processo, parte delas não conseguia entregar o produto e se encontraram em colisão com instruções do Tribunal de Contas, não obstante o fato de que a encomenda fora de desenvolvimento e não de entrega de produto. Ficava claro que a proposta de usar o instrumento de poder de compra do Estado para o desenvolvimento tecnológico precisava de uma mutação legislativa ou, pelo menos, de uma mutação nos parâmetros de análise e de auditoria contábil que prevaleciam no sistema administrativo, não só da União, como nas outras estatais brasileiras.

Essa possível mudança foi proposta pelo artigo 20 da Lei de Inovação, que permite ao Estado, quando se determina a existência de um risco técnico, fazer a compra de um serviço de desenvolvimento, aliado ou não à compra de produtos, de tal forma que o licitante se propusesse a fazer algum tipo de desenvolvimento tecnológico. No entanto, no texto que saiu do Congresso, estava dito que o pagamento ao licitante seria proporcional ao resultado. Ora, se o resultado, que pode ser nenhum, condiciona o pagamento, isso fazia com que o artigo 20 não pudesse ser base para uma proposta de sistema de incentivo à inovação.

A mudança desse sistema através de regulamento se tentou fazer desde a promulgação da Lei de Inovação. Mas só se conseguiu uma formulação em norma, em agosto de 2011 (referência ao Decreto Nº 7.539, de 2 de agosto de 2011), quando foi explicitado que, não obstante o texto da norma legal, haveria a possibilidade de remuneração mesmo que o resultado não fosse a entrega de um produto ou a consolidação de uma tecnologia.