Wednesday, November 12, 2014

Dez anos da lei de inovação: entrevista ao NIT Mantiqueira (junho 2014)

Entrevista

NIT Mantiqueira: Como o senhor vê a posição do Brasil no ranking mundial de Inovação? O atual processo de inovação do país estaria em consonância com os dos demais países em desenvolvimento?

Denis Borges Barbosa: Após quase dez anos de Lei de Inovação, começam a aparecer índices do seu impacto: índices nominais, ainda. Número de patentes solicitadas é um índice nominal, e esse está claramente crescendo. A substância da inovação subjacente não se revela em depósitos de patente, como o número de peladas em várzea não indica quem vai ganhar a próxima Copa. Quanto ao ranking mundial, entendo que ele tende a comparar bananas e laranjas: inovação é essencialmente um processo cultural de efeitos econômicos, e inovação na China não é exatamente comparável com inovação em outros contextos. Voltando à questão dos depósitos de patentes: certos economistas chineses apontam que a enorme quantidade de depósitos locais representam contrapartida para incentivos fiscais e creditícios a depósito, sem que se estimule exatamente a contribuição inovadora substantiva. Creio que quantificação de um processo medularmente qualitativo tem como principal efeito o do efeito político de aparentar controle preênsil sobre o movimento das nuvens e assim apoderar os pajés.

NIT Mantiqueira: Qual sua participação na elaboração da atual Lei de Inovação?

Denis Borges Barbosa: A lei de Inovação atual é fruto de uma elaboração orgânica dos pesquisadores e gestores de conhecimento em nossas instituições públicas, e disso resulta sua legitimidade e seus problemas. Como consultores do MCTI, na época da regulamentação da Lei, tivemos ocasião de elaborar a proposta da norma que veio a se transformar na Lei do Bem (com grandes alterações introduzidas pela Receita), e participar de uma série de discussões que resultaram nos regulamentos da norma legal. Essa participação não se interrompeu desde então, formal e informalmente, mas apenas como consultores. 

NIT Mantiqueira: O senhor entende que há entraves burocráticos e jurídicos na aplicação da Lei de Inovação? Quais seriam os mais relevantes?
Denis Borges Barbosa: A lei de inovação presume a modificação dos papéis do estado brasileiro e da sociedade, aqui incluído o mercado. Uma instância colaborativa e igual, sem determinismos e sem clientelismos. O nosso estado (a análise de Raymondo Faoro não perdeu sua validade) é estamental, e colaboração com a sociedade é coisa ainda estranha; como notou um eminente colega, a lei de licitações foi concebida para estabelecer o comportamento do amanuense Belmiro que opera em Imperatriz, no Piauí. E os entraves derivam não de problemas legais ou burocráticos, mas dessa questão basicamente antropológica, ou política. Recentemente, num curso para integrantes dos NITs, um eminente colega da AGU notou que não existe no sistema de contabilidade da União previsão de receita de royalties pelas ICTs, e muito menos distribuição dessa participação pelos criadores. A proposta que ele fez foi de repassar esse encargo para uma entidade externa aos sistema das ICTs, que aliás mal se aguenta das pernas em suas demandas de serviço atual. Ou seja, alterar o Código de Contabilidade da União de 1923, que está tão vivo quanto D. Sebastião, e a Lei 4320, desanima todo mundo: faz parte da missão dos advogados do estado defenderem status quo e a clareza das relações administrativas. Isso não é burocracia, que se caracteriza como uma patologia do poder pelos petty officials: é falta de vontade transformadora. Essa vontade é política, e não administrativa, ou da AGU. Isso depende, em algum grau, da credibilidade do ator político e da apreensão pública da legitimidade de seus motivos.
NIT Mantiqueira: Em sua visão, como uma ICT pública pode aplicar a Lei de Inovação em benefício das empresas sediadas no país?

Denis Borges Barbosa: Pela Lei de Inovação, ICT é sempre pública. As instituições privadas não estão sob o guarda chuva da lei; estarão elas talvez sob a noção de "Organizações de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa e desenvolvimento", mas como elementos da articulação público-privado e não como beneficiárias diretas da Lei. A Lei é essencialmente de direito administrativo federal, com alguns elementos de direito público nacional. Sua cobertura direta só alcança assim as pessoas públicas, e as privadas por ricochete.
A lei como está já permite uma articulação público privada eficiente, se levadas em conta determinadas características. O art. 9, em particular, que trata de parcerias, é uma norma bem intencionada e potencialmente calamitosa. Os riscos que ela traz para a parte privada – e mesmo pelos gestores públicos – é tanto e tamanho que só os que não percebem ou os que não se importam com as consequências engajam numa parceria prevista em tal dispositivo. Uma parceria assim é bungee jumping, mas certamente há quem goste. Aliás toda a armadilha resulta da norma como redigida, mas a proposta do Código – nem antes nem depois da recente mudança do projeto – não se importou de mudar.

NIT Mantiqueira: A partir de seu ponto de vista, o Novo Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação pode vir a acelerar o processo de Inovação no país?

Denis Borges Barbosa: A tramitação dessa lei foi sustada e redirecionada há algumas semanas, e pelas modificações que nele se pretende introduzir, não é mais exatamente um Código. Li as propostas anteriores a modificação, e entendi que havia dois problemas cruciais: (a) falta de organicidade ao reunir uma massa de interesses e normas tópicas em se preocupar com princípios e diretrizes, o que caracterizaria melhor a noção de código; (b) a consolidação normativa tinha um viés excessivamente corporativo, e não colaborativo; seria mais um estatuto dos servidores inovadores e gestores de inovação, e não um instrumento que aperfeiçoasse a relação sociedade/estado para a comunhão inovativa. Mesmo neste plano, não listava as necessidades de direito público necessárias a tal aperfeiçoamento, como as de contabilidade pública e de orçamentação, de criação de carreiras em NITs etc.
Certos setores representativos do setor privado manifestaram grandes críticas a esse viés publicista do projeto anterior do dito código; entendo que a maioria das críticas é procedente. Não se faz inovação sem comunhão, e nisso se exige harmonia de interesses dos players de inovação, ou pelo menos algum contraponto mesmo dissonante. Mas acresço as minhas próprias críticas, de que o projeto não está publicista o suficiente, pois ele seria a oportunidade de fazer as alterações estruturais para que o novo modelo de inovação colaborativa chegasse ao nível dos serviços, das compras, do regime de pessoal, da contabilidade e do orçamento. Mas esses temas são muito pouco charmosos, ainda que hiantemente essenciais.
NIT Mantiqueira: Qual sua visão sobre o papel do INPI frente a velocidade necessária para que as ICTs possam de fato transformar o conhecimento em bens comercializáveis?

Denis Borges Barbosa: Em recente evento no INPI, me coube notar a um dos diretores da casa que o dever que a autarquia tem com a sociedade não é formular política pública de inovação, uma de suas missões no regime legal de 1970 a 1996, e como tal consagrada em acórdão do STF. Hoje existem outros players na formulação dessa política; criou-se o MCT, o Ministério da Saúde tem eminentes interesses no campo da PI e poderes legais para tanto; o MAPA tem seu próprio sistema de propriedade intelectual e interesses dominantes em outras modalidades, como as IGs; sempre, e mais do que nunca, o assunto é de interesse da política externa e de comércio internacional; surgem agora claros as intercessões entre assuntos estratégicos e defesa e inovação. Política industrial não mais papel do INPI, mas de uma articulação que neste momento estaria no GIPI, se lhe fosse garantido mais poder real.
O que disse em tal evento, e repito, é que o poder e dever do INPI perante a sociedade e o estado, é de eficiência das suas prestações; depois de entregar, a tempo e qualidade compatíveis com seus escritórios correlatos no exterior, terá alguma autoridade para desempenhar papel de política. Minha posição presume apreço elevado ao INPI, onde passei nove anos, mas atenção ainda mais elevada à demanda da sociedade brasileira.

Tuesday, November 11, 2014

Patenteabilidade de material isolado da natureza

Corre no Congresso um projeto de lei  cuidando da patenteabilidade de material encontrado na natureza, e dela isolado. Já me manifestei neste Blog sobre o assunto mas vale aqui - dado o altíssimo interesse da matéria - reunir tudo mais que já escrevi sobre o assunto. 



DOS COMENTÁRIOS À LEI 9.279/96

[q] Material biológico isolado da natureza

A exclusão dos elementos isolados da natureza é peculiaridade da norma brasileira [1]. Na verdade, até mesmo segundo o critério da intervenção humana direta, o isolamento consistiria em pressuposto válido para se identificar hipótese de incidência patentária quando da matéria isolada resultado utilidade prática e técnica.
A prática brasileira tem tratado tais hipóteses como exclusão incondicional, ainda que o isolamento importe em uma solução de um problema técnico; vale dizer, como se estivesse listado no art. 18 [2].
Note-se que não existe amparo, em TRIPs, para uma exclusão categórica de isolamento de elementos encontrados na natureza, quando deste isolamento resultar uma utilidade prática e técnica. Nem se pode, na verdade, apontar razões de política pública que justificariam este afastamento do padrão internacional. O estado da evolução da biotecnologia brasileira, exatamente em face da biodiversidade, poderia talvez justificar uma proteção que, segundo a prática corrente, é denegada [3].


[1] Também na lei andina e argentina.
[2] Das diretrizes de Exame: “2.4.2 Extratos compreendem, salvo em casos muito raros, vários compostos entre ativos e não ativos, mesmo assim, uma vez que tão-somente isolados da natureza, são considerados como não invenção pelo Art. 10 (IX). 2.4.3 Compostos químicos obtidos sinteticamente que possuam correspondentes de ocorrência natural, não havendo como distingui-los destes, não são considerados como invenção de acordo com o disposto no Art. 10 (I) – se forem não biológicos – ou (IX) – se forem biológicos.”
[3] PAES DE CARVALHO, Antonio, Utilização sustentável da biodiversidade vegetal brasileira na obtenção de fármacos inovadores para a indústria farmacêutica – o modelo Extracta, sessão temática: biotecnologia, 28/05/2010: “Dificuldade em lidar com questões de propriedade industrial relativas a produtos naturais. O Código de Propriedade Industrial brasileiro de 1996, ao tentar proteger a Biodiversidade Brasileira da invasão e apropriação internacional, acabou proibindo totalmente o patenteamento de produtos inovadores derivados de seres vivos. A ação inovadora dos pesquisadores e empresas brasileiras ficou assim submetida a regras radicalmente diferentes das utilizadas na ambiência pós-TRIPS de Propriedade Intelectual. Esse problema vem sendo trabalhado no Congresso, através de PLC que tramita na Câmara, já aprovado pelas Comissões próprias, aguardando oportunidade de progresso.”, encontrado emhttp://www.redetec.org.br/publique/media/antonio_paes.pdf

DO TRATADO
Vol. II, Cap. Vi, [ 2 ] § 3. 4. - Descobertas e inventos
Isolamento de material encontrado na natureza
A Lei 9.279/96, em seu art.10, XI veda o patenteamento de material biológico e seres vivos encontrados na natureza – ainda que dela isolados. Tratar-se-ía – em tese – de presunção de caso de descoberta [1].

Há que se notar certa tendência de eliminar, se não completamente, boa parte de tal restrição. Ver Doc. OMPI WO/INF/30-II, p. 9:
"Un producto que no haya sido divulgado al publico en forma suficiente antes de la fecha de presentación o de prioridad de la solicitud de patente en que se reivindique, pero que forma parte no separada de algún material preexistente, no se considerará que constituye un descubrimiento o que carece de novedad sólo porque forme parte no separada del material preexistente".
Comenta Correa (1989:42), antecipando a proteção do patrimônio genético introduzido pela CBD de 1992: :
"El reconocimiento de tal solución en los países en desarrollo, puede tener, como se ha señalado, enormes implicaciones sobre las posibilidades de explotar económicamente sus propios recursos".
No Direito Americano, está já razoavelmente assente que a purificação, o isolamento ou a alteração de material biológico existente na natureza [2].

Importante aspecto desse problema foi suscitado na Diretiva CE 44/98, sobre patentes biotecnológicas, como se vê na seção deste Capítulo que trata do tema.

Parece-nos que uma interpretação adequada com os propósitos constitucionais do sistema de patentes tomaria essa vedação como – mais uma vez – o índice de uma presunção de fato. 

Como ocorre em todo art. 10 da Lei 9.279/96, dever-se-ía interpretar a menção ao elemento isolado da natureza como um filtro de pertinência: enquanto tal isolamento não for útil e técnico, vale dizer, enquanto não resolver tecnicamente um problema técnico, não será patenteado. Aqui – no isolamento – recusa-se a exclusiva ao simples conhecimento, mas não à solução técnica. 


[1]  GIPSTEIN , Richard Seth, The Isolation and Purification Exception to the General Patentability of Products of Nature by 4 Colum. Sci. & Tech. L. Rev. 2 (2003) (Published January 15, 2003), encontrado em http://www.stlr.org/html/volume4/gipsteinintro.php, vistidao em 1/9/2009.
[2] Vide Chisum e Jacobs (1992:2-23), e, numa análise do processo judicial envolvendo a Genetech e a Amgen num caso de material biológico purificado, Maher (1992:88). Vide Utility and Examination Guidelines, 66 Fed. Reg. 1092 (Jan. 5, 2001), disponíveis em http://www.uspto.gov/web/offices/com/sol/notices/utilexmguide.pdf.


DO ESTUDO DE FLEXIBILIDADES (com meu projeto de lei) 

O isolamento do material encontrado na natureza
Aqui temos uma questão de muito maior complexidade. Como se viu, a Lei 9.279/96, em seu art.10, XI veda o patenteamento de material biológico e seres vivos encontrados na natureza – ainda que dela isolados.

Há que se notar certa tendência dos interesses dos titulares de direitos em eliminar, se não completamente, boa parte de tal restrição[1].

Comentava Correa [2], antecipando a proteção do patrimônio genético introduzido pela CBD de 1992 que o reconhecimento desta solução em países em desenvolvimento pode ter enormes implicações sobre a possibilidade de explorar economicamente seus próprios recursos.

Mais recentemente, o relatório do Reino Unido sobre desenvolvimento e Propriedade Intelectual nota que patentes também podem ser outorgadas no tocante a materiais biológicos com base em que teriam sido isoladas da natureza, sendo a extensão que tais práticas afetam a concorrência e aumentam os preços aos consumidores, sendo assunto de crescente debate[3].

O tratamento da questão, no entanto, é bem matizado nos sistemas nacionais [4], essencialmente levando em conta os interesses econômicos e tecnológicos em jogo. A escolha entre patentear ou não elementos que – segundo os critérios gerais de patenteabilidade ­ - seriam suscetíveis de proteção não obstante terem origem natural não se centra só numa eventual maximização de proteção em favor dos interessados de sempre.

O estado da evolução da biotecnologia brasileira, exatamente em face da biodiversidade, pode talvez justificar uma proteção que, segundo a prática corrente, é denegada [5]. Embora se proponha a seguir um texto que implemente tal propósito, deve-se enfatizar que não se endossa tal modificação sem que, previamente, estudo específico aponte a conveniência da modificação proposta em face das políticas públicas do setor[6].
Texto a alterar
Na Lei 9.279/96:
Art. 18.  Não são patenteáveis:
I – as criações industriais cuja exploração comercial deva ser excluída para proteção da moral, dos bons costumes, do meio ambiente, e da segurança, ordem ou saúde públicas;
II - as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e
III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.
IV - técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal;
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, microorganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais.

No inciso I, coloca-se a redação em sintonia com o trecho de TRIPs, restringindo-se a impatenteabilidade às hipóteses em que a exploração comercial deva ser excluída, evitando-se assim a consagração, através dos sistemas de patentes, de criações industriais que a política pública entenda dever excluir da exploração. Mesmo sendo uma exclusiva, a patente não inclui o poder de usar o invento nas hipóteses em que haja razões de direito que impeçam a exploração da solução técnica na atividade econômica; mas a consagração pelo Estado, através da concessão da patente, introduz uma contradição no agir estatal, que TRIPs entende evitável [7].

A segunda alteração importa em aumentar os casos de impatenteabilidade, aproveitando-se da flexibilidade de TRIPs que permite denegar patentes às hipóteses em que a exploração da criação industrial importasse em lesão de valores relativos ao meio ambiente. Em contexto histórico onde se prestigiam as políticas de preservação ambiental, é talvez insustentável que se suprima da lei brasileira o caso de impatenteabilidade que consagra tais políticas, abstendo-se de utilizar uma hipótese de flexibilidade consagrada no direito internacional aplicável ao Brasil.

Ainda à Lei 9.279/96:

Art. 10 - Não é invenção nem modelo de utilidade: (...)
VIII – (revogado); e
IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais. (NR)
Parágrafo único – No caso de elemento isolado da natureza através de processo técnico, que lhe confira emprego ainda não conhecido, em solução técnica dotada de atividade inventiva e aplicabilidade industrial, poderá apenas ser reivindicada tal aplicação específica, como suficientemente  descrita no pedido de patente, restando todas demais em livre uso.

Reiterando-se as considerações acima, da necessidade de uma avaliação mais extensa das políticas públicas quanto ao setor biotecnológico nacional, a sugestão constante do parágrafo acrescido ao artigo 10 segue caminho singular. Uma das objeções ao patenteamento de material encontrado na natureza é a criação de um uma exclusividade nova sobre algo já existente, assim impedindo seus usos já conhecidos, com os efeitos anticompetitivos já mencionados.

Há algum tempo tem sido apontada como um problema que, enquanto a patente só tem de divulgar uma utilização específica de um gene para mostrar aplicabilidade industrial, uma vez que esse limiar seja satisfeito, o privilégio assegura o controle sobre todos os usos do gene patenteado; mesmo aqueles empregos que não tivessem sido descritos ou sequer imaginados. Isso levou alguns autores a argumentar que a proteção em tais casos deve ser limitada ao que fosse realmente revelada no pedido. Apesar da óbvia importância de tal questão, a matéria só foi resolvida no âmbito europeu em 6 de julho de 2010, com  a decisão do caso Monsanto Technology LLC v Cefetra BV , tendo o tribunal declarado que a norma regional impede que as legislações nacionais venham a garantir ao titular quaisquer direitos sobre tais tecnologias além dos empregos revelados no pedido [8].

A proposta redacional acima aplica exatamente essa tática de proteção específica, visando estimular a inovação com base em produtos naturais, sem criar uma exclusividade para o emprego do elemento em usos conhecidos ou a se conhecer.


[1] Ver Doc. OMPI WO/INF/30-II, p. 9: "Un producto que no haya sido divulgado al publico en forma suficiente antes de la fecha de presentación o de prioridad de la solicitud de patente en que se reivindique, pero que forma parte no separada de algún material preexistente, no se considerará que constituye un descubrimiento o que carece de novedad sólo porque forme parte no separada del material preexistente".
[2] Correa, Carlos, “Patentes y Biotecnología. Opciones para América Latina” (1991) en IICA, Políticas de Propiedad Industrial de Inventos Biotecnológicos y uso de Germoplasma en América Latina y El Caribe. PNUD/UNESCO/ONUDI, San José, Costa Rica, p. 42.
[3] Integrating Intellectual Property Rights and Development Policy - Report of the Commission on Intellectual Property Rights, encontrado em http://www.iprsonline.org/unctadictsd/docs/RB2.5_Patents_2.5.1_update.pdf
[4] Barbosa e Grau-Kuntz, op. Cit: “As noted elsewhere in this study, an important issue in this context is the status of elements isolated from nature. According to the UNCTAD Resource Book, "An important question is whether microorganisms as found in nature should be patented under this provision. It is generally accepted that ‘to be patentable, a microorganism cannot be as it exists in nature’. However, in some jurisdictions it is sufficient to isolate a microorganism and identify a use therefore to obtain a patent. Thus, in countries that are parties to the European Patent Convention a patent may be granted when a substance found in nature can be characterized by its structure, by its process of isolation or by other criteria, if it is new in the sense that it was not previously available to the public. The European Directive on Biotechnological Inventions clarifies that “biological material which is isolated from its natural environment or processed by means of a technical process may be the subject of an invention even if it already occurred in nature” (Article 3.2). In the United States, an isolated or purified form of a natural product is patentable. The concept of ‘new’ under the novelty requirement does not mean ‘not preexisting’ but ‘novel’ in a prior art sense, so that the unknown but natural existence of a product does not preclude the product from the category of statutory subject matter. Similarly, in Japan the Enforcement Standards for Substance Patents stipulated that patents can be granted on chemical substances artificially isolated from natural materials, when the presence of the substance could not be detected without prior isolation with the aid of physical or chemical methods". UNCTAD-ICTSD. Resource Book, p. 392-393.”
[5] PAES DE CARVALHO, Antonio, Utilização sustentável da biodiversidade vegetal brasileira na obtenção de fármacos inovadores para a indústria farmacêutica – o modelo Extracta, sessão temática: biotecnologia, 28/05/2010: “Dificuldade em lidar com questões de propriedade industrial relativas a produtos naturais. O Código de Propriedade Industrial brasileiro de 1996, ao tentar proteger a Biodiversidade Brasileira da invasão e apropriação internacional, acabou proibindo totalmente o patenteamento de produtos inovadores derivados de seres vivos. A ação inovadora dos pesquisadores e empresas brasileiras ficou assim submetida a regras radicalmente diferentes das utilizadas na ambiência pós-TRIPS de Propriedade Intelectual. Esse problema vem sendo trabalhado no Congresso, através de PLC que tramita na Câmara, já aprovado pelas Comissões próprias, aguardando oportunidade de progresso.”, encontrado em http://www.redetec.org.br/publique/media/antonio_paes.pdf.
[6] O PL 2695/03  daria nova redação ao inciso IX do art. 10 da Lei n° 9.279/96 (LPI: "IX - o todo ou parte de seres vivos naturais, os materiais biológicos encontrados na natureza e os processos biológicos naturais, exceto seqüências totais ou parciais de ácido desoxirribonucléico e materiais biológicos isolados de seu entorno natural ou obtidos por meio de procedimento técnico, cujas aplicações industriais sejam comprovadas clara e suficientemente no pedido de patente."
[7] Com tal alteração volta-se ao teor normativo tradicional em nosso direito. Dizia Gama Cerqueira, referindo à legislação de 1945: “A primeira proibição refere-se a invenções de finalidades exclusivamente contrárias às leis, à moral, à saúde e à segurança pública. [Melhor se diria invenções cujo fim ou cujo objeto seja contrário, evitando-se a expressão invenções de finalidade, cujo sentido é equívoco].  Invenções contrárias à lei são somente as excluídas da proteção legal por disposição expressa da própria lei de patentes ou de outras leis. Consideram-se também contrárias à lei as invenções concernentes a indústrias cuja exploração seja proibida.”
[8] Barbosa e Grau-Kuntz, op. cit: "The Advocate General of the Court of Justice (the renamed European Court of Justice) has published the first-ever opinion on the extent of protection that European patents should give to biotech patents. This controversial opinion proposes that the full Court should give a narrow interpretation to the Biotechnology Directive, which was implemented to harmonize EU laws on the patentability of biotech inventions. Although now implemented in all Member States, there are major differences in how the Directive has been implemented. This is the first time the Court of Justice has been able to consider the scope of the protection of biotech inventions, particularly DNA sequence patents, in the ten years the Directive has been in force. This opinion is therefore significant for a number of reasons: the Advocate General recommended that traditional patent protection should not be applied to DNA sequence patents. The protection given by such DNA patents should instead be 'purpose-bound".  Nabarro, UK: Biotech patents – Cutting the scope of protection, found at http://www.mondaq.com/article.asp?article_id=105008, visited on 08/14/10. In its decisions of the case (Monsanto Technology LLC v Cefetra BV and Others, C-428/08), the court accepted the Advocate General advice, stating that "2. Article 9 of the Directive effects an exhaustive harmonization of the protection it confers, with the result that it precludes the national patent legislation from offering absolute protection to the patented product as such, regardless of whether it performs its function in the material containing it.", see http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:62008J0428:EN:NOT, visited on 08/14/10

Monday, June 09, 2014

Gama Cerqueira, Nancy Andrighi e Enio Zuliani. Perícia em marcas como condição de ação de infração?

Num recente, e precioso, julgado do TJSP, no voto de Ênio Zuliani, se discutiu, e afastou, o entendimento da 3a. turma do STJ, segundo o qual seria necessária perícia para coonestar infração por confusão entre signos distintivos. Com toda cortesia, mas energicamente, o TJSP afiliou-se ao que dizia Gama Cerqueira:
 Porém, não há como o jurista exigir que um publicitário ou um técnico em marketing forneça dados para subsidiar o que é possível aferir pelo conhecimento comum ou instinto natural. A perícia é uma perda de tempo que prejudica o processo e encarece os custos da demanda.(....)
Com o máximo respeito que a Ministra Andrighi e o Desembargador Zuliani me merecem ( e isso não é formal: respeito a doutrina de ambos) tenho de discordar. Dos dois.

Reprodução exata numa mesmíssima atividade é coisa simples, e não requer perícia. Num caso - como os dois em confronto - de garrafas, o magistrado de olhos vendados pode verificar a infração. Ponto para Gama Cerqueira.

Mas - e se as atividades, daí, o público e os hábitos do público e sua especialização, os hábitos do mercado, etc., forem não as mesmíssimas? Surge uma relativização: o magistrado tem dados para distinguir esses detalhes? Num fofo acórdão do TRF2/1a. Turma, uma desembargadora federal lembrou os patronos de que ela, relatora, fazia cabelo todo sábado e conhecia, sim, melhor de qualquer perito a questão.

Quando se sai da reprodução para confusão - aí, os relativos florescem. Confusão ... para quem? Tenho certeza que nosso querido Desembargador Zuliani faz parte do público de geleias (e como comprova acórdão anterior sobre tortas, também destas). Muitos produtos de consumo geral terão o mesmo efeito.

Mas espero que quando surja alguma ação de infração do trade dress de uma flauta doce Morgan DeBey o honrado magistrado nomeie o amigo Ricardo Kanji como perito, e eu me ofecerei como assistente técnico. Nós dois somos mais ou menos o público inteiro desse produto no Brasil, e se o magistrado realmente conseguir distinguir a DeBey de uma Rottemburgh, requererei suspensão do processo até tocar um trio.

Minha primeira Rottemburgh, safra 1965 
Minha Morgan Debey 

Assim, entre Gama, Andrighi, e Zuliani, fico no relativo e no regime de provas do nosso CPC; nem se prescreva que  prévia perícia é condição de procedibilidade, nem se dispense prova técnica quando o elemento a ser  apurado o exija.

Veja o extrato do importantee acórdão.


"CONCORRÊNCIA DESLEAL Utilização do trade dress de embalagens de vidro que são usadas para acondicionar as geleias Queensberry. Marca tridimensional devidamente registrada e em plena vigência. Requerida que passou a usar potes absolutamente semelhantes aos da autora. Produtos que são vendidos lado a lado nos supermercados. Demonstração da possibilidade de confusão e concorrência desleal. Pote de geleia utilizado pela autora há quase trinta anos, caracterizando o conjunto de imagens distintivo Violação de direitos da propriedade industrial e usurpação que tem finalidade de aproveitamento Sentença de procedência. Apelo para reforma. Não provimento.(...)
Os integrantes da Turma Julgadora não ignoram os termos de recente Acórdão assinado pela eminente Ministra NANCY ANDRIGHI (Resp. 1418171 CE, DJ de 10.4.2014) determinando realização de perícia para apurar “suposta utilização indevida da marca Ypióca pela recorrente, ao envasar sua cachaça nas garrafas litografadas” e não seguem a diretriz porque estão convictos da desigualdade dos fatos.
(...) l. Evidente que nunca se obterá a unanimidade sobre a interpretação que se realiza comparando os potes e rótulos das geleias, o que não significa existir dúvida. Há, sim, maneira diversa de sentir a igualdade ou a diferença e até de avaliar o perigo da confusão e isso é normal ou de acordo com os sentidos e ângulos da cena analisada. Porém, não há como o jurista exigir que um publicitário ou um técnico em marketing forneça dados para subsidiar o que é possível aferir pelo conhecimento comum ou instinto natural. A perícia é uma perda de tempo que prejudica o processo e encarece os custos da demanda.(....)
O caso retrata hipótese em que a ré, sem autorização da autora, passou a fazer uso da marca tridimensional de propriedade da requerente e devidamente registrada no INPI, argumentando a requerida acerca da impossibilidade de confusão.
(....) Conforme demonstram as fotografias de fls. 125/131; 135/141, as características inseridas na nova embalagem que passou a ser usada pela requerida são suficientes para causar prejuízos à autora, bem como causar confusão na massa consumidora, já que a similitude das formas de produtos que são vendidos lado a lado nas gôndolas dos supermercados poderia facilmente atrair o comprador para a aquisição das geleias da requerida pensando tratar-se daquelas fornecidas pela autora, dada a imitação levada a efeito. Essa situação não ocorre quando os produtos estão próximos, mas, sim, quando há desabastecimento temporário, o que é normal pela rotatividade dos estoques, o que poderá conduzir o freguês desavisado a comprar uma geleia pensando adquirir a outra que era sua verdadeira intenção.
(...) A quem interessa a semelhança? A resposta obriga lançar
todas as vertentes da interpretação para o proceder da recorrente que, de um
instante para outro, mudou sua estratégia de marketing e avançou em direção ao patrimônio da autora, que é protegido pela Lei 9279/96. O juiz deve formar sua convicção diante da certeza de que a novidade introduzida pela recorrente poderá confundir um consumidor considerado médio para fins de compreensão dos produtos e principalmente na potencialidade de utilização da semelhança para fins publicitários (TULLIO ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni
immateriali, Giuffrè, Milano, 1956, p. 163). A ordem de abstenção é a solução sensata e que atende aos interesses mais significativos e valorosos, sendo que o pouco tempo de utilidade do recipiente cópia do concorrente permitirá que a ré escolha outro bem diverso, sem que isso prejudique a continuidade de seus planos comerciais
" TJASP, AC 0019026-91.2011.8.26.0068, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo,Des. Enio Zuliani,  29 de maio de 2014.



Thursday, April 24, 2014

Lei da Internet e as repercussões em PI (que não em direitos autorais)

Depois de alguns anos em  função pública que incluía assessoria parlamentar, veto e sanção de lei, tomei por regra nunca me dedicar a projetos de coisa alguma. Agora que saiu a lei da Internet (que abomino chamar de Marco Civil, notando que o único Marco Jurídico que conheço é o Ministro Marco Aurélio, mas que é frequentemente incivil) cabem algumas notas. 

O Marco (civil e às vezes incivil) da Internet e da TV Justiça 
Não cabe muito discutir a aplicabilidade da Lei aos direitos autorais, não que entenda ter ela criado um escudo impenetrável ao uso enquanto não vem nova lei específica, mas pela alongada discussão que outros colegas, e mesmo eminentes entre eles, já dedicaram ao assunto. 

Bom, a lei presta muito atenção aos direitos autorais - como se eles fossem a única forma de livre expressão no campo dos direitos imateriais. A Lei isenta do novo regime os "direitos de autor ou a direitos conexos" (para usar a expressão legal) de seu alcance - até que lei específica surja como aurora boreal. Por que mesmo? Quem sabe será fruto da doutrina monocromática da Propriedade Intelectual, religião em que os estudiosos miram o fenômeno das marcas, ou das patentes, ou dos cultivares - ou o direito do entretenimento - como se fosse isolado do resto da enciclopédia jurídica.

Aí vem o velho cânone de interpretação Expressio unius est exclusio alterius. Se se pudesse questionar a aplicação do regime geral de imunidade da nova Lei (e, complementarmente, a submissão ao regime especial de responsabilidade criado pela Lei) das violações de marcas, nomes de empresa e títulos de estabelecimento, nomes domínio, indicações geográficas, trade dress e outros elementos ao abrigo da repressão à concorrência desleal - para só citar os instrumentos mais obviamente sob tutela da livre expressão -, agora não é mais possível.

A violação disso tudo ai, no suporte da Internet, passa a estar sob o alcance do art. 18 e 19, sem se aproveitar do art. 31. Mais, como a discriminação dessas formas de liberdade de expressão da pertinente aos direitos autorais tem difícil fundamento constitucional, passa a se temer pela própria imunidade explícita. Mas a prática monocromática tem seus encantos, como provam Cartier-Bresson e Doisneau. 

Ah, e software? Lógico que tomei aqui a questão da liberdade de expressão só porque está no art. 3o., I da Lei como o primeiro dos princípios da Internet. Também porque estou dando um curso no doutorado do INPI sobre liberdade de expressão através das marcas, DI, etc., e o assunto fica pregnante na memória. 

O software, não sendo exatamente tutelado pela liberdade de expressão (Lei 9.609/98: Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados", a não ser que máquinas automáticas de tratamento de informação tenha direito humano, ou algo similar ao que têm os animais de testes de cosméticos), não é objeto de direito autoral nem de conexo. 

Todos que me leem faz tempo sabem dessa minha cisma antiga: software é protegido por elementos da LDA, mas não é objeto de LDA (TRIPS ou não TRIPS). Vejam a própria lei 9.609/98: Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei. É o regime X, mas essa lei (que não trata do regime X) se aplica. Então, é um regime especial, do qual o regime geral é o X. Vide o Terceiro Volume do meu Tratado, [ 3 ] § 0.3. Das relações da lei autoral com a lei de software, p. 1879 e seguintes. 

Enfim, vão ai as primeiras impressões de quem acabou de ler a Lei da Internet pristinamente, com olhos curiosos e bastante espantados. 

Os trechos mais relevantes da Lei da Internet para este Blog
Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Art. 31. Até a entrada em vigor da lei específica prevista no § 2º do art. 19, a responsabilidade do provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, quando se tratar de infração a direitos de autor ou a direitos conexos, continuará a ser disciplinada pela legislação autoral vigente aplicável na data da entrada em vigor desta Lei.

Thursday, April 10, 2014

As patentes vermelhas e a urgência do seu exame (antes que morra mais gente)

No evento promovido pela Academia do INPI nesta manhã(Seminário “Patentes: inovação em prol da competitividade nacional”),    sobre o projeto de lei que  pretende alterar significativamente a regulação das patentes - especialmente no setor de saúde -  apresentei minha posição quanto à inconstitucionalidade da norma legal que prorroga patentes sempre que o INPI atrasa no exame. (Para nosso estudo sobre a questão, incorporado na ADI 5061, vide aqui).

Mas faltou lembrar que há uma solução imediata e racional para o problema - pelo menos no tocante às repercussões da saúde pública. Sem necessidade de lei, e sem carecer de Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF.

Como se lê do importante estudo da Câmara Federal, publicizado em outubro de 2013, apurou-se um grande número de pedidos de patentes especialmente pertinentes aos interesses de saúde, que por atraso de exame foram emitidos ou se-lo-ão já com prorrogação. Ora, segundo informou a INTERFARMA no evento, essas patentes, que são tão cruciais para a saúde, não seriam mais do que três por cento das atrasadas.

Verdadeiros esses números, seria o caso de dar prioridade de exame aos pedidos de patentes que o observatório de tecnologia do Ministério da Saúde (se não há, já há o projeto de fazê-lo, em outro  importante estudo de Charlene de Avila) determinar que sejam cruciais para o SUS. São essas as patentes vermelhas do meu título.

Para as patentes verdes, que (certamente atraindo má vontade de muitos)  temo ser em certos  casos as autênticas patentes frívolas, se conseguiu fugir à isonomia formal de exame do first come, first served. Por mais ferrenho defensor do art. 5o, caput da Constituição, entendo que a igualdade dos administrados perante as oportunidades oferecidas pelos entes públicos - na satisfação de sesus interesses privados - é sobredeterminada pelo interesse público na expedição urgente e na nagativa imediata, se for o caso, dessas patentes essenciais ao SUS.

O Ministério Público Federal objeto, no passado, a priorização de exame de patentes por interesses de uns e outros, não motivados; aqui, seguramente não haverá preferência privada. Ou seja, é caso, sim, de examinar antes das 97% das outras que (segundo a INTERFARMA) não são de interesse da saúde.

Minha proposta é:

(a) uma vez indicadas, no portfolio das patentes indicadas pelo Ministério da Saúde, as essenciais para a política de saúde, aplicar-se geralmente o parâmetro administrativo já em exercício para as patentes verdes, com as modificações abaixo.
b) como medida de prudência e política pública, o exame utilizaria  dossies de exames já realizados em escritórios de patentes, designados por norma administrativa,  com quem o INPI tenho convênio de pleno acesso ao processo administrativo para determinar, liminarmente, a presença dos requisitos do art 8 da lei brasileira,  tomando como presunção veracidade técnica dos atos da autoridade estatal ou internacional estrangeira ou regional.
 c) Partindo assim de um cerne de exame já realizado de um órgão estrangeiro confiável, em matérias que são, em princípio, examinadas sob critérios assimiláveisaos da lei interna,  completar em prazo assinado, não superior a 60 dias, os exame da aplicação dos art. 10 e 18, e da unidade de invenção e da suficiência descritiva, que representam peculiaridades específicas da lei brasileira.
d) Simultaneamente (e não antecipadamente) seria feito igual exame pela ANVISA. 
e) tal exame duplo (ou, se alguma das duas entidades atrasasse, o que já estivesse pronto) seria sujeito a imediata revisão por grupo de examinadores, designados para tal atividade, em 30 dias. Neste espaço, seria afirmada, ou rejeitada a presunção de satisfação (ou inexistência) dos requisitos do art. 8. 
f) daí em diante, seriam feitas as exigências e ciências de parecer, e submetido o procedimento a gerência especial para assegurar cumprimento estrito dos atos decisórios e ordenatórios do INPI. 





Wednesday, January 15, 2014

Calabresi, Inalienabilidade e melhores condições de negociação para o autor hipossuficiente


Property rights might be able to strengthen profit sharing arrangements between the author and her buyer by guaranteeing that such arrangements will not be circumvented by a sale of the buyer’s rights. In other words, the author of a book would like to guarantee that her rights to receive a share of the profits will not be frustrated when the publisher transfers the rights to a third party and disappears. Similarly, a painter would like to make sure that her right to have a share of every future resale will not extinguish by the first sale. Rub, Guy A., Stronger than Kryptonite? Inalienable Profit Sharing Schemes in Copyright Law (March 5, 2013). Ohio State Public Law Working Paper No. 196. Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=2228771 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2228771

 Calabresi e Melamed propuseram em 1972 uma interessante análise do sistema das propriedades. Uma das vertentes desse estudo, menos difundida e percebida, foi a noção de inalienabilidade como um atributo das propriedades, cujo efeito seria melhor evidenciado em estudo posetrior de Lee Anne Fennel.

Estes estudos estavam ainda longe da minha atenção, no entanto e só vieram recentemente a tona com as pesquisas de meu orientando do PPED, Diego Musskopf. Assim, não podem ser pretexto (ainda que serão justificação) da minha proposta, quando sugeri ao MInc a introdução de um artigo no projeto de reforma da LDA:
“Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, por prazo determinado ou em definitivo, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, pelos meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes regras e especificações:
I – a cessão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei;” (NR)
Paragrafo único – O autor ou seus sucessores causa mortis poderão reaver os direitos patrimoniais transferidos por cessão, ou cujo exercício tenha sido licenciado, após oito anos da cessão ou licença, mediante o pagamento ou consignação de valor equivalente ao recebido até então.

Por que isso? 

A partir de uma monografia de Pilar Robles, para a especialização em PI da Puc-Rio, sobre o instituto jurídico da "recapture" de direitos autorais nos EUA, e levando em conta a dissertação de Ana Beatriz Nunes Barbosa na NYU, "Consequentialism and the Efficient Breach Theory", propôs-se a regra que - depois de oito anos - o autor ou seus sucessores causa mortis podem reaver os interesses patrimoniais cedidos ou licenciados, mediante o pagamento ou consignação do valor equivalente ao recebido até então.A proposta não mira somente a um ato de justiça, mas essencialmente a um indutor de majoração do que realmente se paga por uma criação com sucesso comercial interveniente, assim como uma forma de resolver a falta de diligência (real ou como apreendida pelo autor) do intermediário - editor, etc.

A opção de explicitar que para o futuro o prazo máximo seria de oito anos foi a primeira a considerar.

Mas a tática escolhida foi presumir que a teoria do ato jurídico perfeito se encarregaria de atual, sem precisar explicitar. De outro lado, abre pelo silencio a hipótese de uma construção judicial em favor do hipossuficiente.

Como indiquei no facebook do IBPI, a perspectiva foi do L&E, criar um indutor para o cessionário de uma obra - cujo potencial econômico, uma vez realizado no mercado, exceda o valor contratado inicialmente - a repartir a mais valia com o autor, numa perspectiva de “contrato incompleto”. Se ele pactuou uma cessão por X e no espaço normal de sucesso ou falha (que empiricamente parece tender a um ciclo de oito anos) rendeu para o cessionário ou licenciado X+ Δx, a mais valia somada à perspectiva de rendas crescentes ou que se mantêm no tempo pode configurar um ativo que motive o autor à recompra; mas vai - antes disso - motivar o editor a repactuar para evitar a perda de margem, ou vai motivar contratos em que participação na mais valia seja (desde o início) mais elástica em favor do autor. De outro lado, cria para o autor a hipótese de reparar a falta de interesse ou empenho do intermediário na promoção da obra (reclamação de mamãe em face dos Irmãos Vitale, que pelas demandas que recebo diretamente depois da morte dela parecem eminentemente justificadas).

Manoel J. Pereira dos Santos aponta para uma questão importante, que é o efeito da regra em face de terceiros. A redação adotou a expressão “reaver” em vez de utilizar a noção genérica de retrovenda exatamente para transcender o contexto obrigacional inter partes. O efeito pretendido é que o autor, não obstante a circulação do ativo, tem uma oportunidade de recuperar uma parcela da tal mais valia. Notem: não há uma expiração ex lege dos termos do contrato, mas apenas uma oportunidade para o autor ter um direito de “sequência”, se reunir fundos para a recompra ou se a disparidade for tamanha que incentivar um Troll a fazer funding.

No exemplo do Manoel, “cessionário pagou R$ 500 Mil ao autor e cedeu a terceiros por R$ 1 Milhão e este terceiro cedeu novamente a outrem por R$ 2 Milhões.” É isso aí mesmo. O potencial do valor patrimonial não se descolará jamais do criador, e a circulação da obra não será jamais abstrata e cartular, sem criar - porém - o custo de transação da solução alemã ou francesa. Ou da lei dos engolidores de fogo, pela qual não se podem jamais ceder os conexos. Só quando houver disparidade sensível entre a remuneração obtida pelo criador e os proveitos da circulação ou exploração da obra vai haver motivo para a recaptura. A proposta é de um instrumento de reequilíbrio dinâmico, com um mínimo de incerteza na circulação (a segurança é obtida sempre com a repactuação), redução dos impactos da assimetria de informação e de poder de barganha.

É proteção do hipossuficiente usando uma solução de mercado, não muito diferente do tag along no societário.

E the beauty of it é que o cessionário ou licenciando nunca estará sendo confiscado pela lei: para reaver é preciso fazer restituição in integrum.

Ah, tem incertezas e milhões de buracos para um advogado habil detonar o esquema (já bolei quatro meios para furar minha proposta, mas não conto nem vou usar). Mas a proposta tem um valor retórico e um instrumental. Como as licenças compulsórias quase nunca são usadas mas induzem a comportamentos não-oportunistas, ou menos oportunistas, o sucesso da inclusão desse dispositivo na lei levará, acho eu, a melhores condições de negociação em geral.

Thursday, January 02, 2014

Fé de erratas

No livro NICOLSKY, Roberto . Livro Branco da Inovação Tecnológica – PROTEC. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica – PROTEC 2013. Pg. 60-61, apareceu uma citação minha, parte de uma entrevista pelo telefone. Como a companhia telefônica é hoje o que o Bey de Tunis era no tempo de Eça de Queiroz, cabe a ela a responsabilidade dessa errata. Então leia-se: 

Em 1990, a Finep encomendou um estudo sobre a importância das compras públicas governamentais no desenvolvimento da tecnologia e como motor específico para inovação. E o que esse estudo aponta é que as compras públicas representam um dos meios de interação do Estado mais importantes para a promoção de um processo inovador, em particular nas áreas ligadas ao desenvolvimento de novas técnicas, como acontece no setor espacial e no setor militar.

(. . .) Algumas empresas vinham sendo contratadas para atender a encomendas públicas do Estado para o desenvolvimento tecnológico de medicamentos e fármacos. Por razões da própria imprevisibilidade do processo, parte delas não conseguia entregar o produto e se encontraram em colisão com instruções do Tribunal de Contas, não obstante o fato de que a encomenda fora de desenvolvimento e não de entrega de produto. Ficava claro que a proposta de usar o instrumento de poder de compra do Estado para o desenvolvimento tecnológico precisava de uma mutação legislativa ou, pelo menos, de uma mutação nos parâmetros de análise e de auditoria contábil que prevaleciam no sistema administrativo, não só da União, como nas outras estatais brasileiras.

Essa possível mudança foi proposta pelo artigo 20 da Lei de Inovação, que permite ao Estado, quando se determina a existência de um risco técnico, fazer a compra de um serviço de desenvolvimento, aliado ou não à compra de produtos, de tal forma que o licitante se propusesse a fazer algum tipo de desenvolvimento tecnológico. No entanto, no texto que saiu do Congresso, estava dito que o pagamento ao licitante seria proporcional ao resultado. Ora, se o resultado, que pode ser nenhum, condiciona o pagamento, isso fazia com que o artigo 20 não pudesse ser base para uma proposta de sistema de incentivo à inovação.

A mudança desse sistema através de regulamento se tentou fazer desde a promulgação da Lei de Inovação. Mas só se conseguiu uma formulação em norma, em agosto de 2011 (referência ao Decreto Nº 7.539, de 2 de agosto de 2011), quando foi explicitado que, não obstante o texto da norma legal, haveria a possibilidade de remuneração mesmo que o resultado não fosse a entrega de um produto ou a consolidação de uma tecnologia.