Monday, February 28, 2005

TRIPS não exige de ninguém que emita modelos
de utilidade. Nem Expressões e sinais de propaganda. Nem garanta
proteção especial de marcas à União dos Escoteiros do Brasil. Essas
peculiaridades nacionais, que estão longe de ser universais, escapam
ao escopo do tratado, sob o princípio "quod abundat non nocet"
O art. 27 de TRIPs (cuja importância é retoricamente ampliada até a
próxima galáxia) simplesmente diz:
"1 - Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer
invenção, de produto ou de processo, em todos os setores
tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo
inventivo e seja passível de aplicação industrial..(...)
Enquanto "ato inventivo" (seja o que for que isso signifique no seio
do Deus Tupã) e passo inventivo forem coisas diferentes, simplesmente
o art. 27 não se aplica aos modelos de utilidade, e o artigo do Sr.
Dick von Teufelein pode ser apenas mais uma dessas papagaiadas de
doutrina interesseira.
A lei 9.279/96, em seu art. 12, numa interessante inovação sobre o
sistema anterior, considera não ferir a novidade a divulgação do
invento, quando ocorrida durante os doze meses que precederem a data
de depósito ou a da prioridade do pedido de patente, se promovida
pelo próprio inventor (o chamado período de graça), pelo INPI em
publicação oficial do pedido de patente depositado (por outras
pessoas, que não o inventor, obviamente) ou por terceiros, com base
em informações obtidas direta ou indiretamente do inventor ou em
decorrência de atos por este realizados .
Neste último caso, estará também a divulgação feita por outros entes
públicos, nacionais ou não, inclusive a publicação por escritórios de
patente estrangeiros, ou pelo titular do direito de pedir patente. O
dizer da lei, "direta ou indiretamente", abrange toda e qualquer
comunicação do teor do invento, deliberada ou não, obtida dolosa ou
culposamente, ou ainda sem qualquer culpa. Só se exclui da regra
geral do art.12 a divulgação de informações independentes, a de um
invento autônomo.
Como já se indicou, o período de graça é objetivo, e sua proteção não
é afetada pelo descuido ou falta aparente ou real de intento em
proteger o valor econômico do invento. Porém, não obstante o intuito
protecionista do instituto, voltado ao inventor individual ou pequena
empresa que ­ historicamente ­ tendem a perder o direito de pedir
patente por divulgarem o invento antes do depósito, o que se tem
neste dispositivo é uma suspensão do período em que a tecnologia cai
em domínio público. Assim, a interpretação de seu teor levará em
conta a exigência constitucional de balanceamento entre interesses
contrastantes, sem perder de vista à proteção ao mais fraco, que pode
ser o inventor, mas também sem frustar os interesses da comunidade,
que é de ter a tecnologia de uso livre, ou logo publicada para
conhecimento público.
Assim, nenhuma contemplação poderá haver no caso de invento de
titularidade uma grande ou média empresa que descura de pretender
proteção a seus inventos; dormientibus non soccurit jus. Para estes,
há que se aplicar o período de graça com o máximo de restrição.
Importantíssimo, neste contexto, é a prova do momento do invento.
Para satisfazer o requisito do prazo, convém aplicar os exatos
parâmetros de verificação de anterioridade, acima expostos, ainda que
com a ênfase oposta.
Notam vários autores do risco que é utilizar-se deste recurso da Lei.
9.279/96, eis que em muitos países não se concede o período de graça:
quanto a eles, o exercício do direito assegurado pela lei nacional
importaria, em seus sistemas jurídicos, em perda da novidade.

O que propugno não é uma proteção tipo Sebrae. Isso, sim, teria que
ter previsão em lei.
O que eu digo é: "Assim, a interpretação de seu teor levará em
conta a exigência constitucional de balanceamento entre interesses
contrastantes, sem perder de vista à proteção ao mais fraco, que pode
ser o inventor, mas também sem frustar os interesses da comunidade,
que é de ter a tecnologia de uso livre, ou logo publicada para
conhecimento público."
A aplicação do balanceamento de interesses constitucionais, como
indico nesse texto ai, não é em abstrato. Meu exemplo (que dou logo
em seguida no mesmo texto) de negativa de graça às médias e grandes
empresas é apenas ...um exemplo. "Assim, nenhuma contemplação poderá
haver no caso de invento de titularidade uma grande ou média empresa
que descura de pretender proteção a seus inventos; dormientibus non
soccurit jus." Aplica-se a graça como forma de mitigar uma
inferioridade real, caso a caso, na concretude das circunstâncias.
É essa a singularidade da aplicação de princípios. Nào é um
procedimento de subsunção de caso à regra. É uma aplicação de um
balanceamento de interesses, ponderando-os de forma a melhor aplicar
a norma segundo sua finalidade, na concretude do caso. Ou seja, é
diícil, mas não impossível, que uma grande empresa (jejuna de PI,
ignorante e iniciante em tudo) mereça a graça, como é possível que o
inventor singular, escolado e safado, não a mereça. Mas graça é
graça, como aliás o nome precisa.

Notem que não sou nem de longe o primeiro a aplicar uma análise de
princípios, e não de regras, à PI. Quem primeiro, e muitissimo bem,
interpretou o CPI/96 além do texto da regra, para bem aplicar o
balanceamento constitucional, caso a caso, foi Gustavo Leonardos:
Gustavo Leonardos, em A Perspectiva dos Usuários dos Serviços do INPI
em Relação ao Registro de Marcas sob a Lei 9.279/96. Revista da
Associação Brasileira da Propriedade Intelectual - ABPI Anais do XVII
Seminário Nacional de Propriedade Intelectual, 1997:
"A publicidade comparativa que obtenha sucesso, não vai forçosamente
prejudicar a reputação ou integridade da marca comparada? Mesmo a
despeito da veracidade e correção da informação ou comunicação
publicitária (artigo 38 do Código do Consumidor)? Ou nesta última
hipótese poderíamos considerar que há uma inversão do equilíbrio
entre as garantias constitucionais previstas nos incisos IX ("é livre
a expressão da atividade…de comunicação") e XXIX ("a lei assegurará…
proteção… à propriedade das marcas") do artigo 5º da Constituição
Federal? Se afirmativa a resposta à última pergunta, podemos afirmar
que para se dar esta inversão favorável ao anunciante deverá ser
observada a prevalência do conteúdo informativo do reclame sobre as
demais mensagens, inclusive implícitas, de caráter emotivo ou
deceptivo. Caso contrário, haverá a validação da concorrência
desleal, do uso indevido de marca alheia, através da propaganda
comparativa."

A igualdade, como é óbvio, não implica em igualar desiguais, e - na
fórmula absolutamente precisa de Aristóteles - não há desigualdade
quando desiguais são tratados na proporção da desigualdade existente
entre eles [1]. Diz Celso Antônio Bandeira de Mello [2]:
"as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula
igualitária apenas e tão somente quando existe um vínculo de
correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida, por
residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela
conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com os
interesses prestigiados na Constituição".

Nào me tenho por mais douto em constitucional do que os colegas, mas
como procurador aposentado, encarregado em sua carreira quase que
exclusivamente de matéria constitucional, tive de aprender a tratar
dessas coisas - à força. Em suma, um tarimbeiro fazedor de ADINS, de
vetos, sanções e pré-questionamentos.
Segundo o
direito constitucional corrente - pelo menos na vertente UERJ que
anda predominando no STF -, cabe ao intérprete ou aplicador da lei
decidir quando se pode discriminar para assegurar o cumprimento do
mandamento constitucional da igualdade. A interpretação
constitucional, especialmente dos princípios, e desses em especial o
de igualdade, não presume a aplicação exclusiva e mecânica de
uma "regra" legal.
Até há uns doze meses atrás, eu atroava os ares com a posição
de que a legitimidade democrática presume voto majoritário.
Mas fui impactado pela doutrina constitucional corrente, nem de longe
só brasileira, segundo a qual a judge-made law tem igual e talvez
superior pestígio - especialmente, de novo, no caso de aplicação de
princípios. Confesso que, em particular desde ontem, a imponência do
princípio majoritário está me parecendo muito pouco convincente.
Ainda me doi aceitar essa realidade da jurisprudência daqui e de
quase toda parte, mas, como dizia Ulysses (não o de Ítaca...), contra
fatos não há argumentos. Neste momento, estou engajado numa
iluminadora pesquisa sobre o direito constitucional comparado da
propriedade intelectual, e a jurisprudência americana, européia
(especialmente da Corte de Direitos Humanos), a alemã, a italiana,
a...colombiana....(!!!) é interessantíssima. É jurisprudência de
princípios e não de regras. Até fim de março tem de sair um texto
sobre isso. Vai sair.

Pois, à luz da realidade do direito como ele existe agora, aí fora na
concretude da prática, e sem considerar os desejos de uma igualdade
formal que assegurasse mais segurança jurídica do que justiça, eu
subscrevo sem medo o texto que mandei na mensagem de hoje. Que
escrevi, aliás, em 2002. Quando minha posição ideológica a favor do
princípio majoritário estava em briga com a aplicação que propugnava
da regra do período de graça.
Agora, pacificado internamente nessa matéria pela atrição dos fatos
da vida, não tenho dúvida quanto ao que escrevi. Ou seja, uma regra
de proteção aos menos capacitados, em matéria de direito de exceção,
como é a Propriedade Intelectual, não pode ser aplicada de forma a
inverter - não os propósitos do legislador - mas a funcionalidade
constitucional. Ou seja, essa coisa de usar período de
graça para dar volta em escorregada de perda de prazo de prioridade é
excelente advocacia, mas péssimo direito.