Thursday, December 23, 2004

SPC e patente pipeline

Uma aluna me indagou, e socializo um pouco minha resposta para a
reflexão e eventual refutação dos colegas.
Não creio que seja possível medir o tamanho da patente pipeline pela
equação (patente original+SPC. POr que?
Comecemos olhando o Art. 230. do CPI/96. Lá se diz que (§ 4º.) "Fica
assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo
remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro
pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo
previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo
único."
Acontece que esse período se refere à patente como definida nos
tratados e convenções em vigor no país; o que diz o caput do art. 230
do CPI/96 é o direito é exercido "por quem tenha proteção garantida
em tratado ou convenção em vigor no Brasil". Assim, é preciso então
precisar se o SPC é uma patente nos termos dessas convençoes e
acordos.
Não me parece que sejam. Em primeiro lugar, como diz o Council
Regulation (EEC) No 1768/92 of 18 June 1992 concerning the creation
of a supplementary protection certificate for medicinal products,
encontrada em (http://europa.eu.int/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!
celexapi!prod!CELEXnumdoc&lg=EN&numdoc=31992R1768&model=guichett
) em
seu art. 4o., a proteção não é idêntica à da patente, mas cobre
apenas um segmento da proteção anterior - "the protection conferred
by a certificate shall extend only to the product covered by the
authorization to place the corresponding medicinal product on the
market and for any use of the product as a medicinal product that has
been authorized before the expiry of the certificate".
A proteção é assim um monopólio do produto registrado na vigilância
sanitária. Por que isso? Pela aplicação do princípio do
balanceamento constitucional dos interesses em jogo:. Dizem os
consideranda do Regulamento 1768/92:
Whereas all the interests at stake, including those of public health,
in a sector as complex and sensitive as the pharmaceutical sector
must nevertheless be taken into account; whereas, for this purpose,
the certificate cannot be granted for a period exceeding five years;
whereas the protection granted should furthermore be strictly
confined to the product which obtained authorization to be placed on
the market as a medicinal product;
Assim, a patente cobre a exclusividade da tecnologia reivindicada; o
SPC do produto registrado. Como o produto é registrado lá, só lá, com
efeitos exclusivamente circunscritos ao território pertinente, não há
objeto possível em face de uma patente emitida aqui.
EM segundo lugar, a proteção suplementar (a legislação comunitária e
nacional evita com ênfase chamara proteção de "patente") é eventual,
e resulta em cada caso de razões completamente independentes da
concessão da patente. Só há SPC se o registro sanitário demorar.
Assim, a natureza desse Certificado é indenizatório, compensação de
uma mora da Administração absolutamente diversa da concessão
patentária, e não consequência da simples revelação da tecnologia ao
público. O motivo da concessão do SPC é distinto da concessão da
patente.
Ou seja, SPC não é patente.
Em terceiro lugar, a prorrogação da patente pipeline em razão do SPC
europeu importaria em fazer o público e o governo brasileiro
indenizar uma desídia de uma administraçào estrangeira o que, por
mais entusiasticos que possamos ser quanto à colaboração
internacional, é uma doidura.
Em quarto lugar, a economia do art. 230 é voltada exatamente às
hipóteses em que " o objeto [da patente] não tenha sido colocado em
qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro
com seu consentimento ". Pode acontecer que esse retardo seja
meramente voluntário; mas essa hipótese acadêmica empalidece quanto à
probabilidade realísitica que o diferimento resulte de retardo no
registro sanitário. Assim, a eventual barreira à entrada no mercado a
quo é exatamente compensada aqui pela pipeline. Acrescer as farras do
pipeline com mais acréscimos, a pretexto exatamente da mesma barreira
à entrada é criar uma patente-marajá.
Finalmente, vamos dar uma olhada no artigo 5o. da Regulamento:
Article 5
Effects of the certificate Subject to the provisions of Article 4,
the certificate shall confer the same rights as conferred by the
basic patent and shall be subject to the same limitations and the
same obligations.
Poderiam suscitar esse artigo como argumento que o SPC é, sim,
patente. Mas é exatamente o que desmente o texto acima. O SPC
corresponde aos teor da patente, Subject to the provisions of Article
4"". Ou seja, no tocante ao produto registrado. E só nele.
Marcas tridimensionais

Tenho entendido que as marcas tridimensionais só podem ser
registradas após a demonstração de pré-aquisição de secondary
meaning.
Tal resulta do equilíbrio constitucional necessário na propriedade
intelectual, que reserva para proteção de objetos criativos um termo
certo de proteção, e para os objetos meramente simbólicos a
perenidade. Seguramente não será a simples vontade do depositante que
fará escapar das constrições constitucionais de limitação no tempo um
objeto que - não fora pela previsão de marca tridimensional - seria
apenas suscetível de tutela como desenho industrial, ou
eventualmente, direito autoral.
Assim, como equilibrar as duas prescrições - tutela das marcas e a
restrição temporal das criações objetivas?
Quanto à questão do efeito técnico, traz a lei uma antiga exigência
quanto à marca ­ que ela seja um elemento de distinção, e não de
funcionalidade. Quanto à questão, pronunciou-se a Suprema Corte
Americana am Qualitex, 54 U.S. at 170:
"[i]n general terms, a product feature is functional, and cannot
serve as a trademark, if it is essential to the use or purpose of the
article or if it affects the cost or quality of the article (..) It
is the province of patent law, not trademark law, to encourage
invention by granting inventors a monopoly over new product designs
or functions for a limited time, after which competitors are free to
use the innovation."
É de ter-se em exata noção o que é marca e o que é forma expressiva
de um produto. Explica-se: a função da marca não é a de conformar
objeto material que se anuncia, mesmo se a forma do produto ou a sua
embalagem possam ser elementos úteis no merchandising e na
identificação.
Assim é que uma coisa é a marca, e outra o formato do próprio artigo
ou sua embalagem: a marca designa, através de signo de natureza
simbólica (o significante é independente do significado; "Leão"
designa um tipo de mate, e não o felino); o formato ou
embalagem "presentifica" ou identifica o objeto material, funcionando
ao identificar como um signo de natureza indicial (o significante é
parte do significado; a fumaça indica o fogo).
Note-se, de outro lado, a redação que, no texto atual, veda o
registro (art. 124, XXII) de "objeto que estiver protegido por
registro de desenho industrial de terceiro". A redação anterior
proibia o registro de marca "constituída de elemento passível de
proteção como modelo ou desenho industrial". Assim, pela redação
literal do dispositivo, poder-se-ía entender que:
a) é possível a dualidade de proteção entre marca e desenho
industrial do mesmo titular
b) é possível o registro como marca de objeto passível de proteção
como desenho industrial, mas que não o tenha sido por terceiros.
Quanto à identificação entre o objeto de desenho industrial e o de
marca, tem-se a tal objeção constitucional. O sistema de proteção aos
desenhos industriais está sujeito ao cânone constitucional da
temporariedade. Não se vê como conciliar a perenidade do objeto
marcário e a temporariedade do objeto de desenho industrial, quando
são ambos a mesma coisa. Assim, impossível a proteção por marca da
forma, ainda que não necessária, comum ou vulgar do produto ou de
acondicionamento, ou ainda que possa ser dissociada de efeito
técnico.
Não se argumente que coisas perenes como a garrafa da Coca Cola, ou
da Perrier, são autênticas marcas. A proteção existirá, perenemente,
através dos mecanismos da concorrência desleal, protegendo a imagem
eterna enquanto dure na concorrência - é esta a proteção adequada ao
trade dress. Mas não haverá a exclusividade marcária. De outro lado,
levando-se em conta a possível dualidade de proteção, quanto à
parcela estética, por direito autoral e por desenho industrial,
sempre subsistirá a eventual possibilidade de permanência da
respectiva tutela.
No entanto, admite-se uma hipótese da proteção constitucionalmente
válida do trade dress através do sistema registral. O ponto chave
para a constitucionalidade da proteção da marca tridimensional é a
satisfação completa e intensa do requisito de distintividade como
secondary meaning. Só poderá haver registro constitucionalmente
válido da forma de um produto quando na percepção do público tal
aspecto tenha-se tornado índice notório da origem do produto. Como a
garrafa da Coca Cola.
É o importantíssimo sentido da decisão da Suprema Corte (em Wal-Mart
Stores, Inc. V. Samara Brothers, Inc., --Decided March 22, 2000), em
tudo adequada ao nosso próprio sistema constitucional:
With product design, as with color, consumers are aware of the
reality that, almost invariably, that feature is intended not to
identify the source, but to render the product itself more useful or
more appealing.
Se não há notoriedade do vínculo entre a forma do produto e sua
origem, o registro não pode criar tal vínculo, sem afrontar a regra
da temporariedade da proteção das patentes e desenhos. Infelizmente,
essa não é a solução adotada pela Lei 9.279/96. Para fazer-se uma
interpretação de acordo com a Carta do Art. 124, XXI do CPI/96, o
INPI só registrará forma do produto quando e se tal forma estiver
notoriamente ligada à sua origem.
INPI e administração fiscal

Acho que a discussão é importante. Eu nunca achei que o INPI tenha
competência para impor nada quanto à legislação fiscal. Mas, por
força da legislação própria, que cito exaustivamente no último
capítulo do meu Uma Introdução, 2a. Edição, o INPI é agente auxiliar
da administração fiscal, e apenas se pronuncia quanto a aspectos de
fato e de direito, pertinentes à sua competência legal. O fiscal
depois pode, mas não é obrigado, a levar em conta o que o INPI achou,
mas é condição de dedutibilidade que o INPI tenha se pronunciado.
E a nova redação do Código da Propriedade Industrial quanto à
competência do INPI nào alterou em nada tal competência.
Como diz o nosso livro de 1983:
"Com a criação do INPI em 1970, e com a promulgação do novo Código da
Propriedade Industrial em 1971, surge uma alteração importante na
execução da legislação tributária e monetária já em vigor quanto ao
pagamento de royalties e de tecnologia. Reconhecendo que o novo Insti-
tuto estaria melhor capacitado para avaliar a necessidade dos
dispêndios e a efetividade dos direitos e serviços em questão, tanto
a administração monetária quanto a tributária passaram a se articular
ativamente com a autarquia.
(...)
Ficou assim definido o sentido da ação integrada da Administração
Pública, que passou a só admitir a eficácia tributária e monetária
dos pagamentos de marcas, patentes e tecnologia, depois de os
respectivos contratos serem substantivamente examinados pelo órgão
com competência para tal fim.
E, mais adiante:
"À averbação o INPI verificaria a possibilidade de prestação efetiva
da assistência técnica, a existência ou não de direito da propriedade
industrial, etc.; em nível mais geral, a autarquia verificaria, como
órgão especializado e ex ante, a necessidade da despesa e se esta é
usual no ramo de atividade em questão"
Note-se que a legislação vigente não só confirma, mas amplia este
dever legal. O atual Regulamento do Imposto de Renda, Decreto
3000/99, prevê a averbação do INPI, como pressuposto substantivo de
concessão de benefícios ou dedutibilidade fiscal.
Apesar de ter sido chamado algumas vezes durante esses 26 anos a
retreinar os técnicos do INPI quanto à legislação fiscal, não
acreditei jamais que o INPI tenha competência nem funções de
fiscalização. Como o Instituto Nacional de Tecnologia é consultado
para estabelecer prazo de vida útil de bens físicos no caso de
depreciação para IRPJ, assim o INPI, como órgão técnico é consultado
necessariamente, na matéria que é de competência dele.
Isso não é, de jeito nenhum, irracional, mas uma das raras coisas
inteligentes e menos corruptas da administração fiscal. Nem eu nem
você, estou certo, quereriamos enfrentar um fiscal cismando que uma
tecnologia não existe. Nessas horas, o certificado do INPI te
assegura e poupa achaques. O que o INPI poupa dinheiro às empresas é
uma história não contada e incontável.
Eu não faço opinião se a concorrência é ou não positiva em todos os
casos. Eu pretendo descrever (e nisso posso estar certo ou errado) um
ambiente constitucional onde se verifica o conflito de um princípio
(o da liberdade de iniciativa, art. 1o., IV; e de concorrência, art.
170) e um preceito, que está (erradamente, eu acho) no capítulo de
direitos e garantias constitucionais.
Assim, ao dar a livre concorrência como plano de base, e a restrição
à concorrência como negativo ao plano de base, eu só descrevo uma
regra de jogo da nossa Constituição.
Parece que não só da nossa Constituição. Como digo no livro que você
cita:
O ponto máximo de tensão constitucional: a restrição à concorrência
Como se resolve a tensão entre tais preceitos constitucionais
relativos à liberdade de concorrência e à limitação da concorrência
da Propriedade Intelectual?
Dizem as Anotações à Constituição Americana exatamente sobre essa
questão:
Underlying the constitutional tests and congressional conditions for
patentability is the balancing of two interests—the interest of the
public in being protected against monopolies and in having ready
access to and use of new items versus the interest of the country, as
a whole, in encouraging invention by rewarding creative persons for
their innovations.
O direito de competir a que se refere o art. 1º da nossa Carta é o
direito de livre cópia das criações técnicas e estéticas. A chave da
propriedade intelectual é que fora dos limites muito estritos da
proteção concedida, o público tem direito livre de copiar. Diz a
decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos em 1989, num acórdão
unânime do caso Bonito Boats , que enfatizou esse direito
constitucional à livre cópia pelo público:
The efficient operation of the federal patent system depends upon
substantially free trade in publicly known, unpatented design and
utilitarian conceptions. (...) From their inception, the federal
patent laws have embodied a careful balance between the need to
promote innovation and the recognition that imitation and refinement
through imitation are both necessary to invention itself and the very
lifeblood of a competitive economy.
A mesma Corte põe claro que não só há um direito à cópia, mas que
esse direito é de fundo constitucional:
"[t]o forbid copying would interfere with the federal policy, found
in Art. I, § 8, cl. 8 of the Constitution and in the implementing
federal statutes, of allowing free access to copy whatever the
federal patent and copyright laws leave in the public domain." Compco
Corp. v. Day-Brite Lighting, Inc., 376 U.S. 234, 237 (1964)
Assim a tensão constitucional máxima em matéria de propriedade
intelectual existe entre a liberdade constitucional básica da livre
cópia e o direito constitucional de exclusividade sobre as criações
intelectuais.
Como alguns de vocês já me ouviram dizer, a intervenção da Anvisa
como colaboração é sempre bem vinda; mas a anuência - no sentido de
consentimento - é inconstitucional. Decisões políticas quanto a
patentes são tomadas, exclusivamente, pelo Congresso Nacional, em
sentido genérico e em obediência aos princípios da isonomia do art.
5o. caput da Carta e (se for o caso e o Congresso quiser) às regras
de tratamento nacional dos tratados.
Não sou pessoalmente partidário de dar patentes para segundo uso
farmacêutico, aliás nem de primeiro. E acredito, com toda razão de
fazê-lo, que essas patentes vão contra o interesse nacional. Por
enquanto...
Acho que vale sempre lembrar a decisão da Corte Constitucional da
Itália de que entendeu que - a) depois que a industria nacional
italiana já estava capacitada a concorrer e b) o Estado já dava um
incentivo razoável à pesquisa; e c) os benefícios econômicos do
Mercado Comum já tinham tirado a Itália da miséria e do
subsenvolvimento dos filmes do realismo pós-guerra - a negativa de
patentes PASSAVA A SER INCOSTITUCIONAL.......:
In realtà, negli ultimi anni la presa di coscienza della sopravvenuta
mancanza di ogni fondamento razionale della deroga é cresciuta di
pari passo con l'affermarsi del valore della ricerca scientifico-
tecnica e del dovere della Repubblica di promuoverla; con la più
elevata capacità dell'industria farmaceutica italiana di organizzare
la ricerca, anche in rapporto alle condizioni di competitività con
quella degli altri paesi; ed infine con le più intense relazioni con
i mercati esteri, particolarmente nell'ambito degli stati
appartenenti alla organizzazione del Consiglio d'Europa ed a quella
della Comunità economica europea (come é attestato dalle convenzioni
stipulate dal governo italiano, tutte orientate a restringere o a
eliminare radicalmente la possibilità di vietare la brevettazione in
singoli settori).
A decisão é interessantíssima: ao falar de "sopravvenuta mancanza", a
Corte diz que o que era constitucional antes (negar patentes a
farmacêuticos) passa a não ser depois, sem mudança de texto seja na
Carta seja na lei ordinária, porque as situações de fato se
alteraram.
A meu ver, esta avaliação teria de ser feita não pela Corte mas pelo
Congresso; como o Procurador Geral da República está sustentando no
caso de anencefalia decidido (quanto à liminar)ontem, decisões como
esta não podem ser tomadas pelo Supremo (italiano ou brasileiro).
Mas o que não vai mudar, o Congresso querendo ou não, eu achando que
se deva negar patente a primeiro, segundo ou undécimo uso
farmacêutico, o nosso Ivan Alehrt achando o contrário, é que a nossa
Constituição não permite ao INPI, ANVISA, ao Gilberto Gil ou a
qualquer instituição administrativa exercer poder discricionário na
hora de dar patente.
Quem inventa, do simples ato de criação, tem um direito subjetivo
constitucional a obter sua patente, nos termos prescritos pela
Constituição e pela lei votada pelo Congresso, e esse direito não
pode ser denegado pela avaliaÇão caso a caso de nenhum autoridade
pública. O poder da autoridade pública é de examinar os pressupostos
constitucionais (existência de invento, novidade, atividade
inventiva, suficiência descritiva e industrialidade)e os legais (art.
18 do CPI/96) e DECLARAR SUA EXISTÊNCIA. Só. O poder é vinculado com
correntes de tungstênio.
Tenho o mais rematado respeito ao magistério da Prof. Maristela
Basso, de cuja doutrina eu aprendo em todos os casos, e com cuja
visão maior de Direito tenho sempre me ajustado entusiasticamente.
Neste caso da anuência da ANVISA, porém temos um dessas diferenças
vivificantes de opinião quanto à interpretação constitucional.
Diferença tática apenas.
Acredito que se deva trazer a decisão das matérias relativas à
Propriedade Intelectual ao palco maior da democracia e da
constitucionalidade. Fui militante da guerra de guerrilhas do
nacionalismo tecnocrático por vinte anos; agora, entendo que as
instituições não comportam mais um guevarismo anvisiano, mas exigem
que se discuta, no espaço cruento do Supremo, se a prorrogação de
patentes ao argumento da aplicação do TRIPs atenta, ou não, contra o
ato jurídico perfeito e o direito adquirido.
Para sair do tom muito formal: hoje em dia estou acreditando no lema
verfassungsrecht über alles.
O "perigo chinês" - motivo do primeiro filme The Manchurian
Candidate, de 1962, que vem essa semana em nova versão às telas com
Denzel Washington no lugar de Frank Sinatra - passou a ser "o perigo
das megaempresas". Como no filme, talvez haja mais perigo para o
mundo no excesso do que na violação.
Como sinodescedente e advogado do único caso em que os chineses
ganharam um processo de dumping no Brasil, noto apenas que o exemplo
da China, por sua enorme e crescente importância econômica, pode
ajudar a mudar a sensibilidade mundial na distinção do que
é "violação"de PI e o que é "excesso" de PI. É o que conversava há
20 anos, com minha colega de turma da Columbia Law School, Xue
Hanqin, hoje embaixadora da China nas Nações Unidas. A visão
penetrante dela sobre a importância - especialmente - do sistema de
patentes me surpreendeu imensamente.
A mudança de status na área de dumping (de país de ecomomia planejada
para país de economia de mercado), que o Lula ofereceu, tem realmente
que assustar a FIESP e nossos irmõas argentinos. Mas a tendência vai
para esse lado. O status da China como uma economia de mercado está
sujeita à revisão em curso nos Estados Unidos (a última sessão foi em
3/6/2004). Principalmente, a autoridade anti-dumping da Índia, em 27
de abril último, no caso Yuasa Battery Guangdong Co. Ltd., conclui
que a China, para tais efeitos, pode ser reconhecida como uma
economia de mercado.
Eu mesmo acabei de completar, como advogado de empresas chinesas, a
aquisição de uma subsidiária de empresa americana operando no Brasil
no setor de informática.

O que não se pode confundir é a China com esses piratas chineses que
andam sendo colhidos pelas CPIs da vida. Para começar, eles não estão
no seu país natal, e provavelmente por alguma excelente razão....
Esses são tão parâmetros da propriedade industrial chinesa quanto as
brasileiras do Bois de Boulogne são da nossa economia.
Eu ando especialmente irado com a falta de responsabilidade da
imprensa brasileira, fácil em acusar, e sem patrimônio para responder
pelos erros. Isso, vindo de alguém que começou a vida como repórter
do Jornal do Brasil, e que ama essa profissão, mas também já militou
em muitas ações de perdas e danos contra jornais (e ganhou...)
Mas, desta vez, concordo com as questões suscitadas pela matéria.
Principalmente porque, se fosse um jornalista de aluguel, teria
apenas estímulo de escrever o contrário.
Estamos num momento histórico em que o pêndulo de interesses da
propriedade intelectual está desbalanceado e errático. No lado "hard"
dos direitos - patentes dos setores tradicionais, por exemplo -
sinto, como o The Economist, que há proteção demais. Nos
setores "novos", e em especial no segmento de tecnologias da
informação, a proteção está - ao mesmo tempo - insultuosamente
excessiva e notavelmente insuficiente.
Como assim? Para fechar as brechas da Internet e das tecnologias auto-
duplicativas, as legislações e práticas vão indo para uma
superproteção que não resolve o problema, mas desfigura o instituto
da patente e do direito autoral. Como assim? Uma série de estudos
publicados na Columbia Law Review em agosto de 1994 explica: à
pretexto de resolver esses impasses tópicos e específicos, os
titulares de direitos aproveitam para aumentar as estruturas
genéricas de proteção.
Ou seja: o equilíbrio de interesses entre a sociedade (de um lado) e
os investidores em criação tecnológica e cultural (de outro) talvez
pudesse ser resolvido com um tiro de calibre 22 de alta potência.
Talvez. Mas a retórica dos titulares vende o calibre 12 ou (muitas
vezes) o morteiro shrapnel. Numa de "posso não pegar a borboleta
rara, mas acerto em alguma coisa, nem que seja no outro
lepdopterologista".
Ora, isso dá no que fala o The Economist. A solução certa? A pelo
menos de alguns dos autores da Columbia Law Review é: matizar,
adaptar-se, ponderar os interesses mais de acordo com as necessidades
reais, e não as retóricas. Patente de software sim....por
exemplo...mas por 18 meses. Ou não uma exclusividade, mas uma margem
de proteção de preço. Etc. Prazo chapado e condições uniformes de
proteção para todas áreas de tecnologia (não estou falando, aqui, de
uniformidade nacional....) é uma idiotice. De outro lado, a crise de
demanda do PCT mostra que abaixar demais os requisitos leva ao caos.
O que está acontecendo é um daqueles momentos de insanidade coletiva
de que falava Barbara Tuchman. Ao contrário do que dizem os pobres de
espírito, o papel NÃO aceita tudo. Proteção demais ou proteção de
menos dá o mesmo efeito: desestímulo ao investimento criativo, e dano
à sociedade.
"decisões da Justiça Estadual, em segunda instância, proibindo o uso
de marca (por alegada contrafação), muito embora a marca em questão
esteja devidamente registrada no INPI em nome do alegado infrator"(Gabriel Leonardos)


Vejo aí um resultado triste daquela política do INPI de algumas
administrações atrás, de levar em consideração na constituição da
exclusividade de marca a pretensa concorrência desleal.

Quando a própria instituição desmoraliza a pretensão constitucional de obter
marca, na época sem base em lei que acolhesse o exercício dos
direitos do usuário anterior, abre-se a porta para essas patologias.
No meu entender, é uma lição de sobriedade para quem gosta de criar
direitos de propriedade intelectual sem amparo no princípio
majoritário - sem voto do Congresso Nacional. É o caso, por exemplo,
da pretensa constituição de direitos exclusivos de comercialização,
previstos no art. 70.9 de TRIPs, sobre os quais assim falo no meu
livro sobre o acordo:

No caso de aplicação diferida de TRIPs, quando um produto for objeto
de uma solicitação de patente num Membro, em conformidade com a regra
mencionada logo acima, serão concedidos direitos exclusivos de
comercialização por um prazo de cinco anos, contados a partir da
obtenção da aprovação de comercialização nesse Membro ou até que se
conceda ou indefira uma patente de produto nesse Membro se esse prazo
for mais breve, desde que, posteriormente à data de entrada em vigor
do Acordo Constitutivo da OMC, uma solicitação de patente tenha sido
apresentada e uma patente concedida para aquele produto em outro
Membro e se tenha obtido à aprovação de comercialização
naquele outro Membro.

Pois na LEI No 10.603, DE 17 DE DEZEMBRO DE 200, que dispõe sobre a
proteção de informação não divulgada submetida para aprovação da
comercialização de produtos e dá outras providências inclui-se um
artigo pelo menos dúbio:

Art. 14. Esta Lei não exclui os direitos exclusivos de
comercialização de produtos farmacêuticos e produtos químicos para a
agricultura, estabelecidos em acordos ou tratados internacionais em
vigor no Brasil.

Ora, a lei não exclui - nem inclui....porque tais direitos não foram
assegurados em nenhum texto de legislação interna em vigor no
Brasil, e nem os mais encarniçados defensores da aplicação direta de
TRIPs podem entrever a constituição de tais direitos através do
disposto no art. 70.9 de TRIPs:
Quando um produto for objeto de uma solicitação de patente num
Membro, em conformidade com o parágrafo 8.a, serão concedidos
direitos exclusivos de comercialização, não obstante as disposições
da Parte VI acima, por um prazo de cinco anos, contados a partir da
obtenção da aprovação de comercialização nesse Membro ou até que se
conceda ou indefira uma patente de produto nesse Membro se esse prazo
for mais breve, desde que, posteriormente à data de entrada em vigor
do Acordo Constitutivo da OMC, uma solicitação de patente tenha sido
apresentada e uma patente concedida para aquele produto em outro
Membro e se tenha obtido à aprovação de comercialização naquele outro
Membro.
No entanto, o INPI recentemente emitiu documento "para efeitos do
disposto" no art. 70.9 de TRIPs. Começamos de novo? Quem com ferro
fere.....
Pirataria e criatividade

Numa longa conversa ontem com o Ministro Eduardo Costa do MCT (o assunto era a lei de inovação e os incentvos fiscais que têm de ser propostos em 120 dias...) falávamos de pequenas e médias empresas. Segundo o consultor do MCT, elas só inovam copiando de outras empresas, ou forçadas pelo encomendante de novos produtos. Aproveitei para falar da minha candidatura frustrada ao Conselho Pirataria do MJ. O que eu queria lá? expressar a posição da academia, ou de uma certa academia, que não acha que se deva tratar sempre pirataria com repressão. Pelo menos a pirataria de produtos (não a de cópia escarrada de cds, software, dvds, etc...que não representa nenhuma contribuição criativa) revela uma vocação que deve ser aproveitada.
O Ministro iluminou-se com a sugestão. Pessoal da sua equipe mais próxima mencionou que o representante do ministério deveria estar muito atento para isso. Há casos (disse-se) de cidades inteiras de vertiginosa produção emulativa (é um nome apena politicamente correto...). Autênticas jazidas de capacidade industrial. Lá não se precisa essencialmente de ensinar a fazer, mas aproveitar o know how, criar uma imagem própria, e aplicar o que o MCT chama (mais palavras politicamente corretas) "inteligência competitiva". Evitar com cuidado as contrafações, e soltar-se livre no domínio público e na criação de design cooperativo. Sem dúvida, inteligência.
Tais cidades e regiões, para suprir o problema da publicidade, deviam poder usar símbolos distintivos regionais, que denotassem o estilo próprio. E a criação dessa imagem é função do Estado. Afinal, orquídias lindas não deixam de praticar parasitismo. E repressão, com qualquer roupagem, é sempre repressão. Sem inteligência é só represão.