Monday, February 07, 2011

“O Estado tem o poder de fazer o bem pelo uso das compras públicas

http://www.protec.org.br

07 de Fevereiro de 2011

Denis Borges Barbosa, advogado especializado em propriedade industrial e inovação
Grande defensor do uso do poder de compra do Estado como incentivo ao desenvolvimento tecnológico, o advogado Denis Borges Barbosa alerta para as vantagens e os perigos da lei 12.349, sancionada ano passado a partir da conversão da Medida Provisória 495. Ela estabelece que licitações públicas poderão ter margens de preferência para produtos e serviços produzidos no Brasil com desenvolvimento de tecnologia. Se de um lado rondam as ameaças de questionamentos na Organização Mundial do Comércio (OMC) e de mau uso pelos gestores públicos, por outro a nova lei representa a oportunidade de o País superar o fantasma da corrupção e da ineficiência. Esta é a aposta do especialista em propriedade industrial e inovação, com mais de 40 anos de experiência.

Barbosa, que também é consultor do Ministério da Saúde para compras e professor da Academia de Propriedade Intelectual e Inovação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), considera que a própria lei demonstra um "ato de coragem", trazendo uma reinterpretação revolucionária da Constituição. Parte de suas considerações sobre o mecanismo de compras públicas estão no livro "Direito de inovação", que chega a sua segunda edição em fevereiro, pela editora Lumen Juris. A seguir, Denis avalia os caminhos tortuosos - e possivelmente frondosos - que o País precisará percorrer para colocar em prática a lei 12.349. A entrevista fará parte de reportagem sobre compras públicas da próxima edição da Pró-Inovação Tecnológica em Revista.

O senhor diz que a lei 12.349/2010 faz uma reinterpretação revolucionária da Constituição. O que isso significa?

Denis Borges Barbosa: O Brasil é um dos raríssimos países do mundo, se não o único, em que o sistema de licitação está na Constituição. Portanto, não pode ser mudado por lei ordinária. Isso sempre tolheu a possibilidade de se usar o sistema de aquisições públicas como incentivo à inovação, uma vez que o artigo 37, inciso XXI, diz que todos os licitantes devem ser tratados de forma igual, isonômica. Se você não pode distinguir entre os que desenvolvem tecnologia e os que não desenvolvem, não há condições de incentivar o processo de inovar por meio de licitação.

Porém, o artigo 218 da Constituição diz que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas. Já o artigo 3, inciso II, aponta que o desenvolvimento é uma das razões de existir do Estado brasileiro. Analisados conjuntamente, os dois dispositivos permitem interpretar o inciso XXI de forma a favorecer o incentivo ao desenvolvimento tecnológico nacional. Logo, pode-se considerar razoável que exista a preferência estabelecida pela Lei 12.349/2010 para empresas nacionais desenvolvedoras de tecnologia que apresentem a preços até 25% superiores nas licitações públicas.

Isso é a interpretação da Constituição a partir de si mesma, sendo considerada um sistema e não um conjunto de normas. Não se pode pegar um dispositivo isolado e interpretá-lo sem ver o restante da Constituição.

Alguns especialistas alertam que o Brasil poderá ser questionado na Organização Mundial do Comércio (OMC) pelo estabelecimento das preferências. Quais podem ser as consequências para o País?

Barbosa: O tratado da OMC para compras públicas restringe com muita clareza o uso do sistema para estimular o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, existe o código de subsídios da OMC, mais genérico, que impede o uso de outros mecanismos de incentivo. É princípio da não discriminação. Porém, o tratado de compras públicas é só para quem aderir. E Brasil nunca foi signatário.

Há, portanto, um potencial problema com o código de subsídios. Se o Brasil for questionado, será criada uma situação de exposição em relação ao comércio exterior. Seria um processo a ser julgado. Mas acho que, pelos benefícios da medida, vale a pena pagar o preço.

O senhor considera o estabelecimento de preferência nas compras públicas um tabu?

Barbosa: Todo o costume em matéria de licitações é mais defensivo para nós. Para impedir corrupções, a regra da isonomia sempre foi interpretada de forma estrita, rigorosa, paranóica. Sempre com medo do favorecimento. Isso acontece em todos os países, mas no Brasil isso impediu até hoje que se reconhecesse que a capacidade de compra do Estado é o melhor instrumento possível de incentivo à inovação. Ficamos acorrentados a um estágio de não desenvolvimento que boa parte dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já superou.

A revolução é enfrentar o fato de que o Estado compra e tem poder de fazer o bem. Deixamos de fazer o bem com medo de que agentes do Estado e políticos venham a fazer o mal. Aprovar a lei 12.349 foi a maior demonstração de coragem do governo Lula.

A lei vale somente para órgãos federais ou também para estados e municípios?

Barbosa: Embora as normas de licitação sejam nacionais, nem todas são aplicáveis aos entes federativos. E essa lei tem certos institutos que não são. Por exemplo, o quanto será dado de margem de preferência precisará ser definido pelo Poder Executivo federal. Porém, isso feito, outros entes da federação que se adequarem às regras poderão também se valer desse tipo de compra. As restrições são mecanismos de segurança pelo controle central para evitar fraudes ao sistema.

A lei desconsidera as margens de preferência "quando não houver produção suficiente de bens manufaturados ou capacidade de prestação dos serviços no País". Ou seja, se a ideia é estimular a inovação, o Estado precisará informar com antecedência as indústrias sobre as concorrências e oferecer suporte à pesquisa e ao desenvolvimento. O senhor concorda?

Barbosa: Se partirmos do princípio de que não temos um governo, a lei não pode existir. Ela deve ser aplicada por um governo competente. Temos que acabar com a ideia de "governo" e "nós". Nós somos o governo. Tudo depende da vontade do País. Por isso, a lei é extremamente ousada e precisa ser estudada com muita prudência e transparência. Mas já estamos tendo uma experiência positiva com as Parcerias Público-Privadas da saúde, que estão acontecendo.

Mas o governo não poderá exigir pronta-entrega nos casos em que o desenvolvimento será necessário.

Barbosa: Acredito que o governo possa permitir que a empresa importe nos primeiros anos e vá aumentando o índice de nacionalização até um limite em que não seja mais permitida a importação.

A lei ainda precisa ser regulamentada? Quais são os desafios que teremos pela frente para sua aplicação?

Barbosa: Não é preciso exatamente que se baixe um regulamento. É possível agir caso a caso, fixando o que se quer que seja objeto de desenvolvimento e inovação. Se não tivermos governo com cabeça voltada para o País, a lei vai desmoralizar a política industrial. O governo tem que tomar a decisão, definindo áreas e margens. É preciso muita coragem para aplicar essa lei. Precisamos superar o velho paradigma de que o Estado só existe para o rei. A ousadia que está por trás da lei é que o Estado é para nós e não para os políticos. Esta é nossa grande questão histórica.

O senhor considera o poder de compra do Estado a melhor forma de incentivar a inovação?

Barbosa: Acredito mais nas compras públicas do que em patentes, subvenção e incentivos fiscais. Os custos de transação das compras públicas são menores, pois o governo não vai mandar um fiscal para ver se o benefício está funcionando. Além disso, um contrato de até 10 anos, em bilhões de reais, justifica qualquer investimento em inovação. Qual é o subsídio que oferece essa capacidade?


(Fonte: Natália Calandrini para Notícias Protec - 07/02/2011)

Thursday, February 03, 2011

A cultura e o barril de porco

Diz o Oxford Concise que "pork barrel" é o uso de dinheiro do governo para projetos destinados a ganhar votos. O dicionary.com consigna que "pork" são verbas, nomeações, etc., feitos pelo governo por razões políticas e não para o interesse público. O WordWeb diz que "pork" é uma verba no orçamento destinada a fazer os legisladores queridos por seus eleitores.

É nesse sentido que o The Economist de 29 de dezembro notava:

Political sleaze often resembles a form of queue-jumping, whether it involves pork, special favours for loyalists, jobs for cronies, or the maintenance of a grandee’s lifestyle at the public’s expense.

Pois é, a parte mais sórdida da política muitas vezes importa em tomar decisões que favorecem quem te pôs no cargo, mesmo que deixando de lado o interesse do público em geral. A nossa Ministra da Cultura, que - apesar de reclamar da sombra que o irmão lhe causa -, vive do negócio de família, se colocou já de início contra o anteprojeto de reforma da lei autoral. Acabando o Ministério, ela vai voltar para seu caldo de cultura, e farinha pouca meu pirão primeiro.

Pessoalmente, não sou um torcedor do anteprojeto, como não o sou do flamengo ou do coríntians. Mas admiro a imensa discussão política que foi feita nos últimos anos em torno dele. Um ministro menos afeito à carne suína estudaria o anteprojeto, as manifestações, o interesse de todos, procurando distinguir o que é o interesse público daquilo que é interesse do seu público. Só depois, caberia definir-se, pelo caminho transcendente do interesse dos brasileiros como um todo, pois é pago para isso.

Gilberto Gil, sendo baiano, poderia até ter mais raízes nas tradições da política nordestina, que provavelmente será a mais tradicional , entre nós, no gênero porcino. Mas a Ministra é de São Paulo (ou do do Ecad, como dizem os jornais, como se o Ecad fosse um município). E isso é ainda mais curioso. Se fosse de Santa Catarina, podia-se suspeitar das cabalas da Sadia no governo da nova presidente: seguramente nossa maior indústria suína apoia a Ministra.