Tuesday, August 28, 2007

A marca é, muitas vezes, o elemento central do contrato de franquia; mas nem sempre. No meu Uma introdução, defino assim:


"franquia é um tipo de negócio jurídico de fundo tecnológico [1], que importa na padronização do aviamento [2] de várias empresas independentes entre si, não necessariamente vinculadas por laços societários diretos ou indiretos. A peculiaridade do franchising está na multiplicação da rede, o que o torna distinto de um contrato de know how somado a uma licença de patentes (o livro erra aqui, queria dizer "marcas"). "



[1] A tecnologia, aí, não é necessariamente técnica, no sentido do direito das patentes: não importará na mudança dos estados da natureza. Como veremos, é predominantemente um know how organizacional e comercial.
[2] Oscar Barreto Filho, Oscar Barreto Filho , Teoria do Estabelecimento Comercial , 2ª edição, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 169: aviamento é "o resultado de um conjunto de variados fatores pessoais, materiais e imateriais, que conferem a dado estabelecimento in concreto a aptidão de produzir lucros". Vide também J.X Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, Freitas Bastos, 1959, vol. V. no. 17. Vivante, Trattato di diritto commerciale, 3o. vol., 3a. ed., no. 840.


Mas não se confunde franquia e licença de marcas:


> Tribunal de Justiça do DF

5ª TURMA CÍVEL APC - APELAÇÃO CÍVEL, 52.337/99 – EMENTA - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – UTILIZAÇÃO DE MARCA COMERCIAL – AUTORIZAÇÃO DA AUTORA – DESNECESSIDADE DE CONTRATO DE FRANQUIA – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA.(...) 2. Atestado que o representante legal da autora autorizou a utilização da marca comercial da mesma pela ré, não procede o pedido de indenização a esse título, sendo despicienda a existência do contrato de franquia a legitimar o referido uso.3. Recurso improvido. Unânime.


O art. 2º, da Lei nº 8.955/94, define o contrato de franquia do modo seguinte:


"Franquia empresarial é o sistema pelo qual o franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços, e eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício".


Assim, existe como essência legal do contrato o uso de marca ou de patente. Entendemos que é errônea essa concepção. Patente dificilmente haverá; e não só marcas constituem a espinha dorsal da franquia. Em muitos casos, sê-lo-á o trade dress [1].



[1] Two Pesos, Inc. V. Taco Cabana, Inc., 505 U.S. 763 (1992) "[T]rade dress" is the total image of the business. Taco Cabana's trade dress may include the shape and general appearance of the exterior of the restaurant, the identifying sign, the interior kitchen floor plan, the decor, the menu, the equipment used to serve food, the servers' uniforms, and other features reflecting on the total image of the restaurant. 1 App. 83-84. The Court of Appeals accepted this definition and quoted from Blue Bell Bio-Medical v. Cin-Bad, Inc., 864 F.2d 1253, 1256 (CA5 1989): "The `trade dress' of a product is essentially its total image and overall appearance." See 932 F.2d 1113, 1118 (CA5 1991). It "involves the total image of a product, and may include features such as size, shape, color or color combinations, texture, graphics, or even particular sales techniques." John H. Harland Co. v. Clarke Checks, Inc., 711 F.2d 966, 980 (CA11 1983). Restatement (Third) of Unfair Competition 16, Comment a (Tent. Draft No. 2, Mar. 23, 1990).

Assim, tem-se que perquerir qual o elemento significativo central da franquia: marca ou trade dress. Vamos supor que seja marca, e ir em frente.

Ainda do mesmo livro:


A lei igualmente estabelece como dever de transparência, imposto ao franqueador, o de esclarecer a situação perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - (INPI) das marcas ou patentes cujo uso estará sendo autorizado por ele.


Assim, salvo se em infração à lei (coisa que não vamos imaginar agora) todos os franqueados sabiam do fato de que não havia, ainda marca concedida. Mas não há em princípio anulabilidade por inexistência de conhecimento do fato de que não há, ainda, marca registrada. Pode haver por outras razões, mas se o fraqueado estava avisado do estado de marca pedida, mas não registrada, os elementos de defeitos de voluntariedade que justificariam essa anulabilidade inexistem.

Mas marca havia, e ainda há. Marca não registrada marca é, e se realiza goodwill por 10 anos, é marca substantiva. O registro, e a exclusividade resultante, é um atributo importante, central mesmo, mas não retira a substantividade dos anos de prestação complexa (sendo a marca apenas um elemento). Nulidade, com seus efeitos ex tunc, não cabe.

Nem nulidade, nem anulabilidade; no meu entender, há, sim, uma falta parcial de objeto do contrato, superveniente. Não se presuma responsabilidade do franqueador. Dez anos para conceder marca é responsabilidade da União (ou do INPI) e o eventual dano merece ser cobrado do ente público. Assim, cabem duas perguntas: a) subsiste o contrato? b) há maneiras jurídicas de remediá-lo?

A primeira questão passa pela unicidade ou junção fáctica de contratos.


Diz Marçal Justen Filho [1]:

"A franquia é um contrato complexo nessa acepção. É inviável nela divisar a conjugação de uma pluralidade de contratos autônomos (senão em acepção que será adiante apontada), que se somam por justaposição. Não se trata da cumulação de contrato de cessão de marca com contrato de transferência de tecnologia e outros contratos, cada um com individualidade própria. Há um plexo de deveres impostos a ambas as partes, onde a transferência de tecnologia é indissociável da cessão do uso de marca e dos demais pactos. Esses deveres não são unilaterais, muito pelo contrário.





[1] ISS e as atividades de Franchising, Revista
de Direito Tributário, vol. 64, págs. 242/256


Concordando, neste ponto, com o autor, entendo que há unicidade na complexidade. É o contrato todo que carece de objeto, mas carece parcialmente de objeto. O peso das várias prestações oferecidas vai dar, factualmente, pela possibilidade de subsistência, ou não do contrato.

Neste mundo de flutuação de imagens, marcas podem ser mudadas. No meu tempo, a Unisys se chamava Boroughs, a IBM já se chamou Hollerith..... Esse risco - o da eventual inexistência de registro - foi tomado pela cadeia, se a obrigação de informação foi adequadamente prestada como a lei exige. No interesse geral, cabe fazer esta mudança, com prudência e boa técnica, se possível usando as técnicas de fading in e creeping out. Eu mesmo tive oportunidade de usar esse sistema no caso da Oxiteno, quando após anos foi . Funcionou, e ninguém sequer notou a mudança.