Wednesday, October 22, 2008

Retaliações na OMC

Com a decisão da OMC de ontem, noticiada nos jornais, abre-se para o Brasil a possibilidade e até a necessidade de retaliações contra os subsídios de algodão americano. Se o Brasil for seguir o caminho do Equador, no caso das suas bananas contra a União Européia, poderemos ter retaliação cruzada em Propriedade Intelectual. SE o Governo Federal entender razoáveis as sugestões que dei da ultima vez em que fui perguntado, suspensão de pagamentos de frutos (royalties), com constituição de fundo para compensar os danos aos nossos exportadores de algodão. Exceção: receitas cinematográficas empregadas em co-produções aqui através de benefícios fiscais. Em matéria de contra-medidas em comércio internacional (dizia o Embaixador Richard Gardner, meu professor disso em Columbia) é prudente agir claro, rápido e decisivamente, com cuidado de não dar tiro no pé. E repetia sempre: in international trade law, there is no clean hands principle. Ou seja, quem aplica as sanções não carece mostrar que está cumprindo suas própria obrigações perante a OMC.... __._,_.___

Profetas do Velho Testamento D.O.C.

Passeando pela Bíblia, fui pesquisar se Propriedade Intelectual tem as bênçãos dos Testamentos. Pelo menos as indicações geográficas têm:
Os 14.7 Voltarão os que habitam à sua sombra; reverdecerão como o trigo, e florescerão como a vide; o seu renome será como o do vinho do Líbano

ANVISA regulamenta sua intervenção

Docemente, a ANVISA cria - do nada -, uma
excelente oportunidade de trabalho para os
escritórios de patentes. Exigências, oposições,
recursos, uma elaborada retórica de due process
para se opor, substantivamente, aos interesses da
saúde do povo brasileiro a quem na aparência
rende preito. Deve ser uma ofensiva de relações
públicas, contrapondo-se à perspectiva de perda
de demanda eventualmente resultante do Protocolo
de Madri, originária do INPI. A corporação agradece.


Como cidadão, porém, agradeceria imensamente se
se revogasse esse normativo, e estabelecesse um
breve ato conjunto INPI-ANVISA para resolver o
impasse. A teoria de quem berra mais alto ganha a
briga não funciona nem em rinha de galos.

A trilateral vai acabar com o PCT?

Fim do PCT, não acredito. Mas eliminação da importância prática da OMPI, talvez. No relatório que preparamos, como consultores do MCT, sobre o status da situação internacional de PI, em 2007, indiquei que a trilateral estava tomando já a tempo um papel mais importante do que a OMPI. Parece-me que, assim como a politização da OMPI na década de 70 (através da Nova Ordem Econômica e do grupo dos 77) contribuiu para a criação de TRIPs na OMC, a nova politização corrente (com iniciativas tipo a nossa agenda de desenvolvimento, a qual sem dúvida apóio...) reforça a funcionalização de grupos bilaterais e multlaterais, fora da agência internacional de PI. Confesso que não fui eu que percebi isso: um diplomata sueco me veio ao escritório para discutir esse tema (aparentemente a Suécia se acha excluída do processo). Segundo ele, "estavam" extraindo da OMPI toda discussão séria. Vamos ver o SLPT, se pega mesmo, ou se esses processos a latere não cobrem o que é mesmo importante.

MU resedenhado

Como discutimos recentemente numa palestra com o pessoal de química e farmacêutica no INPI, entendo que uma linha de pesquisa essencial para o sistema de inovação brasileiro é o bom uso de uma patente de inovação incremental, no estilo do modelo de utilidade. Nosso MU, no entanto, talvez porque não diga respeito ao interesse central dos major players internacionais, está desfuncional, sub-utilizado e num modelo sub-ótimo. Em outros ambientes, vem constituindo uma solução importante contra o modelo cristalizado de uma patente ao estilo do art. 27 de TRIPs. Para isso será necessário testar a hipótese num modelo de desenho econômico, estudar as alterações do sistema legal existente e propor modificações que otimizem o sistema neste propósito.

Entendo que essa pesquisa seja imensamente mais importante do que muitos outros temas "de moda" ou politicamente corretos. Tenho material e muito interesse em orientar pesquisas nesse sentido, formal ou informalmente. Para quem gosta de enfrentar questões de importância para o mundo real, pode ser interessante. __._,_.___

Agenda do desenvolvimento

A política pública corrente em favor da solidificação do domínio público utilizável é, essencialmente, no campo autoral. A CF88, art. 218 par. 2o., c/c art. 12 da Lei de Inovação estabelece uma política pública de fundo constitucional que obriga à apropriação das tecnologias promovidas ou incentivadas pelo Estado em favor do sistema produtivo nacional e regional. Isso é o que se persegue na Agenda de Desenvolvimento. Não há, pelo que entendo, necessidade de rever discurso nenhum, mas talvez tornar mais evidente a política pública matizada, complexa e coerente que está incrustrada no nosso sistema legal. De outro lado, bem que se poderia ter mais coerência entre a política legal brasileira e o discurso internacionalizante de certos executivos públicos, que não se afinam com a norma em vigor.


Apoio ou rejeição às patentes à uma questão de mundo real, não de discurso de eleição de vereador. Neste momento, o Brasil tem 0,09% de interesse pelas patentes, e deveria ser esse o tamanho do apoio. Mas a idéia da Agenda de Desenvolvimento, que representa precisamente a mesma política seguida desde a intervenção de Guerreiro Ramos na Assembléia Geral da ONU, em NY, em 3/9/1961, indica a crença de que se quer MAIS PATENTES, que esse 0.09% não é só incompetência nossa, mas o resultado de barreiras à entrada ao mundo das patentes que têm de ser removidas, para se chegar pelo menos aos 2% que nossas publicações científicas representam de contribuição ao domínio público mundial.

A agenda de desenvolvimento é a maior ode à patente que jamais enunciaram os países em desenvolvimento. Não é, de jeito nenhum, uma recusa do sistema, mas um ME TOO cantado em dó de peito. O problema é que o "me too "é ouvido como "less you" - o que na verdade é, ainda que só percentualmente. Assim, vem a retórica de que nossa política pública é contra patentes, quando é, somente, contra o "just only you". Eu e toda a política pública brasileira estamos sequiosos para o momento em que as patentes brasileiras sejam sujeitas a uso público não comercial pelo Departamente de Defesa americano, que lá (imagine-se), usa vastamente o discurso do interesse público, como se o sistema de patentes fosse contra ele.

O que o Brasil quer é também ter suas patentes licenciadas compulsoriamente nos países da OECD....
E o resto...é discurso de candidato a vereador.....

Germoplasma e tiro no pé

O tema Diversidade é um; o tema Desenvolvimento é outro. A única coisa em comum entre os dois é uma aparência de convergência. A transposição do tema de diversidade do âmbito do meio-ambiente para o campo de política internacional da propriedade intelectual é, a meu ver, anti-desenvolvimentista. Só se justifica a adoção da história de conhecimentos tradicionais e origem de germoplasma na agenda brasileira no OMPI como um expediente retórico para se manter na liderança do grupo dos antigos 77`. É justificável desde que o Itamarati não acredite no tema, aliás só útil para monografias de graduação e sites de ONG tão bem intencionadas quanto chás de caridade.

O tema do desenvolvimento é outra coisa. Faz parte da agenda brasileira desde o ISEB, e teve seu ponto crucial na intervenção de Guerreiro Ramos na Assembléia Geral da ONU em setembro de 1961. Essencialmente é a postulação pela igualdade substantiva entre os povos, assim como Brown v. Board of Education melhorou a desigualdade racial no mundo todo. Vide Obama. A Agenda de desenvolvimento de agora é nada mais que a continuação dessa postura. Embora como participante da militância disso desde 1979, como um dos delegados brasileiros às negociações do CODETOT na UNCTAD, não mudo minha visão: nada deu certo na história da diplomacia brasileira quanto a isso, nestes 47 anos, mas isso não é razão para estar errada: o sucesso só é sinal de verdade numa perspectiva à Jeremy Bentham. Eu fico com lemazinho de msn: c'est bien plus beau lorsque c'est inutile.

EM trabalho recente, tive ocasião de enfatizar a atualidade do tema do desenvolvimento para a PI: Borges Barbosa, Denis , Chon, Margaret and Moncayo von Hase, Andres, "Slouching Towards Development in International Intellectual Property" . Michigan State Law Review, Vol. 2007, No. 1, 2008 Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=1081366 . É preciso insistir nesse argumento como ponto de dialética dos interesses no campo internacional: sem ilusões de que vá prevalecer, mas com a certeza de que o resultado histórico vai ser afetado (ainda que marginalmente) por ele.

Agora, não acredite que qualquer posição brasileira em favor do pleno aproveitamento do domínio público seja anti-patente. Rodízio de carros em São Paulo não é campanha contra a Volkswagen. Você é engenheiro, é só por isso vou lembrar um dos fundamentos da profissão do advogado (e da diplomacia): quem acredita nos próprios argumentos está desservindo ao cliente. Para que haja justiça (e é isso que se visa com o tema do desenvolvimento) é preciso que se tenham argumentos e controvérsia. É na pluralidade de interesses expressos que se tem a eficácia da minha profissão. A posição do Itamarati nos foros internacionais é de advocacia dos interesses brasileiros. Para bom entendedor....

Tuesday, April 22, 2008

Não sei se existe uma Teoria dos Signos. Na minha tese doutoral (Semiologia das Marcas) aponto duas linhas de produção científica (Semiologia, para Saussure, Semiótica, para Pierce), que manifestam terminologias e problemáticas bastante diversas. Poderia citar outros corpos teóricos muito articulados, para os quais "signo" tem acepções não exatamente iguais ao que aponta a colega Michelle Copetti, mas simplesmente, e por preguiça, usei a construção teórica com que me acostumei na década de 60`.

No entanto, quando me foi dado escrever o texto do art. 5o. XXIX (não vou repetir o que disse muitas vezes) não utilizei de nenhum aporte da semiologia, semiótica, antopologia, cibernética, teoria da informação, ou outra teoria dos signos (apesar de sempre ter gostado e estudado nesses corpos de conhecimento). Usei, simplesmente, uma nomenclatura aceitável à propriedade intelectual, cujo sentido (como se depreende do contexto) é oferecer um nom de gendre que acolhesse a marca, o nome empresarial e todos outros objetos da propriedade intelectual presentemente protegidos ou que, sob a bênção constitucional, possam sê-lo no futuro (como o trade dress).

A expressão "sinais distintivos" é de tradição no nosso direito. Dídimo da Veiga o utilizou no primeiro tratado brasileiro, de 1887, e persiste a nomenclatura. Sessenta anos antes que a noção de "sinal" que menciona a colega fosse formulada por Claude Elwood Shannon, no seu texto A Mathematical Theory of Communication. publicado no ano em que nasci. Já Pouillet, no seu tratado (minha edição é de 1892, mas é 3a. ed.), começa dizendo "L´idée de mettre sur les objects fabriqués un signe...". Tenho para mim que - no plano de nosso campo do direito, a tradição toma como equivalente sinal e signo, sem, de forma alguma, arguir-se a distinção suscitada pela colega.

Assim é que ouso sugerir que não se use a distinção sinal e signo para qualquer doação de sentido às diferenças terminológicas (....marginais) entre o CPI/96 e a Constituição. Eu escolhi "nome de empresa" para colocar na CF88 apesar de a nomenclatura corrente à época preferir "nome comercial" corrente à época, e o NCC acabou adotando "nome empresarial". Ninguém imagine que são coisas diversas. Como disse Romeu (ou Julieta, já não me lembro) "What’s in a name? That which we call a rose / By any other name would smell as sweet"

Monday, April 14, 2008

O tema ensino de PI obviamente me interessa muito. Conversei com o Gustavo Leonardos para criarmos uma comissão sobre isso na ABPI; deu-se início formal à ideía, mas nunca se reuniu o grupo. Conversei com a Juliana, que se mostrou igualmente sensibilizada. Vamos ver.

Acho o trabalho da Maristela Basso, com o entusiasmo da Patrícia Carvalho sobre currículo de PI nas faculdades um marco extremamente favorável.

Estou completamente de acordo que a PI deva ser uma matéria obrigatória....para a faculdade. Deve haver oferta necessária, ainda que não escolha impositiva.

Lá pelo meu 9o. ano de faculdade de direito (5 de graduação na Universidade do Estado da Guanabara, 3 de mestrado - o único que havia no Rio - na Gama Filho, mais um de submersão no mestrado da Columbia) me dei conta dessa distinção interessante entre aprender direito e pensar juridicamente. No primeiro dia de aula no método socrático "puro" de Columbia, percebi que nosso sistema romanístico não nos prepara para as habilidades exigidas pelo sistema de lá. Nem eu, nem os colegas alemães, franceses, suíços, etc., todos pós-graduados, muitos doutores, não conseguíamos acompanhar dez minutos de uma aula de primeiro dia de aluno americano.

O sistema de ensino na Ivy league privilegia exatamente o pensar juridicamente, ao saber direito substantivo. Durante algum tempo, convivi no meu escritório com colegas ingleses e americanos; observação reiterada que me faziam: nossos recém formados, que passaram por três ou mais anos de estágio e exame de ordem, são mais preparados como advogados do que o first year associate deles (e - incidentemente - que as recém formadas são mais femininas, tese comprovada pelo fato de que todos tais colegas me carregaram minhas associadas como esposas, ao voltar ao exterior).

A questão é: qual o crescimento posterior desse povo que é treinado a pensar, mas sem saber direito material? Um artigo publicado sexta feira -
The Elastic Tournament: The Second Transformation of the Big Law Firm, em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1104711 - analisa o processo de formação pós-faculdade desse povo, e enfatiza que o "mentoring", o que se aprende dos advogados mais velhos, é um elemento crucial da criação do profissional. Ou seja, o sistema que o André propugna presume que a formação do advogado apenas comece na faculdade. O nosso sistema supõe que o advogado saia formado. Duas estratégias profissionais (e não só acadêmicas) diversas.

Isso posto, pergunto: se é para ensinar a pensar direito, Propriedade Intelectual não é um excelente pretexto? Haverá capítulo da enciclopédia jurídica mais em estado de devir, mais mutável, em que se criem mais institutos novos? Estou ensinando PI faz uns 24 anos, e ainda tenho de refazer cada aula.

Wednesday, April 02, 2008

Quando na ativa como Procurador do Município do Rio, me veio à apreciação a questão do Cristo Redentor: os alegados titulares do respectivo direito autoral pretendiam fazê-lo valer contra o Município. Minha intervenção, encontrada em http://denisbarbosa.addr.com/O%20Caso%20do%20Cristo%20Redentor.doc, não segue a idéia de que as limitações sejam restritivas, nem, ao contrário, ampliativas, mas simplesmente funcionais: qual o propósito da limitação, como ponderação de interesses contrastantes?

Assim disse:


Note-se que na verdade o art. 48 da Lei 9610/98 tem por indiferente a propriedade da área onde se situa a obra escultural. Se há acesso público, e a obra está sujeita à livre fruição da população em geral, existe liberdade de representação. O fator determinante para limitação ao direito autoral, ao que entendo, é o fato de que a fruição já é pública, não cabendo assim retirada desta faculdade do domínio público; para mim, a exata classificação do lugar onde se situa a obra como logradouro ou não é sutileza bizantina em face da análise funcional das propriedades, que enfatiza sua destinação social.
Não se argua, de outro lado, o intuito protetor da lei autoral, que faz interpretar em favor do autor as disposições negociais [1]. No caso, não estamos interpretando negócios jurídicos, mas texto legal, e existem dois objetos de tutela igualmente dignos de proteção – a criatividade e a fruição pública da arte. Assim, a racionalidade e a funcionalidade são os critérios heurísticos relevantes [2], não o viés pro autorem, que se aplica no contexto privado.


[1] Lei 9.610/98 - Art. 4o Interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre os direitos autorais.
[2] Vide o Parecer PG/CES/01/00-DBB, onde longamente me estendo quanto ao conflito de interesses igualmente protegidos pela Constituição.
Sentei numa banca de monografia
da UERJ em que a bacharelanda, estagária da
Globo, manifestou-se em favor de uma licença
compulsória geral contra herdeiros. Para ela,
enquanto vivo, o autor tem interesse em cumprir o
dever social maior de expressar-se e criar para a
sociedade; mas, após a morte, o peso dos valores
se altera, e a sociedade acaba perdendo em acesso
à cultura tanto pela redução da obra a um
interesse monetário, quanto pela frequente incerteza e mesmo caos condominial.


Acho interessante a proposta, e não incompatível
com o texto constitucional: XXVII - aos autores
pertence o direito exclusivo de utilização,
publicação ou reprodução de suas obras,
transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei
fixar. Na economia dos interesses em jogo, esse
"tempo", que já significa uma contenção da
potestade constitucional do autor, se converte
razoavelmente em "condições", eis que que pode
fixar quatro anos, pode fazê-lo em oito, mas de
forma contida. A lei deveria assegurar aos
herdeiros um direito aos fructi, mas não um um
poder de privar a sociedade ao acesso à obra;
previsão de consignação e de fixação judicial,
administrativa ou mesmo arbitral de valor justo se impõe.

Wednesday, March 26, 2008

Notícia do NYT de hoje me acorda para uma velha cisma que tenho com o art. 210 do CPI/96, quando ele preceitua que "Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado ....". Sempre me pareceu que o dispositivo, transplantado de uma tradição internacional, não é compatível com nosso sistema constitucional.

A notícia informa que, no juízo de delibação, julgados americanos importando em indenização punitiva são ercusados na Itália:

As the Italian court explained, private lawsuits brought by injured people should have only one goal ­ compensation for a loss. Allowing separate awards meant to punish the defendant, foreign courts say, is a terrible idea.

Punishments, they say, should be meted out only by the criminal justice system, with its elaborate due process protections and disinterested prosecutors. It is not fair, they add, to give plaintiffs a windfall beyond what they have lost
É exatamente o que venho dizendo. O sistema do processo civil visa a recomposição do dano injusto. O sistema punitivo - penal ou administrativo - tem e deve ter outro sistema de proteção aos interesses do "punido", segundo o art. 5o. LIV da CF88. É uma questão de devido processo legal.

A segunda observação do tribunal italiano toca a outro ponto: punição em favor do prejudicado viola o próprio conceito do sistema da Justiça, em que o Estado se substiui à vindicta privada, subrrogando-se na lide. A única leitura que posso dar ao art. 210 é: "Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais adequado à reparação do dano....". A regra do enriquecimento sem causa, de outro lado, implicaria que eventuais punições monetárias vertessem aos cofres públicos, e não ao particular - que no Brasil já se favorece com a sucumbência.

Um sistema constitucional que prevê danos morais (e sucumbência, que não é regra geral no direito americano) não é compatível com "critério mais favorável ao prejudicado ...."., ou dispensa da porova do dano em ações de PI. Gama Cerqueira propugnava essa dispensabilidade, mas num sistema em que o dano moral inexistia. A notícia do NYT lembra isso:

“Until well into the 19th century,” Justice John Paul Stevens of the Supreme Court wrote in 2001, “punitive damages frequently operated to compensate for intangible injuries” like pain and suffering or emotional distress.

Como meus textos e aulas provavelmente expressam, sou muito influenciado pelo direito romano clássico e pelo direito americano (a versão corrente do direito romano em construção). Mas esse excesso do CPI/96, que veio sim de um precedente americano que se espalha pela PI do mundo, assim como a noção jurisprdencial de que reparação em PI prescinde prova do dano, não dá para aceitar enquanto houver a preocupação do devido processo legal.

Saturday, March 22, 2008

Diz o IP Watch hoje:
Discussions on the relationship of the TRIPS agreement to the United Nations Convention on Biological Diversity (CBD), the protection of traditional knowledge and folklore, and a review of TRIPS Article 27.3b, which covers the possible patenting of innovations on life forms, such as plant varieties, are standing agenda items of the council, as mandated by the 2001 Doha Declaration. This includes taking into account development issues as well as the original aims of the TRIPS agreement.
A nota consigna que pelo menos metade dos países membros da OMC estão de acordo com a introdução, no art. 27 de TRIPs (ou em outro lugar) uma obrigação de indicar a fonte do conhecimento ou do objeto a ser analisado com vistas ao conhecimento, para atribuir algum tipo de retorno material às comunidades os nações da fonte do conhecimento ou do objeto. Não se carece da nota para se ter presente o grande número de movimentos e tendências não-governamentais que subscrevem esse objetivo.

Embora, pessoalmente, minha formação seja no âmbito da cultura e da antropologia cultural, não posso deixar de entrever nesses movimentos uma séria disfunção política.

Estavamos nos instantes finais da Conferência de Revisão da CUP em 1980 (Genebra), logo após a já recitada intervenção da delegação americana avisando que a Revisão, apesar de um só voto contra (o dos EUA) não ía continuar, quando o delegado da Costa do Marfim, inopinadamente, suscita o então inaudito tema de PI e biodiversidade. Todas as delegações ansiosas para acabar a longa sessão de mais de um mês, e a intervenção soou como inoportuna. Mas o chefe da delegação brasileira, Embaixador Miguel Osório de Almeida comentou, "na lata": é um tema diversionário. Uma semente "vendida pelos americanos" para distrair a atenção dos objetivos do desenvolvimento.

Concordei, e não parei ainda de concordar. Não me oporia jamais à tese linda de que o folclore, o conhecimento selvagem, e os detentores da biodiversidade merecem respeito. Mas só posso notar que o resultado real dessa discussão é o diversionarismo no que toca à discussão do desenvolvimento. Como um tema de retórica, permite aos países da OECD fazer concessões marginais, gastando enquanto isso imensas proporções da libido e dos recursos políticos e diplomáticos - sempre limitados - dos países em desenvolvimento. Para usar uma noção da economia do comércio internacional, os termos de troca são terrivelmente desproporcionais em face das necessidades reais do nosso grupo de países.

Mas muito mais doentio é quando um país - e falo do Brasil - incorpora essa retórica contra seus próprios interesses. A perversidade da burocracia recém-criada, que contigencia o pedido de patente brasileiro às liberações de fontes de biodiversidade, é o tiro no pé mais irracional da PI em muito tempo. Tenho postulado pela mais ampla patenteabilidade da bioetc entre nós, em face dos interesse brasileiros. Pois essa nova restrição, construída para "manter coerência" com o discurso do embaixador da Costa do Marfim, é um tiro-no-pé com calibre 12.

Ainda mais, por irracional na forma. No regime do Código Civil de 1916, a virgindade era - pelo menos - tâo importante quando a biodiversidade é hoje. Mas não se criou um exame público prévio para atestar a virgindade: a declaração de nulidade após o casamento, com decadência de 24 horas, bastou para atender à retórica da época. Na Babilônia (como narra Heródoto) a mesma retórica tinha solução ainda mais funcional: um deflorador público, pago pelo Estado babilônico, resolvia a dúvida antes de todos casamentos. Não havia dúvidas, sem decadência em 24 horas.

Wednesday, March 12, 2008

Refiro-me à Nota Técnica da SDE referente ao caso que envolve montadoras e respectivos desenhos industriais e as fabricantes independentes de autopeças

Há muito tempo, estava indicando que esse pleito na SDE era a questão mais importante para o desenvolvimento da propriedade intelectual no Brasil. O reconhecimento de que a PI é condicionada aos interesses da concorrência, como uma forma dinâmica de estimulá-la, sem prejuízos irrazoáveis aos benefícios concorrenciais estáticos. A importância da decisão seria - em qualquer lado que tomasse - o de proclamar a fase adulta da PI no nosso país. Já expressei minha opinião aqui sobre quem (eu entendo) tivesse razão no dissídio. Mas não é disso que falo.

Essa decisão da SDE, no entanto, é um descalabro. Superficialmente, favorece um sub-setor do investimento estrangeiro. Substancialmente, afeta a importância da PI de todos os demais setores do investimento estrangeiro, ao colocar esse capítulo do nosso direito na retaguarda da evolução da Propriedade Intelectual tal como efetivamente praticada nos países da OECD. Quem quer racionalidade de economia de mercado na política de PI, a racionalidade que preside o sistema nos países de liderança internacional, quer os CADE da vida regulando a questão, e não os Ministérios da Saúde, os MIDICs e os economistas industriais de toda extração. Estou nesse campo desse povo porque - no contexto brasileiro - é o que melhor propõe racionalidade no tratamento de nossa matéria.

Mas acredito que política de PI deve ser, se possível, uma política de concorrência. de eficiência equilibrada, de balanceamento socialmente eficiente entre os efeitos schumpterianos da inovação. Essa decisão da SDE nos lança de novo na necessidade de uma política interventiva. A falta de um Posner na SDE acaba legitimando (e muito) uma política de Prebisch.

Em suma, titulares de PI do setor químico e farmacêutico, biotecnologia & coetera: levaram hoje uma chibatada de longo alcance. Parabéns ao investimento automobilístico.

Tuesday, March 11, 2008

Da série: o pibrasil não viu

Queria trazer aqui uma ponderação sobre a necessidade de trazer inteligência constitucional à interpretação do CPI/96, especificamente no tocante às invenções da área biotec. Em um trabalho relativamente recente (Maria Ester Dal Poz e Denis Borges Barbosa, Incertezas e riscos no patenteamento de Biotecnologias: a situação brasileira corrente, Capítulo do livro Propriedade Intelectual e Biotecnologia, Vanessa Iacomini,org., 228 pgs,Juruá Editora, 20/8/2007, encontrado em http://denisbarbosa.addr.com/esterdenis.pdf) foi expressa a impressão de que, para as políticas públicas brasileiras, o setor de biotec nos obriga a uma interpretação expansiva e pró-patente.

A raiz constitucional dessa convicção é o do importantíssimo julgamento da corte constitucional italiana, que, por meio de simples interpretação constitucional, introduziu a patente de medicamentos naquele sistema jurídico, em 1978:

Na realidade, nos últimos anos a tomada de consciência da ausência superveniente de todo fundamento racional da exceção cresceu concomitantemente com a afirmação do valor da pesquisa técnico-científica e do dever da República para promovê-la; com a mais elevada capacidade da indústria farmacêutica italiana em organizar a pesquisa, também em relação às condições de competitividade com os outros países; e finalmente com as mais intensas relações com os mercados estrangeiros, particularmente no âmbito dos estados pertencentes à organização do Conselho da Europa e aqueles da Comunidade Econômica Européia (como resta provado pelas convenções estipuladas pelo governo italiano, todas orientadas a restringir ou a eliminar radicalmente a possibilidade de vedar a concessão da patente em setores específicos). (Corte Constitucional da Itália, 1978, Sentenza 20/1978 )
Ou seja, a leitura de acordo com a constitução leva leva em conta exatamente o equilíbrio dos interesses nacionais em face do processo de patenteamento, e quando mudam os pressupostos, exigindo um reequilíbrio de interesses, tal deve ser expresso não só na política pública mas na aplicação da norma. Como, neste caso, não há nenhuma necessidade de alteração normativa, mas de simples aplicação de norma, trago aqui minhas observações.

Numa conversa, vigorosa e sólida, com uma examinadora de patentes do INPI, da área biotec, confirmei o que intuía: a prática corrente é tratar o 10,X como se fosse uma proibição política - como se tratasse do art. 18. Tenho afirmado minha convicção (vide o meu artigo sobre patentes de software que saiu em dois números da revista da abpi ano passado) de que o art. 10, exigindo que haja "invento", expressa a necessidade constitucional de que haja - como pressuposto de patenteabilidade - uma solução técnica para um problema técnico.

Ou seja, trata-se de um requisito estrutural, e não incidental (como são as proibições do art. 18) do sistema patentário. Mas a leitura literal do art 10 não distingue entre o art. 10 e o 18; a prática é apenas preceder a aplicação do artigo de número menor. A doutrina e jurisprudência (vejam o tal artigo a que referi) apontam para a funcionalidade do disposto no nosso art. 10: não é um conjunto de proibições, mas de índices. EM princípio, um algoritmo (e sempre, se se descreve um algoritmo em si mesmo) não resolve um problema técnico com uma solução técnica. Mas qualquer solução técnica, que resolva um problema técnico (e não somente prático à maneira do julgado State street, ora sob reexame) , importe ou não em uso de algoritmo, será invento. Ou, numa área em que sou "técnico", um conhecimento de natureza estética (como executar o estilo ornamental francês do séc. XVII, na pesquisa do Early Music Laboratory de Sol Babitz) não será invento, mas alguma coisa que me facilite fazer apoggiatura no f# da minha flauta de forma repetível e "industrial", será.

Argumenta-se com a idéia (onde está a fonte próxima disso? no Chakrabarty? ....leram sem atenção) de que no produto natural não há INTERVENÇÂO HUMANA. Intervenção humana não é requisito de invento, e sim de apropriação. Se há uma solução técnica para um problema técnico, mas não houve o ato de autoria da solução, simplesmente os efeitos patrimoniais da invenção não serão atribuíveis àquele que se arroga inventor. A falta de intervenção humana é uma questão de imputabilidade da solução a um determinado sujeito de direito. Invento é a capacidade de resolver uma questão técnica.

Assim, como já explicava o velho Waldemar Ferreira:
“(...) pode ocorrer que as fôrças da natureza sejam surpreendidas não somente em suas leis , mas dominadas a serviço de nosso bem-estar. A invenção condiz com o domínio do útil e, como tal, se contrapõe à descoberta, que se refere ao domínio da verdade, devendo traduzir-se em nova utilidade.” FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. Volume VI. São Paulo: Edição Saraiva, 1962.
Como a noção de "utilidade industrial" refere-se ao requisito da repetibilidade:
“A invenção deve ser real, por outra, a possibilidade de realizar, de executar a idéia do inventor é condição essencial para o reconhecimento legal dela. Isso significa que a invenção deve ser apta a produzir, com os mesmos meios, resultados constantemente iguais; que deve ser suscetível de repetição, estabelecendo o seu autor a relação de causa e efeito entre os meios empregados e o resultado obtido e realizado na invenção. Assim, são excluídas da proteção legal as invenções charlatanescas, que visam a abusar da credulidade do público.” (MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. Atualizado por Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russell Editores, 2003.,p. 153)
Há, no entanto, uma cláusula do art. 10, X que entendo na verdade uma proibição política: a que, indicando que só há invento quando haja solução técnica, excepciona dessa regra o IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais". Carlos Correa já apontou que isso é pura política pública, e má política no tocante ao Brasil. Isso é matéria do art. 18, e deve assim ser tratado, salvo mudança normativa pelo Congresso.

Assim é que entendo necessária a alteração da prática do INPI em interpretar literalmente o art. 10, X. Não é a "todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza" que é vedado o patenteamento, mas àqueles elementos que não apresentem uma solução técnica para um problema técnico (com a exceção apontada).

Entendo também (e isso tenho expressado seguidamente a alguns integrantes do GIPI) que essa interpretação (ou qualquer outra, inclusive a discutida nos grupos de estudo em curso no INPI), como expressão de uma política pública (no caso, a literalidade é uma política pública, de caráter naïve e formulada no âmbito puramente técnico, o que é antidemocrático) deve ser expressa como decisão orgânica de estado. Uma diretriz. E quando necessário, a política deve ser submetida ao Poder Legislativo. Como a proibição de patentes de segundo uso, o que acho justíssimo, mas não por decisão do board da Anvisa. Aliás está sendo projeto de lei, sob os comentários de que seria "uma descoberta". O que - sendo solução técnica - não é. Pode até não ser de quem pede patente, mas não deixa nunca de ser invento.

Thursday, March 06, 2008

Num parecer recente, está a seguinte nota de pé de página, que acabou não sendo reproduzida no artigo dele extraído (BARBOSA, Denis Borges. PORTO, Patrícia Carvalho da Rocha. BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. O patronímico como elemento de marca. Aracaju: Evocati Revista n. 25, jan. 2008 Disponível em: < http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=188 >. Acesso em: 06/03/2008)

O nome de fantasia, levado às Juntas de Comércio sem que o preveja a lei regente, correspondente ao d/b/a da prática americana, constitui-se em criação costumeira, embora citado até em decisão do STF (RE-107892/PR Ministro Rafael Mayer. J. 23/5/86). Diz a Wikipedia em português, consultada em 17/1/2008, numa expressão imprecisa quanto ao direito, mas expressiva da situação fática: “Nome fantasia (nome comercial, nome de fachada) é a designação utilizada por uma instituição (empresa, associação etc), seja pública ou privada, sob a qual ela se torna conhecida do público. Esta denominação opõe-se à razão social, que é o nome utilizado perante os órgãos públicos de registro das pessoas jurídicas. O nome fantasia pode ser formado a partir de palavras ou expressões oriundas da razão social, bem como pode ser criado a partir da criatividade do empresário e de sua assessoria de marketing. Igualmente, o nome fantasia pode ser a fonte para a elaboração da razão social. (...)". Autores, como TOMAZETTE, Marlon, A proteção ao nome empresarial, encontrado em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8456, visitado em 17/1/2008, assimilam título de estabelecimento e nome de fantasia, o que parece ser erronia; o nome de fantasia (ou nome fantasia) é designativo da pessoa, e não do local. Note-se que a anotação do nome de fantasia constitui obrigação tributária acessória junto à Receita Federal, constituindo sua alteração evento próprio (221) relativo ao CNPJ. Poder-se-ía defini-lo como o elemento significativo designativo da pessoa empresarial, desprovido dos atributos de cunho regulatório que indicam a natureza jurídica e a responsabilidade societária. A prática registral sanitária também usa da expressão, em sentido diverso.

Friday, February 29, 2008

As duas vertentes do progresso técnico ou da solução alternativa se degladiaram por cerca de 60 anos; aquela (para se ter patente necessita-se de uma melhor solução) na tradição alemã; esta (basta se ter uma OUTRA solução), na tradição de quase todo o resto do mundo.

Diz a nota 110 do nosso estudo Atividade inventiva: objetividade do exame:

Na Alemanha, surge como uma construção doutrinária logo assimilada pelos tribunais, o da altura inventiva (Erfindungshöhe) e o da surpresa do efeito técnico (Ueberraschend Erfolg) [1]. A primeira noção partia do princípio de que para se ter patente era necessário um progresso técnico, uma melhora na tecnologia, e não só uma alternativa à tecnologia existente [2].


[1] WIRTH, Das Mass der Erfìndungshohe. Berlin, Heymann, 1906. Vide STEFANIS, Pietro. Novitá Inventiva e Novitá Intuitiva. Firenze: Societá Editrice Toscana, 1932, p. 24-36. Nota CABANELLAS, op. cit.: “En un segundo grupo de países, el desarrollo de una noción clara de actividad inventiva se vio obstaculizada por su confusión con criterios basados en la utilidad de la invención o en el avance de la técnica logrado por ésta. Tal fue el caso, en particular, de Alemania. Estos criterios presentaban la dificultad de confundir un estándar esencialmente tecnológico, como es el de la diferencia existente entre la técnica anterior y la aportada por el supuesto inventor, con estándares de tipo económico -la ventaja competitiva derivada de la invención-, finalista -la medida en que la invención satisface los propósitos para los que se la destina-, o cualitativos -el grado en que se pueden atribuir a una invención ventajas calificables como un "avance" y no meramente como una alternativa frente al estado preexistente de la técnica-. Tales dificultades condujeron a que la actividad inventiva -o conceptos similares- no alcanzaran una identidad suficiente hasta su reconocimiento explícito por la legislación”. Note-se que a nossa lei prevê um requisito de Erfindungshöhe no sentido do progresso técnico do direito alemão antigo, para o caso de licenças compulsórias de dependência.
[2] Como nota PAGENBERG, Jochen. The Evaluation of the "Inventive Step" in the European Patent System - More Objective Standards Needed - Part Two, 9 IIC 121 (1978), encontrado em http://www.bardehle.de/fileadmin/bardehle/sonstiges/Publikationen/Inventive_Step_II.pdf , falando do abandono desse requisito pela lei alemã,após a aplicação da regra da atividade inventiva da Convenção de Munique: ‘With the abolishment of technical progress as a prerequisite of patentability, to my mind the inventor under European law has the choice: the problem can either be to make something "better" (technical progress) or to make something "different" (alternative means without improvement).”


O parâmetro da Convenção Européia e do PCT acabou sendo a noção de que mesmo soluções alternativas, inclusive por terem efeito potencialmente pro-competitivo, seria também admissíveis à exclusiva . É esse o entendimento dominante desde então. Mathely não está certo, nem errado, pois direito não é digital; esse enunciado é só uma expressão que teve muita oposição, e hoje não muita.

Friday, January 25, 2008

Um perito pode e deve falar da LPI como matéria de fato, sem exercer exegese própria: ele pode e deve citar, por exemplo, que "o INPI entende assim, como se lê de tal e tal diretriz". Assim, isso é citação de fato (que tem de ser documentada em base in claris non fit interpretatio, ou seja, récita de fatos), e não exegese. Fora disso, há destempero da função processual e constitucional da prova, como cito no artigo (com Ana Paula Buonomo Machado) publicada na Revista da ABPI especial de agosto:


Quando a perícia é realizada por um engenheiro sem formação em qualquer das especialidades que são versadas na patente, ofende-se claramente àquilo que o mestre Cândido Dinamarco classifica como direito público ou cívico à prova adequada.
Esta ofensa é, no nosso entender, não só uma simples impropriedade processual, mas, devido ao empenho constitucional em que um monopólio só seja emitido quando presentes substantivamente os requisitos legais, um atentado ao devido processo legal. Há interesse público coletivo em que uma patente nula seja assim determinada segundo a melhor prova possível.
A fortiori, o engenheiro que não tem NENHUMA formação jurídica, deve abster-se de interpretar a LPI.

Ocorre que, frequentemente, em especial no foro estadual, o juiz (e os patronos) pode ser ainda menos conhecedor do que o perito.

Friday, January 18, 2008

Da série: o Pibrasil não viu

(Sobre a crítica feita por João Carlos Muller Chaves ao evento de dezemvro de 2007 do MinC)

Fui um dos palestrantes do evento do MinC. Fiquei feliz em poder oferecer uma contribuição, e tenho certeza de que o Muller também ficou, ao oferecer a dele, n´O Globo. É assim que se discute política pública. Tenho em comum com a posição do artigo a convicção de que o direito autoral deva ser reforçado - mas com musculação e não com dopping. Sei que a metáfora extraída da educação física ou dos esportes talvez não seja a mais adequada a este listeiro, mas ando, faz uns anos, exatamente com essa impressão: a de que a LDA tomou esteróides. A "flexibilização" que efetivamente ando propondo é só tirar da lei o que, nela, tem de doentio e artificial. Como já disse em relação a outros capítulos da PI (depois do KSR, até mesmo 'às patentes...), para mim já estava bom aplicar o Capítulo 17 do United States Code.

Se a LDA fizesse o teste da FIFA, ficava suspensa até a Copa de 2012.

Monday, January 14, 2008

"Although you and your members may own the Ford automobile, you do not own the rights to the trade dress. Taking pictures of any Ford automobiles, placing them on products (i.e. calendar, mugs, t-shirts, etc.) and making them available to the public for sale is an infringement of Ford's intellectual property rights."



Trata-se da chamada "monetização" da marca, uma questão séria do ponto de vista da política pública.

Veja-se o que digo no meu Proteção de Marcas, Lumen Juris, 2007:


3.1.5.5. A monetização da marca

Uma série de casos judiciais, no Brasil[1] e no exterior, vem revelando a função marcaria não ortodoxa que Barton Beebe[2] denomina de monetização da marca: o fato de a marca ser usada não como signo de origem, mas como elemento de consumo em si mesmo, com quem compra um blazer com a marca Rolls Royce inscrita em cor sobre o bolso superior esquerdo, pela evocação do prestígio do carro sobre o way of life do usuário.
Neste caso, cada vez mais freqüente, o processo de significação da marca é transplantado para outro contexto: o signo Rolls Royce, que seria normalmente aposto sobre o automóvel, denotando a origem do produto, e com isso carregando a imagem de qualidade, elegância, durabilidade e, mais do que tudo, exclusividade e preço elevado, é usado sobre uma peça de vestuário – com ou sem licença do titular da marca[3], mas algumas vezes com autorização e satisfação, como forma de merchandising. Alguma parte da imagem da marca[4] seria – é a tese – evocável.


[1] A série de casos relativos à proteção dos emblemas de clubes de futebol.
[2] Beebe, op. cit., p. 657. “The Monetization of Sign-Value: The Merger of Signified and Referent - The social theorist Mark Poster has observed that "today increasingly meaning is sustained through mechanisms of self-referentiality, and the non-linguistic thing, the referent, fades into obscurity, playing less and less of a role in the delicate process of sustaining cultural meanings." A host of trademark commentators have made a similar observation with respect to trademarks. Judge Alex Kozinski, for one, has noted that trademarks have "begun to leap out of their role as source-identifiers and, in certain instances, have effectively become goods in their own right." In such a situation, the eferent, of whose source the consumer is ostensibly being informed by the trademark, is reduced to a nullity. Its absence collapses the trademark's conventional triadic structure by forcing amerger of signified and referent. Thetrade-mark's goodwill is commodified and sold as its own product.
[3] A questão de uso diluidor ou de aproveitamento parasitário não é aqui considerada.
[4] Ou seu branding. Gunnar Swanson, Info-Cafe: Re: Branding, Jun 13 18:01:46 CEST 2004: "I tend to put "brand owner" in quotation marks because the phrase implies too much. For instance, in many ways Coca Cola does not own their brand. They own the trademark but the brand resides in the minds of a billion or so people around the world. The brand is what people think of the fizzy sugar water, what people feel when they see old red vending machines, thoughts of Santa Claus paintings, reactions to Mexican kids wearing t-shirts that say "Come Caca" in a script similar to the trademark, associations with American culture and politics. . . They are, however, the trademark owners and the people who have the right (perhaps even the duty) to try to both protect and exploit the brand."


Minha posição é: o trade dress necessita de tanta dosagem de interesse público quanto às outras formas de PI, não podendo cair no buraco naïve de simples aproveitamento parasitário. Na verdade, o fato descrito não é exatamente violação de trade dress.