Wednesday, March 26, 2008

Notícia do NYT de hoje me acorda para uma velha cisma que tenho com o art. 210 do CPI/96, quando ele preceitua que "Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado ....". Sempre me pareceu que o dispositivo, transplantado de uma tradição internacional, não é compatível com nosso sistema constitucional.

A notícia informa que, no juízo de delibação, julgados americanos importando em indenização punitiva são ercusados na Itália:

As the Italian court explained, private lawsuits brought by injured people should have only one goal ­ compensation for a loss. Allowing separate awards meant to punish the defendant, foreign courts say, is a terrible idea.

Punishments, they say, should be meted out only by the criminal justice system, with its elaborate due process protections and disinterested prosecutors. It is not fair, they add, to give plaintiffs a windfall beyond what they have lost
É exatamente o que venho dizendo. O sistema do processo civil visa a recomposição do dano injusto. O sistema punitivo - penal ou administrativo - tem e deve ter outro sistema de proteção aos interesses do "punido", segundo o art. 5o. LIV da CF88. É uma questão de devido processo legal.

A segunda observação do tribunal italiano toca a outro ponto: punição em favor do prejudicado viola o próprio conceito do sistema da Justiça, em que o Estado se substiui à vindicta privada, subrrogando-se na lide. A única leitura que posso dar ao art. 210 é: "Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais adequado à reparação do dano....". A regra do enriquecimento sem causa, de outro lado, implicaria que eventuais punições monetárias vertessem aos cofres públicos, e não ao particular - que no Brasil já se favorece com a sucumbência.

Um sistema constitucional que prevê danos morais (e sucumbência, que não é regra geral no direito americano) não é compatível com "critério mais favorável ao prejudicado ...."., ou dispensa da porova do dano em ações de PI. Gama Cerqueira propugnava essa dispensabilidade, mas num sistema em que o dano moral inexistia. A notícia do NYT lembra isso:

“Until well into the 19th century,” Justice John Paul Stevens of the Supreme Court wrote in 2001, “punitive damages frequently operated to compensate for intangible injuries” like pain and suffering or emotional distress.

Como meus textos e aulas provavelmente expressam, sou muito influenciado pelo direito romano clássico e pelo direito americano (a versão corrente do direito romano em construção). Mas esse excesso do CPI/96, que veio sim de um precedente americano que se espalha pela PI do mundo, assim como a noção jurisprdencial de que reparação em PI prescinde prova do dano, não dá para aceitar enquanto houver a preocupação do devido processo legal.