Friday, October 22, 2010

Proibir & difundir

Devo ao Bachelard de La Psychanalyse du feu & Le nouvel esprit scientifique ter entrado na propriedade intelectual: num curso da FINEP, de janeiro de 1979 fui tirar do buraco da memória a questão das resistências psicológicas ao conhecimento científico, e o povo gostou; meses depois, acabei convidado para ir para o INPI.

A memória de Bachelard volta agora, ao ler Hybrid - The history & science of plant breeding, Noel Kingsbury, U.Chicago Press, 2009. O livro conta as resistências a Mendel, na assimilação de uma postura profissional e científica no processo de evolução da tecnologia de plantas. Conta, também, a interferência ideológica na ciência soviética, com a doidura de Lyssenko frustrando o desenvolvimento da ciência agrícola da experiência socialista e - quem sabe - ajudando o eventual insucesso do modelo. Certo que Bachelard gosta de falar das resistências junguianas do pensamento científico, e em grande parte o problema da ciência agrícola é um problema de difusão e não de construção do discurso do conhecimento.

Mas aí me vem uma velha história, lida em algum almanaque Eu Sei Tudo, dos que meu avô colecionava nos anos 50. Recuperar a fonte para beneficio da certeza acadêmica deu algum trabalho, mas se lê , falando de Parmantier: em http://fr.wikipedia.org/wiki/Pomme_de_terre#Diffusion_dans_le_monde

"Posteriormente, Parmentier conseguiu obter o apoio das autoridades para incentivar as pessoas a comer batatas. Ele faz uso de um certo artifício que ficou famoso: põe sentinelas (poucas) em torno de um campo de batatas, dando a impressão aos moradores que é um bem escasso e caro, destinados ao uso exclusivo dos nobres. Alguns roubam os tubérculos, cozinham e apreciam. O rei Luís XVI o saúda nestes termos: "A França irá agradecer-lhe um dia ter inventado o pão dos pobres". Seu uso na cozinha de sopa cresce muito rapidamente."

Sim, o proibido gera a sensação do precioso, especialmente num contexto em que a difusão encontra resistências antropológicas. Um matéria do The Economist desta semana narra os métodos pelos quais o estado Chinês está incentivando a geração de tecnologias, através de incentivos indiretos ao patenteamento. Na tradição do "certificado de autor de invenção" (está na CUP, olhem lá no art. 1o) que incentivava os inventores soviéticos a gerar tecnologia em troca de um quarto a mais na casa, num contexto de habitação rara e inacessível, a China dá estabilidade funcional aos pesquisadores, direitos de se mudarem para cidades mais apetitosas, permite que se concedam bônus trabalhistas, etc.

MAs isso não é proibição, os leitores deste blog notarão. Não, é incentivo não rentista. Um indutor ligado à progressão funcional dos pesquisadores talvez criasse menos problemas de ciência política nas ICTs brasileiras do que a participação nas receitas. Talvez (acho isso mesmo) fosse mais eficiente aqui do que a cópia do modelo francês de lei de inovação.

Mas a proibição como incentivo à difusão vem agora. Faz uns meses que os meus clientes, que tinham se acostumado a comprar ativos de certos produtores chineses começaram a ver esse padrão de industrialização frustrado. Tecnologias chinesas começam a ser patenteadas, e os fornecedores usuais tem de negociar internamente. O The EConomist nota (semana passada) que o crescimento de pedidos de patente na China cresceu mais do que todos demais países. Pedidos de patente de inventores chineses.

O que suscito aqui não é o óbvio de que a patente conduz a uma segurança de retorno ao investimento. É algo diverso. É que a proibição induz a superação (além da difusão de Parmantier). O sistema chinês operou intensamente com os modelos de utilidade antes de chegar à patente de invenção. Modelos de Utilidade com novidade nacional: ou seja (e há documentação quanto a isso) em certos casos o modelo de utilidade foi usado para bloquear entrada de investidores, inclusive e principalmente os titulares estrangeiros das tecnologias cobertas pelo modelo de utilidade.

Ou seja, a proibição (mesmo, alguns diriam, "desleal", proibição contra a inovação...) gera o gosto pelo sangue. Defendidos pelo MU, os chineses encontram motivos para difusão de tecnologias (talvez também para alguns resgates de sequestros tecnológicos, os dados parecem apontar, mas isso vem com o modelo).

Por isso, mas não só, defendo a remodelagem dos modelos de utilidade no Brasil. Aqui, ao contrário da China, os MUs vem perdendo terreno. Elevados em importância, examinados como se fossem patentes, os MU tem maior índice de rejeição do que as patentes. Talvez o povo das patentes esteja acreditando demais na teoria da falha de mercado, enquanto que a questão é proibir para difundir.