Friday, January 31, 2003

Sobre o domínio público e o caso Eldred
De Linda Gruber
Novel Art
http://www.novelart.com
If your goal is to nudge languishing copyrighted works into the public domain
sooner, why not petition Congress to offer a tax incentive for donating works
that copyright holders don't plan to exploit themselves rather than thinking of
ways to unfairly push creators into giving up copyrights. Creators' heirs already
give more than other citizens. Who else in our capitalistic society is forced to
give up valuable holdings to the public domain without any compensation for
the loss of income their unique property can potentially produce?
Minha resposta:
The issue is lost when you suggest that a tax incentive should be given to induce authors to donate works to public domain. Economic analysis (it would seem to me) would think that proposal quite a paradox.

The Government incentive already exists. Copyright in itself is an artificial (although necessary) Government interventive action to induce authors to create. If public interest advises that works should remain in public domain, just cease or limit the incentive already granted. Can you imagine a Government subsidy to plant wheat, and a second one to pay for the fuel for burning the same wheat? Oh, that happened in Brazil with coffee, but then , as Charles de Gaule said, Brazil is not a serious country.

Wednesday, January 29, 2003

Sobre o assunto cupuaçu, pondera João Marcos Silveira:

Embora concorde que os fatos narrados sejam absurdos, não vejo muito claramente de que maneira e a que título o INPI possa ou deva atuar com relação ao assunto.

Tais pedidos, desde que as marcas se destinem a assinalar produtos a que correspondam as designações - caso em que esbarrariam na vedação, hoje presente internacionalmente na maioria das legislações, de registro de expressões descritivas ou de uso necessário -, podem ser objeto de oposições ou outras formas de impugnação e indeferidos ex-officio ou por provocação de terceiros interessados, e os registros eventualmente deles resultantes seriam nulos, ou ao menos anuláveis, tudo de conformidade com a lei de cada país.

Não me parece que o INPI tenha possibilidade ou mesmo interesse de monitorar as marcas que são depositadas em cada país com vistas a detectar pedidos de registro que sejam formulados para nomes de produtos de origem brasileira (sejam naturais ou industrializados).

Uma alternativa a essa constante e impraticável vigilância internacional seria a criação de listas de designações de produtos que cada país queira ver salvaguardadas (com a necessária descrição dos produtos em questão, pois seus nomes somente seriam irregistráveis nas classes a eles correspondentes), depositando-se tais listas junto aos inúmeros órgãos de registro de marcas nacionais e regionais, à semelhança do que se faz com relação às denominações de origem, o que me parece igualmente difícil de se colocar em prática.

João Marcos Silveira

Com todo respeito à opinião do João Marcos, que está obviamente certo quanto às providências de longo prazo, lógico que o INPI e o Itamarati podem e devem atuar nisso. Quando no INPI, participei de várias instâncias em que, por via diplomática, casos como estes, em que o Brasil estava do lado réu, foram resolvidos sob a ótica da política internacional do País.

Negociei mesmo, por determinação direta do Ministro Delfim Neto, um acordo com a França durante a vista de João Figueiredo a Paris em 1980, para resolver um conjunto de problemas semelhantes ao do cupuaçu. Com a devida atenção para as desigualdades de poder político entre as naçoes, e as distinções de contexto, a via diplomática que matou a marca Cartier (para gravatas) - inatacável pelo Direito, pode matar a não-marca cupuaçu.

Resta apurar a veemência da noção de interesse nacional para Giscard d'Estaign e para Luis Inácio Lula da Silva.

Tuesday, January 28, 2003

Custódio de Almeida, que justamente se entitula decano dos profissionais de PI no país, conclama apoio para o presidente do INPI, Luiz Otávio Beaklini, na campanha de recuperação da não-marca "cupuaçu", apropriada pela empresa japonesa Asahi. Como lembrou Lord Denning num famoso julgamento na Câmara dos Lordes em que o réu era uma empresa africana, por que pirata é só o terceiro mundo? "In our times, we knighted Francis Drake for the same feats...".

Monday, January 27, 2003

Direito do Mercado

Por um tanto de pudicícia, outro tanto de obsessão (muito justificada por vinte anos de regime autoritário) com os direitos humanos parece que o advogado tem tido vergonha de reconhecer o mercado como objeto do direito.

Pudicícia? Quem procura nos romances e contos brasileiros desde o século XIX a uso da palavra “mercado” nunca encontra uma conotação positiva. Mercado é sempre alguma coisa menos elegante, ou o lugar onde se consegue coisas mais ou menos inconfessáveis. Ainda hoje, a imprensa usa correntemente a expressão “solução de mercado” para todo tipo de eutanásia econômica. Joelmir Betting, quando exuma o termo, costuma citar Maquiavel: “"As maldades devem ser cometidas de uma só vez. As bondades podem ser oferecidas uma de cada vez."

Mas o mercado está em toda parte, sem a menor vergonha de sua importância. Na verdade, consagrada pela Constituição, que no artigo primeiro já fala de liberdade de iniciativa como fundamento de toda essa República. O direito nosso, com o contraponto da proteção ao trabalho, está inteiramente encharcado desse princípio. Em outros sistemas, como o italiano, se discute muito (o jurista Natalio Irti em particular) a oposição entre o dever de solidariedade e o mercado. A idéia de que o egoísmo de cada um é o bem de todos, o evangelho de nossos tempos, parece difícil de assimilar à solidariedade.

Mas certas tendências, das mais recentes, do direito vão reconhecendo o mercado como um objeto inevitável. O Direito do Mercado, como um ramo da prática do advogado e do jurista, foi inventado exatamente por Irti em 1983, e tem recebido nos últimos meses contribuições importantes no mundo todo. Direito de Empresa, ou de Mercado? O Código Civil, esse novo-velho em tantas coisas, parece que aqui também chega atrasado.

A Defesa da Concorrência, o Direito do Consumidor, partes necessárias do Direito de Mercado, indicam que a norma e o problema já está aí, na sensibilidade de todos, antes que se perceba a coerência e o sistema necessário. A “empresa” do Código Civil italiano e agora do nosso, é conceituada como uma operadora de atividades econômicas. Que economia? Aquela que os comercialistas de antes usavam para definir o ato de comércio: a economia do proveito, do lucro. Do mercado sempre...

Lógico que a propriedade intelectual é um segmento do Direito do Mercado. Pelo menos, depois que foram virtualmente extintos os certificados de autor de invenção, que eram o meio de proteger a propriedade das criações fora da economia de mercado.
Mickey Mouse e as patentes brasileiras

A proteção das criações intelectuais é temporária – ao contrário da propriedade dos bens materiais. Mas o que é temporário?

Na mais importante decisão deste inicio de 2003 (Eldred v. Ashcroft), a Suprema Corte Americana entendeu, por voto de 7 dos seus nove ministros, que “temporário” é aquilo que o Congresso entender que é. Prorrogar o direito autoral sobre o Mickey Mouse de 28 para 90 anos, ou trezentos, é uma questão de política legislativa, sem nenhum problema constitucional.

Problema americano. Aqui no Brasil, o Mickey continua protegido igualzinho, com prazo prorrogado pela lei de 1998, sem que ninguém suscitasse o problema no judiciário. Então é isso.

Na verdade, a discussão na Suprema Corte atinge todos nós. Ao concluir que se pode estender um direito intelectual além do prazo pelo qual foi concedido, o tribunal, cujas decisões têm respeito intelectual e criam precedente para o poder político da principal potência econômica e militar, abateu as esperanças de quem entendia que o público um dia também podia ter acesso às criações livremente. A mítica que as criações do homem passariam à humanidade.

Lawrence Lessig, o professor de Stanford que foi o advogado do caso, defendia exatamente esse princípio – a necessidade do domínio público das criações intelectuais. Depois do infausto, publicou na seção opiniões do New York Times uma sugestão alternativa: a da prorrogação mediante pagamento, após os primeiros 50 anos. Quem quiser ter direitos para sempre, pague. Assim só as obras de importância econômica (ou sentimental...) persistiriam. As demais cairiam no domínio público.

A idéia na verdade é de Richard Posner, o desembargador do Tribunal Regional Federal de Chicago e chefe da escola de Law & Economics, que tem sido considerado o maior jurista americano. No manuscrito de seu A Economia da Propriedade Intelectual, a que o autor me deu acesso por especial gentileza, a proposta é de um direito perpétuo, mas pagante. Gilbert e Shapiro, em 1990, já tinham proposto o mesmo estilo para patentes: direitos bem estreitos no alcance, mas longos, ou eternos. Eficiência econômica como único critério. O interesse social fica sem importância nessa equação

O mais importante para o Brasil, porém, é um detalhe que a imprensa americana nem mencionou ainda. A prorrogação de patentes, tratada lateralmente pelo julgado da Suprema Corte. Enfaticamente, a maioria (o voto é da ministra Ruth Ginsburg, tida por bem de direita) rejeitou a idéia de que o equilíbrio constitucional de interesses fosse igual para patentes e direitos autorais. A atenção aos direitos do público, dos investidores e dos investidores no caso das patentes (a barganha social que leva às patentes) é completamente diversa no caso das invenções do mundo industrial. A decisão no caso Eldred não se aplica de forma nenhuma às patentes.

Apesar de mencionar que, no século XIX, houve prorrogações de patentes individuais, o acórdão não muda frontalmente o princípio de que patentes não podem ser prorrogadas. Como nota o mais importante dos dois votos divergentes, continua em pé o princípio do caso Sears v. Stiffel de 1964 – um acórdão unânime no qual a Corte declarou que um estado não poderia estender o prazo de uma patente. Em nenhum lugar, apesar da visível e quase insopitável tentação de fazê-lo, a maioria declarou que uma patente poderia ser prorrogada sem violação da Constituição. O decoro e o precedente unânime não lhe permitiu tanto.

Num ambiente constitucional como Brasileiro, onde as patentes também são tratadas de forma diversa do direito autoral, Eldred não pode ser usado para justificar a prorrogação das patentes conferidas antes da atual lei (de 1996). Nas centenas de ações judiciais em curso no Brasil sobre o tema, é bom lembrar o que disse o acórdão da maioria em Eldred: “A reader of an author's writing may make full use of any fact or idea she acquires from her reading. The grant of a patent, on the other hand, does prevent full use by others of the inventor's knowledge”.

Uma patente prorrogada, aqui ou nos Estados Unidos, elimina o direito de todos de usar livremente a tecnologia protegida. Mas, ao limitar no momento da concessão a duração do monopólio ao dono da patente, a lei incorpora ao patrimônio de todos também o direito do uso livre da tecnologia. O público teve seu interesse de uso livre sujeito a um termo certo, e por isso, petreamente protegido pela nossa Constituição.

Denis Borges Barbosa