Como já notamos no Uma Introdução, ao falar do caso
A concepção oriunda da Convenção da Biodiversidade é que os elementos pré-criativos – recursos genéticos e conhecimentos tradicionais – também merecem valoração econômica em pé semelhante ao da criação intelectual. Como um reconhecimento da contribuição de elementos estranhos ao sistema da Propriedade Intelectual, introduziu-se a noção do controle dos titulares (Estados ou comunidades) sobre os recursos genéticos ou conhecimentos tradicionais. Nada se pode argüir, quanto à sistemática dos direitos, do reconhecimento de tais valores.
Mas este novo estamento de direitos não deixa impune o sistema de Propriedade Intelectual. Os instrumentos que o Direito teceu, nos últimos quatrocentos anos, para promover a inovação presumem que se tomem insumos do domínio comum, acreça-se algo que é novo, proteja-se este segmento com uma exclusividade temporária em favor de pessoa determinada, e que ao fim dessa proteção, a novidade aceda ao estamento em domínio comum.
O novo tratamento dos recursos genéticos prevê que a informação genética preexistente (que é distinta da informação no estado da técnica, com ser de natureza não-simbólica) seja sujeita a um regime de autorização de uso, e de contribuição econômica, sempre que seja insumo para o processo inovador. Conhecimentos tradicionais também são tratados como insumos, mas aqui – em grande parte – a informação-insumo é da mesma natureza simbólica do estado da técnica.
O reequilíbrio do sistema da Propriedade Intelectual com a adição desses dois elementos não pode se resumir, assim, a um aumento de custos para o consumidor final, ou uma diminuição da margem de retorno do inovador. Com a extração desses dois elementos do que antes era uma fonte de uso potencialmente livre (pois há elementos que, estando no estado da técnica, não são livres, como o conteúdo de patentes ainda em vigor), é necessário requilibrar todo o sistema.
Quando uma patente anterior impede o livre uso de elementos de tecnologia a serem aperfeiçoados, o Direito Brasileiro (e muitos outros direitos) prevê a licença de dependência, sempre que haja um interesse mais lato além do simples interesse privado no aperfeiçoamento da tecnologia; e também há liberdade no uso de uma tecnologia pré-existente para efeitos de pesquisa. Isto se dá sem qualquer autorização prévia ou (no caso do uso livre para pesquisa) comunicação formal. Isso não se dá, no momento, no sistema americano, mas é uma exceção em favor do patrimonialismo.
É razoável (no sentido de que toca ao senso comum) que se trate o controle da informação-insumo da mesma forma, sendo apropriada por um direito de Propriedade Intelectual ou pelo regime da Convenção de Diversidade. Não parece, no entanto, funcional que se imponha quanto ao regime dos recursos genéticos ou conhecimentos tradicionais tratamento diverso, impedindo a licença de dependência ou sujeitando a pesquisa tecnológica a uma autorização.
A comunidade humana muito teve de se insurgir contra os excessos da Propriedade Intelectual nesses quatrocentos anos para se alcançar alguma medida de equilíbrio de interesses. Não é sábio aplicar ao regime matizado que temos, em particular no sistema brasileiro, um regime de extremado patrimonialismo, ainda que sob o argumento de que é necessário reequilibrar os regimes históricos de apropriação internacional e intercultural. Ninguém chegou a propor que, para compensar os regimes de apropriação original dos barões-ladrões, fosse legitimado o império do proletário-ladrão
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